O território gelado guarda nada menos do que 400 bilhões de barris de petróleo. E todo mundo quer beliscar um pedaço desse tesouro
Texto Pedro Dória
Nas contas da respeitada consultoria da área de energia Wood Mackenzie, há
400 bilhões de barris de petróleo no círculo polar ártico. Não custa comparar, o
megacampo de Tupi, anunciado em novembro último pela Petrobras, tem até 8
bilhões de barris. E essa brutal quantidade inexplorada de combustível no Ártico
é um problema. Primeiro, porque gera a tentação de explorar; segundo, porque não
é tão claro quem manda naquelas águas; terceiro, pelo aquecimento global.
Em julho, a Rússia pediu à ONU que incluísse em seu território 119 395 km2 do
Pólo Norte. O Pólo Norte não é como o Sul: não há terra para além de Europa,
Ásia e América do Norte. O que há no topo do mundo é água fresca congelada.
Dessa forma, a regra que rege a área é a Lei do Mar, um tratado internacional de
1982 assinado por todos os países cujos territórios ultrapassam o círculo polar
ártico com exceção dos EUA.
Os EUA vão assiná-lo. Em 2007, o Senado do país aprovou sua inclusão, embora
ainda existam trâmites a seguir. Como a aprovação veio a pedido do presidente
George W. Bush, a sanção da Casa Branca é garantida.
O que a Lei do Mar determina é que todo país tem o direito de controlar até
200 milhas de distância de sua costa – equivalente a 370 quilômetros. O dilema é
determinar onde tem início a costa. Se um país prova que sua crosta submersa vai
além das 200 milhas, conta a partir dali. Mas há um prazo para a requisição – e,
portanto, há uma corrida em jogo.
A alegação russa é de que a cordilheira de Lomonosov, que se estende por
baixo do oceano Ártico ocupando quase metade do círculo polar, tem início na
plataforma continental asiática. Ou seja, da Rússia. A alegação é antiga – a
diferença, agora, é que o russos têm um extenso relatório composto por uma
expedição a bordo de um submarino nuclear.
Mas, antes que Moscou possa anexar um naco do Ártico equivalente ao tamanho
de França, Alemanha e Itália somadas, dois órgãos precisam ratificar o processo.
O primeiro é a ONU, responsável por moderar quaisquer dúvidas a respeito da Lei
do Mar. O segundo é o Conselho Ártico. Nele, além dos russos, sentam-se também
Canadá, EUA, Dinamarca, Finlândia, Islândia, Noruega e Suécia – os 8 que têm
territórios para além do círculo.
E isso é um problema. Embora não haja provas científicas, a cordilheira de
Lomonosov provavelmente faz parte também da plataforma continental americana –
e, seguindo o raciocínio russo, os canadenses poderiam requerer para si a mesma
metade do pólo. Aliás, eles já fizeram um requerimento não tão ambicioso, mas
ainda assim grande. Como o fizeram também Noruega e Dinamarca e como pretende
fazer, segundo o Washington Post, os próprios EUA, tão logo ratifiquem o
tratado.
Em jogo, afinal, estão 400 bilhões de barris de petróleo e uma quantidade
igualmente dantesca de gás natural. Aquela é a região mais difícil de extração
que há – apresenta um problema delicado de engenharia e condições inumanas para
habitação. Além do círculo polar, faz sol quase o dia todo no verão e o inverno
é noite quase contínua. A vegetação mal cresce e são poucos os animais que
sobrevivem. A maior cidade além do círculo é Murmansk, na Rússia, com 325 mil
habitantes. A 2a maior, Norilsk, tem 135 mil – e por aí vai. Plataformas
petroleiras para muito além do continente – que é mesmo onde ficariam – seriam
desumanas.
Imagem retirada do site: brasilsoberanoelivre.blogspot.com
A confirmar-se a previsão da Wood Mackenzie, de que há mais gás do que
petróleo, o problema fica ainda mais difícil. Petróleo leva-se de navio. Para
gás, é preciso ou uma usina de liquefação flutuante – que custaria um preço
extorsivo – ou um gasoduto, que é impossível de construir sem que o impacto
sobre o ambiente, a fauna e a flora seja grande.
O irônico, certamente, é
que o Conselho Ártico foi criado em 1996 com um discurso um bocado diferente. O
propósito era dividir a responsabilidade pelo derretimento da água fresca que,
um dia, congelou no pólo. A mesma água que, uma vez derretida em consequência do
aquecimento global, mudará as correntes, cobrirá Amsterdã e carregará consigo o
clima da Terra. Aquecimento esse, como costuma sugerir a própria ONU, causado
pelo excesso de queima de combustíveis fósseis. Esses mesmos que sonha-se
retirar do Ártico.
Ártico - 400 bilhões*
Arábia Saudita - 262,7 bilhões*
Canadá - 178,9 bilhões*
Irã - 132,5 bilhões*
Iraque - 112,5 bilhões*
Emirados Árabes - 97,8 bilhões*
Venezuela - 75,27 bilhões*
Rússia - 74,4 bilhões*
EUA - 22,45 bilhões*
Brasil - 12,22 bilhões
União Européia - 7,33 bilhões*
*Barris
Fonte: World Factbook da CIA - órgão oficial dos EUA.
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