sexta-feira, 19 de junho de 2015

O VISIONÁRIO DE AVATAR

 Parte de uma entrevista publicada nas páginas amarelas da revista Veja de 14/4/2010:

                                                 O VISIONÁRIO DE AVATAR
O cineasta diz que a sequência do filme de maior faturamento da história mostrará a necessidade de encontrar um equilíbrio entre desenvolvimento e meio ambiente.

 O cineasta canadense James Cameron, de 55 anos, é o criador de alguns dos maiores sucessos do cinema, como O Exterminador do Futuro, Aliens, Titanic e, recentemente, Avatar, uma produção de mais de 300 milhões de dólares que ultrapassou a marca de 2 bilhões de dólares de faturamento em venda de ingressos. Cameron planeja dar sequência a Avatar. Profeta da tecnologia aplicada ao cinema e dono de um dom quase infalível para saber o que fará sucesso entre os espectadores, Cameron também tenta ser um visionário do meio ambiente. Ele esteve no mês passado no Brasil para participar, em Manaus, do Fórum Internacional de Sustentabilidade, realizado pela Seminars e promovido pelo Lide. Aproveitou a ocasião para sobrevoar pela primeira vez a Floresta Amazônica e conhecer a região onde será construída a Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Xingu. Após a visita, decidiu organizar uma campanha internacional contra a usina. Cameron concedeu a seguinte entrevista a VEJA:
Qual foi sua motivação para filmar Avatar?
O filme surgiu da minha necessidade de dizer algo sobre como a destruição da natureza ameaça o mundo. Gosto de comparar a questão ambiental com o naufrágio do Titanic. Quando foi dado o aviso de que havia um iceberg na rota do navio, não dava mais tempo de desviar. O impacto ocorreu noventa segundos após o sino de alerta ter sido tocado. A questão é: o mundo já se encontra no estágio em que nada mais pode ser feito para evitar o desastre ambiental? Ou estamos em um momento anterior, em que ainda dá tempo de reduzir o ritmo de poluição e de destruição para evitar o pior? Avatar é a minha maneira, como artista e cineasta, de tocar o sino de alerta. Uma das imagens recorrentes em Avatar é a dos personagens abrindo os olhos. Há sempre alguém acordando no filme. A mensagem subliminar é que a sociedade precisa acordar para os problemas ambientais e lidar com eles. Avatar valoriza experiências sensoriais como entrar em uma floresta cheia de flores coloridas ou sentir a terra sob os pés nus.
A humanidade esqueceu como apreciar essas sensações?
Sim. As pessoas estão se afastando não apenas da natureza, mas do contato humano. Os jovens têm as suas interações sociais on-line, em vez de pessoalmente. As aventuras acontecem em jogos de computador, não mais fora de casa. A interação com a realidade, com outras pessoas e com a natureza está diminuindo. A tecnologia permite isso.
O senhor, contudo, é o diretor de cinema que mais usa tecnologia no mundo. Como explicar esse paradoxo?
De fato, é um paradoxo. Eu sempre tive uma relação de amor e ódio com a tecnologia. Durante as filmagens de Avatar, os atores tiveram de entrar em contato com o lado mais primitivo de si próprios e, ao mesmo tempo, atuar nas condições mais high-tech possíveis. Para dar uma ideia da tecnologia envolvida, este foi o primeiro filme a demandar uma memória de 1 petabyte (1 milhão de gigabytes) para ser armazenado. Para processar as imagens digitais, na Nova Zelândia, tivemos de desenvolver o computador mais potente do Hemisfério Sul. Ou seja, não podemos ser ludistas e afirmar que toda tecnologia é ruim. A solução para salvar nosso planeta também passa pelo uso da tecnologia. Por isso, penso que, antes de construir uma hidrelétrica como a de Belo Monte, no Pará, por exemplo, o governo brasileiro poderia buscar outras saídas para atender à necessidade de energia do país. Todo projeto de represa com um impacto negativo sobre os moradores da região deveria ser evitado. A alternativa, no nível nacional, pode ser aumentar a eficiência no uso de energia nas cidades.
Na construção de um projeto como o de Belo Monte há duas forças legítimas em conflito: o desenvolvimento econômico e a defesa do ambiente. É possível conciliar os dois, desde que se encontre um meio-termo. Em Avatar não existe o meio-termo. Por quê?
A explicação é simples: a solução moderada provavelmente não é a melhor solução. Imagine um caçador sufocando um animal aos poucos. Ele aperta o seu pescoço, depois solta só um pouquinho — e assim sucessivamente até que o animal para de respirar. Quando a civilização bate de frente com a natureza, não dá para ter meio-termo. Ou o governo constrói a represa de Belo Monte, ou não a constrói.
Em Avatar 2, o meio-termo entre economia e meio ambiente será encontrado?
Sim. O próximo filme não deverá ser tão preto no branco quanto o primeiro. Durante uma projeção de Avatar no Equador, a anciã de uma tribo indígena criticou o filme por escolher a violência como solução para o conflito ambiental. Por isso, pretendo mostrar, na continuação da obra, que as partes têm de chegar a um acordo. Outras questões a que Avatar 2 e, talvez, Avatar 3 precisam responder: a humanidade pode ser salva? O modo de vida dos Na'vi (o povo azul que habita Pandora, a lua fictícia do filme) pode transformar o planeta Terra ou estamos condenados? Os seres humanos serão capazes de absorver as ideias poderosas de Pandora e aplicá-las à própria vida, de maneira a recuperar tudo o que perderam? Em outras palavras, os Na'vi podem ter uma mensagem de esperança para nós, terráqueos? O primeiro Avatar é apenas o tiro inaugural de uma gigantesca batalha de ideias e civilizações.
                                                                                                                                        Diogo Schelp