terça-feira, 2 de julho de 2013

Massa nas ruas, despolitizada, pode servir a interesses alheios


Analistas ouvidos pela Rede Brasil Atual (leia AQUI) interpretam as manifestações que tomaram as ruas das principais cidades do país na semana passada como uma “explosão” de insatisfações cultivadas há anos pelos brasileiros, que, no entanto, está marcada por um nível reduzido de elaboração política. “Quem esteve nos protestos ficou impressionado com a despolitização das pessoas”, avalia o arquiteto Chico Whitaker, membro da Comissão Brasileira de Justiça e Paz e conselho internacional do Fórum Social Mundial. “Não sabiam ao certo porquê estavam brigando. Mesmo assim, levantavam as bandeiras que estavam sendo levantadas.”

Whitaker cita a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 37 como um dos maiores exemplos de que grande parte dos manifestantes não tinham clareza sobre suas reivindicações. Presente nas manifestações que na última quinta-feira (20) tomaram a Avenida Paulista, em São Paulo, para comemorar a redução da tarifa de transporte público, a RBA entrevistou ao menos três pessoas que traziam cartazes contra a PEC 37, mas admitiram não saber exatamente do que se tratava a medida. “A mídia amplifica essas pautas, fala que é contra a impunidade e a corrupção, e as pessoas vão em frente. Para esse caldo de cultura que está aí, é uma maravilha.”

A jornada de protestos chamou a atenção pela brusca mudança na pauta de reivindicações apresentadas pelos manifestantes. No começo da mobilização, poucas pessoas compareciam às marchas, mas tinham uma demanda única e específica: a redução imediata do preço da passagem de ônibus, trem e metrô. Após a massificação dos protestos, porém, gritos e cartazes se multiplicaram. A partir da insígnia “Não é só por 20 centavos”, as pessoas passaram a exigir melhorias nos serviços de saúde e educação, fim da corrupção e menor carga de impostos, além de denunciar os “elevados” gastos públicos para a realização da Copa do Mundo de 2014. No último dia de manifestações, até mesmo o impeachment da presidenta Dilma Rousseff (PT) ganhou adeptos.

“A mobilização social é como uma Caixa de Pandora: você não tem o controle sobre a situação”, analisa Maria Aparecida de Aquino, professora de História Contemporânea da Universidade de São Paulo. “Uma coisa é dizer que existe um determinado objetivo, que é o objetivo inicial, e outra coisa é chamar as pessoas à participação e de repente observar que essas pessoas não são originalmente aquelas que comungam dos seus meus ideais.” Para Aquino, essa pluralidade não deveria ser uma surpresa: é fruto direto da maneira utilizada pelos organizadores da mobilização para convocar os protestos. "A internet é uma via extremamente poderosa para convocar as pessoas, e atinge a todos indiscriminadamente”, pontua. “Você pode ter uma determinada reivindicação, mas, a partir do momento em que as pessoas vão às ruas, seu controle sobre elas é muito restrito.”

Apesar de considerar as bandeiras de saúde, educação e corrupção como reivindicações “legítimas” que refletem “necessidades históricas do povo brasileiro”, a historiadora da USP desconfia do nível de politização da maioria dos manifestantes. “Eles não possuem uma conscientização política claramente estabelecida”, diz. “Atenderam a um chamado, um desejo, que é quase que intestino.” Aquino faz uma diferença entre a consciência política e aquilo que se denomina consciência da fome – que promove respostas diretas. “O tipo de resposta apresentada pelo movimento é imediata: estamos cansados da bandalheira, estamos cansados de não ter condições de vida adequadas, de vivermos com transporte péssimo, educação de baixa qualidade, corrupção.”

Daí a dificuldade – retoma Whitaker – de compreender o verdadeiro sentido do verde-amarelo com que se vestiu a maioria dos manifestantes. “O verde-amarelo, para a massa despolitizada, representa a pátria. Pode ser um acúmulo de memórias do verde-amarelo do impeachment do ex-presidente Fernando Collor, mas também é o verde-amarelo dos militares”, questiona. “As cores da bandeira têm sido utilizadas para separar quem é a favor do Brasil e contra o Brasil.” Por isso, o arquiteto teme que essa nova coletividade possa ser utilizada em prol de objetivos amplificados pelos meios de comunicação. “É uma turma pronta para engrossar fileiras contrárias ao PT, por exemplo. O PT é o diabo para muita gente. A mídia pode levantar essa questão e automaticamente os caras se aproveitam.”

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