quarta-feira, 13 de março de 2013

Eliminar a fome é condição para o desenvolvimento sustentável na África




Nairóbi, Quênia, 16/05/2012

Lançado pelo PNUD, Relatório de Desenvolvimento Humano da África aponta que a segurança alimentar deve estar no centro da agenda de desenvolvimento do continente

PNUD
A África Subsaariana não poderá sustentar o seu atual renascimento econômico sem antes eliminar a fome que afeta cerca de um quarto de sua população. A constatação está no relatório Africa Human Development Report 2012: Towards a Food Secure Future (Relatório de Desenvolvimento Humano para a África 2012: Rumo a um Futuro de Segurança Alimentar), lançado esta semana pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
“Impressionantes taxas de crescimento do PIB na África não se traduziram na eliminação da fome e da desnutrição. São necessárias abordagens inclusivas de crescimento que sejam centradas nas pessoas para o alcance da segurança alimentar”, disse a Administradora do PNUD, Helen Clark.
Argumentando que o foco exclusivo na agricultura não é solução para a o problema, o Relatório clama por uma nova abordagem multissetorial: da infraestrutura rural a serviços de saúde, de novas formas de proteção social ao empoderamento de comunidades locais. Garantir que os pobres e vulneráveis tenham mais voz através do fortalecimento de governos locais e da sociedade civil também é necessário à segurança alimentar. O ritmo cada vez mais rápido da mudança e da nova vitalidade econômica do continente faz deste o momento mais oportuno para ação, diz o Relatório.
“É um grande paradoxo o fato de que, em um mundo de excedentes de alimentos, a fome e a mal nutrição permaneçam quase universais num continente com tanta capacidade para a agricultura”, diz Tegegnework Gettu, Diretor do Escritório do PNUD para a África. Em mais um paradoxo, os altos índices de crescimento econômico na África Subsaariana – alguns entre os mais rápidos do mundo – e melhorias na expectativa de vida e nos índices de escolaridade não levaram a melhorias consideráveis na segurança alimentar.
Com mais de um em quatro de seus 856 milhões de habitantes subnutridos, a África Subsaariana continua como a região de maior insegurança alimentar no mundo. Atualmente, mais de 15 milhões de pessoas estão em risco apenas na região do Sahel – em toda a faixa semi-árida do Senegal ao Chade. Além disso, um número equivalente no Chifre da África continua vulnerável após a crise alimentar do ano passado no Djibouti, na Etiópia, no Quênia e na Somália.
A fome e períodos extensos de desnutrição não apenas devastam famílias e comunidades no curto prazo, mas também deixam um legado às futuras gerações que prejudica a subsistência e o desenvolvimento humano.
Segurança alimentar, segundo definição da Cúpula Mundial da Alimentação, é a ideia de que as pessoas possuem acesso a comida nutritiva e suficiente para atender suas necessidades nutricionais para manter uma vida ativa e saudável, e a um preço que elas possam custear.
Livres do flagelo da fome, as pessoas são mais produtivas e atingem seu pleno potencial. Ao mesmo tempo, índices mais altos de desenvolvimento humano podem melhorar o acesso à comida, criando um círculo virtuoso.
Políticas para construção da segurança alimentar
“Construir um futuro de segurança alimentar para todos os africanos só pode ser possível se os esforços forem realizados dentro de uma agenda completa de desenvolvimento”, disse Helen Clark. Embora reconhecendo que não há soluções rápidas, o Relatório argumenta que a segurança alimentar pode ser atingida através de ação imediata em quatro áreas críticas:
Aumento da produtividade da agricultura: Com uma projeção de crescimento da população prevista para exceder dois bilhões por volta de 2050, a África Subsaariana precisará produzir substancialmente mais comida, enquanto minimiza os conflitos entre agricultura e meio ambiente.
Acabando com décadas de preconceitos contra a agricultura e contra as mulheres, os países devem colocar em prática políticas que garantam insumos, infraestrutura e incentivos aos agricultores para que aumentem a produtividade. É particularmente importante encorajar o espírito inovador e empreendedor à crescente população jovem africana para estimular as economias rurais.
Com dois terços de trabalhadores africanos vivendo da terra, as políticas promotoras da produtividade da agricultura estimulariam o crescimento econômico, retirando populações inteiras da pobreza através da geração de renda e de empregos e aumentando as capacidades de poupança e investimento no futuro. Isto também irá possibilitar um uso mais sustentável da terra e da água.
Tais ações podem fazer a diferença. Gana tornou-se o primeiro país da África Subsaariana a atingir o 1º Objetivo de Desenvolvimento do Milênio de erradicar a fome até 2015, parcialmente através de políticas que encorajaram o aumento da produção de cacau. O Malawi transformou seu déficit alimentar de 1,3 milhão de toneladas num excedente em apenas dois anos, graças a um programa massivo de subsídio de sementes e de fertilizantes.
Nutrição mais efetiva: Os países devem desenvolver intervenções coordenadas que melhorem a nutrição enquanto expandem o acesso a saúde, educação, saneamento e água potável. O relatório cita pesquisas que mostram que a educação das mães é mais importante na explicação de taxas mais baixas de desnutrição em crianças do que a renda familiar.
No Senegal, ações coordenadas desenvolvidas através de diversos ministérios, apoiadas por um aumento no orçamento nacional destinado à nutrição, ajudaram a diminuir a incidência da desnutrição em crianças de 34% para 20% entre 1990 e 2005. Na Tanzânia, por meio de esforços similares, as crianças cujas mães receberam suplementos alimentares nos três primeiros meses de sua gravidez completaram períodos escolares mais longos.
Construção da resiliência: Trazer a comida do campo para a mesa, na África Subsaariana, é uma tarefa repleta de riscos. Os países devem tomar medidas para diminuir a vulnerabilidade de pessoas e comunidades a desastres naturais, conflitos civis, alterações sazonais ou voláteis nos preços dos alimentos e às mudanças climáticas.
O relatório recomenda a implementação de programas de proteção social como seguros sobre colheitas, programas de garantia de emprego e transferências de renda – políticas que podem proteger as pessoas destes riscos e aumentar a renda.
O Quênia, por exemplo, desenvolveu um plano de seguros contra secas que pagava a pequenos agricultores de acordo com os níveis de precipitação apontados por estações de monitoramento climático. Outro exemplo são as feiras comerciais de insumos (input trade fairs) no Moçambique, que repõem estoques de sementes de famílias afetadas pela seca.
Empoderamento e justiça social: Alcançar a segurança alimentar na África Subsaariana continuará um objetivo inatingível enquanto os pobres das áreas rurais, em especial as mulheres, que têm um papel majoritário na produção alimentar, não tiverem maior controle sobre suas vidas, diz o Relatório.
Garantir acesso a terra, a mercados e a informações é um passo importante para o empoderamento. Diminuir a lacuna entre os gêneros é particularmente importante: quando as mulheres conseguem acesso aos mesmos insumos que os homens, as safras podem aumentar mais de 20%.
O acesso à tecnologia pode ter um papel importante para desequilibrar a balança de poder em favor dos pequenos agricultores, reduzindo os custos de transação e aumentando o poder de barganha. A Bolsa de Valores de Commodities da Etiópia (Ethiopia Commodity Exchange), por exemplo, usa mensagens de texto via celular para disseminar informações de preços aos agricultores, recebendo mais de 20 mil ligações diárias em uma linha direta destinada às respostas de suas perguntas.
O acesso deve ser conectado à maior participação no debate público. Esta maior participação, por sua vez, deve ser conectada à maior responsabilidade de governos e organizações.
Por muito tempo, a imagem da África foi desumanizada pela fome. O tempo de mudanças já passou em muito, argumenta o relatório. “A África tem o conhecimento, a tecnologia e os meios para acabar com a fome e com a insegurança alimentar”, diz Tegegnework Gettu. O desafio é grande, o espaço de tempo é curto e os investimentos necessários são significantes, mas os ganhos potenciais para o desenvolvimento humano da região são imensos, conclui o Relatório.

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