segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Japão investe em energia geotérmica



YURIKO NAGANO

DO "NEW YORK TIMES"

YUZAWA, Japão - Tarobee Ito, 69, é o guardião de um legado familiar que sobrevive há mais de 12 gerações: ele administra o Tarobee Ryokan, um tradicional "onsen ryokan" (hotel junto a fontes termais) no desfiladeiro de Oyasu.

No mesmo local, perto da cidade de Yuzawa, no norte do Japão, há cerca de uma dúzia de outros estabelecimentos do tipo.

Recentemente, o vapor branco dessas fontes também atraiu planos para a construção de uma usina geotérmica na região, considerada um monumento nacional.

O Japão busca fontes energéticas alternativas -como a geotérmica- desde março do ano passado, quando um tsunami destruiu a usina nuclear de Fukushima Daiichi.

Os 54 reatores atômicos do país foram paralisados, e só dois retomaram as operações desde então.

As usinas nucleares forneciam 30% da eletricidade japonesa. Sua interdição causou uma escassez energética nacional.

Segundo a Associação Geotérmica Internacional, o Japão tem a terceira maior reserva de energia geotérmica do mundo, atrás dos EUA e da Indonésia, mas ocupa apenas a oitava colocação em termos de produção.

O governo japonês diz que pretende triplicar o uso de energias renováveis, inclusive a geotérmica, até 2030.

Neste ano, o governo destinou 9 bilhões de ienes (US$ 115 milhões) para levantamentos geotérmicos e solicitou 7,5 bilhões de ienes para continuar o trabalho em 2013. Reservou também 6 bilhões de ienes para um programa de ajuda a desenvolvedores de energia geotérmica e está pedindo 9 bilhões adicionais para prorrogar essa iniciativa.

A primeira usina geotérmica japonesa começou a funcionar em 1966, numa região próxima a Yuzawa.

Há, atualmente, 17 usinas geotérmicas no país, mas desde 1974 a construção de novas unidades está suspensa, devido a preocupações ambientais.

As usinas geotérmicas geram 535 megawatts, ou 0,2% do total nacional. Mas seu potencial é enorme: mais de 20 gigawatts de energia geotérmica poderiam ser produzidos no Japão, segundo um relatório governamental.

"Ao contrário das energias solar ou eólica, que dependem das condições climáticas, a energia geotérmica é bastante consistente e estável em termos de produção", disse Keiichi Sakaguchi, chefe do grupo de pesquisas geotérmicas do Instituto Nacional de Ciências e Tecnologias Industriais Avançadas.

Quase 80% das reservas geotérmicas japonesas ficam em áreas tombadas como monumentos ou parques nacionais.

Em março, o governo suspendeu a proibição de novas usinas geotérmicas nesses locais, o que pode resultar em cinco projetos em monumentos e parques nacionais.

"Muitos moradores da cidade, inclusive eu, apoiam o desenvolvimento da energia geotérmica. Ela nos diferencia dos municípios vizinhos", disse Shoji Sato, 77, presidente da ONG Conselho de Facilitação do Desenvolvimento Geotérmico da Cidade de Yuzawa.

Sato admite que os operadores de pousadas em Oyasu estão "um pouco nervosos" com o risco de perderem suas águas termais.

A empresa petrolífera japonesa Idemitsu Kosan é um dos desenvolvedores desse projeto, e seus representantes já se reuniram com líderes comunitários para explicar os planos.

A Idemitsu quer perfurar um poço exploratório de mais de 1.500 metros para testar o volume e a temperatura das águas termais e dos reservatórios de vapor.

Outro grande projeto geotérmico está previsto para a Prefeitura (província) de Fukushima. Lá, grupos locais de "onsens" ainda estão avaliando a situação, e o levantamento técnico não foi iniciado.

Sakaguchi disse que projetos geotérmicos fora do Japão já causaram o esgotamento de duas fontes termais, mas que "a tecnologia para detectar movimentos subterrâneos e a tecnologia de simulação realmente melhoraram nas últimas duas décadas, então o risco é muito menor".

O desenvolvimento de uma usina geotérmica geralmente leva 20 anos, inclusive por causa da demora em obter a confiança e a cooperação dos locais, segundo Sakaguchi.

Ito, do Tarobee Ryokan, está preocupado. "Parece que há algum risco envolvido", disse. "Nada é um negócio fechado."
Folha de S.Paulo

domingo, 4 de novembro de 2012

Catástrofes que podem acabar com o mundo.



A catástrofe chamou a atenção de todo o mundo não só pelas vidas perdidas e pelos dramáticos esforços de resgate. O Japão é um dos países mais bem preparados para enfrentar desastres naturais, e ainda assim foi devastado pela força da natureza. Um sinal de que nenhum país está a salvo.

Em 2010, desastres naturais mataram pelo menos 234 mil pessoas e afetaram quase outras 200 milhões no mundo. Nenhum especialista é capaz de dizer se esse número vai diminuir ou aumentar daqui para a frente, mas já se sabe que a intensidade das catástrofes vai crescer. O aquecimento global fará a temperatura subir - ela será até 3,5º C mais alta até 2035, segundo a Agência Internacional de Energia. Isso significa mais secas, enchentes, erupções, furacões destruidores e até terremotos. E, sim, pode existir uma ligação entre esses fenômenos e a ação humana. Nas linhas seguintes, você descobre os riscos que corremos. E como podemos nos preparar.
Mesmo com todas as precauções, o Japão não foi páreo para a onda destruidora.
"Uma desgraça nunca vem sozinha", diz o ditado. E a geologia comprova: após um grande tremor de terra, vem sempre um tsunami - expressão em japonês que aposentou "maremoto"e significa "onda que avança sobre a costa". Felizmente, é preciso que se chegue a pelo menos 7 pontos na escala Richter para detonar essa maré de destruição - isso explica serem apenas 8 as ocorrências graves nos últimos 10 anos. Dessas, duas foram no Japão, a mais recente no começo de março, provocada por um dos maiores terremotos da história.

As nações com vista para o Pacífico, como o arquipélago japonês, são justamente as que correm mais risco, pela concentração de vulcões ativos e áreas com perigo de terremoto. Mas os tsunamis não se contentam em promover arrastões marítimos só perto de onde se formam. Eles podem atingir locais a milhares de quilômetros de seu ponto de origem. Em 1960, houve um que começou no Chile e atravessou o oceano, passando pelo Havaí e chegando a matar 200 pessoas no Japão.
Nem o Brasil escapa. O maior risco conhecido é o dos terremotos que podem ocorrer nas ilhas Sandwich do Sul (que ligam a América do Sul à Antártida). "Eles gerariam tsunamis que poderiam afetar a costa brasileira", afirma Costas Synolakis, geólogo da University of South California. No entanto, ainda não se sabe ao certo a probabilidade real de isso ocorrer, pois faltam pesquisas.
Há quem defenda que, com o aquecimento global, o problema tende a aumentar. O especialista Bill McGuide, da London University, acredita que o degelo nos polos deve fazer a crosta terrestre se movimentar para cima, o que causará terremotos e, por consequência, tsunamis. Para piorar, os métodos de prevenção ainda estão capengas.
No Japão, os quebra-mares construídos para conter as ondas gigantes não deram nem para o começo. E a maior parte das casas não estava pronta para resistir à força das águas. "Faltam investimentos", diz o professor Synolakis. Para ele, pouco foi feito desde o desastre na Indonésia, em 2004, que deixou 230 mil vítimas. Os principais problemas são a falta de mapeamento de quais áreas podem ser atingidas e o número limitado de tsunamógrafos - como seu nome sugere, são os aparelhos que medem a frequência e o tamanho das ondas.
Mas a pedra maior no caminho é a falta de informação, como no desastre das ilhas Samoa, em 2009, que deixou 189 vítimas. Muitas tentaram fugir de carro e, com o trânsito, morreram afogadas dentro deles. O correto teria sido caminhar até os terrenos altos nas redondezas e esperar o aguaceiro passar.
Para aliviar as tragédias, o aviso precisa ser rápido e eficaz. Na Indonésia, em 2004, muitos dos 230 mil mortos não chegaram a ver o alerta emitido pela televisão local. A razão: eles viviam em vilas sem energia elétrica. Mas em muitos casos não há sequer tempo para divulgar a informação: um tsunami formado perto da costa pode chegar a ela em menos de 10 minutos. No caso recente do Japão, o problema de comunicação foi agravado porque o terremoto havia sido tão forte que cortou até a internet.
Outra medida necessária é investir em uma arquitetura anti-tsunami. Um bom exemplo é o dos templos islâmicos na Indonésia, que passaram ilesos pela avalanche de ondas. Suas grandes colunas circulares, que sustentavam os andares superiores, permitiram que a água fluísse livremente. Moral da história: se não pode vencê-lo, adapte-se a ele.
Probabilidade de ocorrer - Média
Letalidade - Média
Perspectiva para o futuro - Igual a hoje
A cada ano, ocorrem 6 tsunamis no mundo
FURACÃO

O desastre no Japão será o mais caro da história, já declararam analistas que calculam prejuízos com catástrofes. O líder prestes a ser desbancado é um furacão: o Katrina. Em 2005, quando varreu a costa dos EUA, o Katrina causou prejuízos de mais de US$ 100 bilhões. De onde ele saiu, virão outros mais poderosos. Os furacões (nome usado no Atlântico) e tufões (nome usado principalmente no Pacífico) estão se fortalecendo. Entre 1981 e 2006, a velocidade deles aumentou 7,8 metros por segundo, de acordo com a Universidade Estadual da Flórida, que analisou os mais velozes. A fúria é impulsionada pela superfície dos oceanos, cada vez mais quente. (Temperaturas acima de 26 ºC são propícias à formação de furacões.) Os maiores alvos podem ser a costa dos EUA, do México e países do mar do Caribe. A princípio, o Brasil não corre risco: nossas redondezas têm ventos fortes, e furacões só se formam em áreas de calmaria. Mas o clima pode mudar. Em 2004, o Catarina atingiu o estado de Santa Catarina e matou pelo menos 3 pessoas. "Se tivemos um, é possível que haja outro", diz Augusto José Pereira Filho, professor de ciências atmosféricas da USP.

Probabilidade de ocorrer - Alta
Letalidade - Alta
Perspectiva para o futuro - Piorar

VULCÃO

Nos últimos 100 anos, os vulcões deixaram 100 mil mortos. Considerando o período, não é muito (acidentes de carro, por exemplo, matam 35 mil pessoas por ano só no Brasil). A principal ameaça gerada pelas erupções é o lançamento de cinzas na atmosfera, o que provocaria chuva tóxica e esfriamento global. Existem 6 supervulcões no planeta: três nos EUA, um no Japão, um na Nova Zelândia e um na Indonésia. Cada um deles poderia lançar uma nuvem de cinzas 3 mil vezes maior que aquela que cobriu a Europa após a erupção do islandês Eyjafjallajökull, em 2010. Outro perigo está nas ilhas Canárias, perto do noroeste africano. Lá existe um vulcão cuja erupção faria com que grandes blocos de pedra se desprendessem das ilhas, gerando um tsunami que inundaria o sul do Reino Unido, devastaria a costa leste americana e chegaria ao Nordeste brasileiro com ondas de até 3 metros de altura.

Probabilidade de ocorrer - Média
Letalidade - Baixa
Perspectiva para o futuro - Igual a hoje

Ele não é um fenômeno estritamente natural - também pode ser causado pelo homem. Mas a ciência tem uma nova arma para estudá-lo.
A ciência não consegue prever os terremotos. Mas especialistas acreditam que, com grandes cidades, como Tóquio e Los Angeles, construídas em regiões instáveis, a tendência é acontecer pelo menos uma grande tragédia por década. 400 milhões de pessoas vivem em metrópoles que podem sofrer um grande terremoto nos próximos 200 anos. "Nenhuma cidade está preparada para um tremor de 9 graus na escala Richter, como o que ocorreu no Japão", explica o professor de sismologia Afonso Vasconcelos Lopes, da USP. Isso porque as construções são projetadas para suportar o pior terremoto já ocorrrido no local - e poucos lugares já sofreram abalos sísmicos de 9 graus.

Ao contrário do Japão, o Brasil fica numa área geologicamente estável. Mas isso não é uma garantia absoluta. "Mesmo numa cidade como São Paulo, que em tese está segura, é preciso calcular a resistência das obras", diz Vasconcelos. É que existe um tipo de abalo sísmico, chamado de intraplaca, que pode acontecer mesmo em regiões supostamente imunes. Esse fenômeno é causado por fragilidades nas placas tectônicas e responsável por 10% dos sismos no planeta. Os EUA sofreram um terremoto intraplaca de 8 graus no começo do século 19, e também já houve um no Brasil - um tremor de 6,2 graus na serra do Tombador, em Mato Grosso, em 1955.

Além disso, os terremotos estão deixando de ser desastres estritamente naturais. O de Sichuan, que matou 69 mil pessoas na China em 2008, pode ter sido desencadeado pela construção de uma represa. Cientistas da Universidade Columbia acreditam que o peso da água teria afetado o equilíbrio sísmico do local. O governo chinês não liberou os registros do evento, impedindo que a tese fosse estudada com mais profundidade. Mas ela é aceita por boa parte dos especialistas. Até porque não foi a primeira vez que isso aconteceu. Quando a represa Hoover foi construída nos EUA, na década de 1930, a região onde ela fica (perto de Las Vegas) sofreu centenas de abalos de 4 a 5 graus.

Mas os sismologistas têm uma nova arma. É o Quake Catcher, um software que foi criado pela Universidade Stanford. Esse programa usa sensores presentes no disco rígido de qualquer computador para medir a atividade sísmica do local onde se encontra e envia as informações para os cientistas. Se milhões de pessoas instalarem o programa, os pesquisadores terão um retrato mais detalhado da atividade sísmica na Terra - para um dia, quem sabe, conseguir prever os terremotos.

Probabilidade de ocorrer - Alta
Letalidade - Alta
Perspectiva para o futuro - Piorar

ENCHENTES

Não é impressão sua: está piorando. A última década concentrou 50 das 180 maiores enchentes dos últimos 100 anos. Apesar de ter menos grife que outros desastres, as enchentes matam muito. No verão que passou, as chuvas causaram um estrago inédito no Rio de Janeiro: 700 mortos e 14 mil desalojados e desabrigados. Mas nada comparável a China e Índia, onde a densidade populacional leva a tragédias com milhões de vítimas - além da destruição, as enchentes disseminam doenças infecciosas.

As estatísticas que sinalizam para o aumento do problema sempre foram vistas com ressalva pelos meteorologistas. Para eles, é preciso uma longa sequência histórica para comprovar uma mudança. Pois essa mudança começou a ser comprovada.

Pela primeira vez, foi provado que os gases do efeito estufa provocam aumento de chuva. Ou seja, não só está piorando como é culpa nossa. "Agora podemos dizer com confiança: o aumento da intensidade de chuvas no final do século 20 não pode ser explicado pelos modelos climáticos existentes", disse à revista Nature a pesquisadora Gabriele Hegerl, líder da pesquisa da Universidade de Edimburgo, no Reino Unido. É só um primeiro passo, mas que lá na frente ainda pode resultar até em compensação dos países ricos por enchentes em regiões pobres. Ao menos, agora a ciência admite que o tempo está ruim.

Probabilidade de ocorrer - Muito alta
Letalidade - Muito alta
Perspectiva para o futuro - Piorar

SECA

A falta de água poderá atingir dois terços da população mundial em 2025. Grandes regiões de Ásia e África, além de trechos menores de Austrália, EUA, América Central e América do Sul (inclusive o nordeste brasileiro) já estão hoje em situação de escassez ou se aproximando disso.

Os resultados podem ser devastadores. Se afeta a agricultura, a seca é capaz de forçar populações a migrar para não sofrer com a falta de alimentos e doenças. Em 1932, vítimas da seca no Ceará deixaram o interior em busca de socorro no litoral, por exemplo. Ficar onde moravam poderia levar à morte - o que aconteceu com 1 milhão de etíopes após uma queda no volume de chuvas em 1984. E a previsão é de que as secas se intensifiquem. O aumento da temperatura global alimentou a evaporação no solo de países como a Austrália. A chuva gerada por esse vapor caiu em outras regiões, e o resultado são solos mais áridos. Para piorar, cada vez mais moramos em cidades, onde a água fica poluída. "Precisamos ser mais eficientes com nossos recursos", diz Michael Hayes, diretor do Centro Nacional de Mitigação da Seca, dos EUA.

Probabilidade de ocorrer - Média
Letalidade - Média
Perspectiva para o futuro - Piorar

CATÁSTROFE NUCLEAR

As usinas nucleares são seguras. E estão ficando mais seguras ainda. Mas alguma coisa sempre pode dar errado. Veja qual é o pior cenário possível.

Desde que o primeiro reator nuclear começou a produzir eletricidade, em 1951, houve apenas um acidente grave - em Chernobyl. Pelas piores estimativas, ele causou 4 000 mortes. É bastante. Mas é muito menos que as 300 mil pessoas que morrem a cada ano devido à poluição gerada pela queima de combustíveis fósseis. Estatisticamente, as usinas nucleares são a maneira mais segura que existe de produzir energia. E elas estão ficando mais seguras. Em 1990, os reatores espalhados pelo mundo apresentavam em média 1,8 scrum (desligamento não-programado, geralmente acionado pelos sistemas de emergência do reator) a cada 7 000 horas de operação. Hoje, essa taxa é 0,5. Ou seja: as usinas estão funcionando muito melhor que no passado.

Ok. Agora diga isso para os japoneses, que estão vendo seu país enfrentar uma crise nuclear. O risco de acidente nunca é zero. O pior que poderia acontecer, para o mundo, seria um incidente grave nas usinas de Kursk, Smolensk e Leningrado, na Rússia. Ao todo, elas possuem 11 reatores do tipo RBMK-1000 - o mesmo que era usado em Chernobyl. O problema está na chamada contenção, uma estrutura de aço e concreto que envolve o reator nuclear - e que os RBMK (sigla em russo que significa reator de alta potência) simplesmente não possuem. "Ele é um prédio comum, aberto", explica Fernando Carvalho, professor de engenharia nuclear da UFRJ. Isso significa que, se o reator explodir, pode lançar grande quantidade de material na atmosfera. Foi o que aconteceu em Chernobyl, onde se formou uma nuvem radioativa que viajou 2 000 km e chegou até a França. Nas demais usinas nucleares, que possuem estruturas de contenção do reator, seria difícil ocorrer um vazamento tão grande.

O ponto mais delicado de todo reator nuclear, seja ele do tipo RBMK ou dos padrões BWR (boiling water reactor, usado no Japão) e PWR (pressurized water reactor, caso de Angra 1 e 2), é o sistema de refrigeração. O reator precisa receber água corrente, que é bombeada por um sistema elétrico. Ele não pode ficar sem refrigeração em hipótese nenhuma. Por isso, as usinas tomam precauções extremas. Se faltar eletricidade, entra em ação um sistema de backup. "As usinas de Angra possuem 4 geradores a diesel cada uma. É quatro vezes mais do que seria necessário", afirma Laércio Vinhas, diretor de segurança da Comissão Nacional de Energia Nuclear. No Japão, esses geradores a diesel foram danificados pelo tsunami - e os reatores ficaram sem refrigeração adequada. O combustível nuclear (no caso das usinas japonesas, pastilhas de urânio) continua liberando calor, mesmo se o reator for desligado. Se não houver refrigeração, a temperatura sobe perigosamente - em meia hora, passa do nível normal (285º C) para mais de 800 graus. Quando o calor chega a 1200º C, o revestimento das pastilhas derrete. Isso libera hidrogênio - um gás altamente inflamável, responsável pelas explosões em Fukushima. Se nada for feito, a temperatura continua subindo, há liberação de gases radioativos e, a 1800º C, o cilindro de metal que protege o reator começa a se desfazer. Depois de três dias, o calor pode chegar a 2400º C - quando o próprio urânio começa a derreter.

Mas por que o Japão construiu uma usina nuclear perto da costa, numa região vulnerável a tsunamis? Por causa da água. Muitos dos 442 reatores existentes no planeta estão localizados perto do mar ou de rios - justamente para que tenham um fornecimento abundante de água.

Os reatores mais modernos possuem sistemas de refrigeração passivos, ou seja, que funcionam mesmo se houver falha total nas bombas elétricas e nos geradores a diesel. Quatro modelos desse tipo estão sendo construídos na China, com inauguração prevista para 2013. Mas mesmo eles não estão livres de críticas - o governo dos EUA diz que o novo modelo, criado pela empresa americana Westinghouse, não oferece proteção contra ataques terroristas (pois sua estrutura não suportaria a colisão de um avião). Mas é pouco provável que terroristas consigam arremessar um avião contra uma usina nuclear. É mais provável que tentem praticar um ataque radiológico. Uma pesquisa feita com 85 especialistas em armas nucleares estimou em 39,8% a probabilidade de um ataque desse tipo em alguma cidade dos EUA até 2015. Primeiro, terroristas se apoderam de algum tipo de material radioativo - como o césio-137 usado em máquinas de radiografia. Ele é acoplado a uma bomba comum, que é detonada no centro de uma metrópole. Essa explosão provoca uma chuva de partículas radioativas que pode se espalhar numa área de até 40 quarteirões - que, dependendo do grau de contaminação, poderiam se tornar inabitáveis por meses, anos ou até décadas.

O pior pesadelo nuclear seria um conflito armado. Simulações feitas por duas universidades americanas apontam que um conflito nuclear entre Índia e Paquistão deixaria 12 milhões de mortos. Os incêndios resultantes das explosões lançariam 5 milhões de toneladas de fuligem na atmosfera. Isso bloquearia parte da luz solar, esfriando o planeta em 1,25º C e reduzindo as chuvas em 9%. "As plantações cresceriam mais devagar, e as colheitas seriam abreviadas. E o maior problema seria o pânico [de contaminação]. Os países parariam de exportar e importar comida", diz Alan Robock, climatologista da Universidade Rutgers e autor de vários estudos a respeito. As explosões também teriam um efeito catastrófico sobre a camada de ozônio, que seria reduzida em até 70% num período de 5 anos. Mas, para que esse cenário aconteça, Índia e Paquistão precisariam detonar 50 bombas atômicas cada um - um cenário muito difícl de acontecer.

Probabilidade de ocorrer - Muito baixa
Letalidade - Baixa
Perspectiva para o futuro - Melhorar

442 é o número de reatores nucleares em operação no planeta. Os EUA são o país com mais reatores (104).
11 é o número de reatores RBMK-1000 em uso na Rússia. É um modelo considerado pouco seguro - o mesmo do acidente de Chernobyl.
TEMPESTADE SOLAR

Um dia, a Terra será engolida pelo Sol - mas só daqui a 7,6 bilhões de anos. Até lá, o pior que pode acontecer são as tempestades solares. Elas são descargas de radiação eletromagnética que, ao chegar à Terra, danificam tudo o que é elétrico ou eletrônico - como carros, aviões, computadores, satélites e redes de transmissão de energia. O pior caso registrado aconteceu em 1859, quando uma tempestade queimou boa parte das linhas de telégrafo dos EUA. Hoje, com nossa dependência tecnológica, as consequências seriam muito piores.

Um relatório do governo dos EUA estima que uma tempestade de grandes proporções causaria de US$ 1 a 2 trilhões em prejuízos, dos quais a humanidade levaria 10 anos para se recuperar. A principal linha de defesa é a prevenção, com o desligamento de aparelhos e redes elétricas antes da tempestade. O alarme seria dado pela Advanced Composititon

Explorer, uma nave da Nasa que está a 1,5 milhão de km da Terra e é capaz de detectar as tempestades solares aproximadamente um dia antes que elas cheguem aqui.

Probabilidade de ocorrer - Baixa
Letalidade - Muito baixa
Perspectiva para o futuro - Piorar

ASTEROIDE

A chance de colisão é mínima. Mas, se ele for grande e no alvo, ainda não estamos preparados.
Não é uma questão de se, mas de quando. Um asteroide como aquele que extinguiu os dinossauros, entre 15 e 20 quilômetros de largura, é um evento bem raro: atinge a Terra a cada 100 milhões de anos, em média. Mas pedras entre 50 e 100 metros, com poder para destruir uma metrópole, caem com mais frequência: a cada 500 anos. Novamente, é uma média histórica - ou seja, podem ter caído dois na mesma semana e nenhum nos 2000 anos seguintes.

A última dessas visitas indesejadas foi em 30 de junho de 1908. Foi o caso clássico de "se uma árvore cai no meio da Amazônia, ninguém fica sabendo", com a diferença de que era um asteroide na floresta de Tunguska, na Sibéria, extremo nordeste do então Império Russo. Apesar de produzir uma onda de choque que devastou uma área que equivale à Grande São Paulo, eram 3 mil quilômetros quadrados inabitados. Nenhuma pessoa morreu e o caso não repercutiu.

O próximo - que ninguém garante que vai esperar até 2408 - vai encontrar um mundo mais povoado, com 20 regiões metropolitanas de mais de 10 milhões de habitantes. Qualquer uma delas seria dizimada se atingida por uma rocha espacial do tamanho de um ginásio esportivo. A questão é: o que vamos fazer quando ele vier?

"No futuro, vamos prever uma colisão com décadas de antecedência e, quando chegar a hora, evitá-la", diz David Morrison, responsável pela divisão da Nasa encarregada de ficar de olho nos asteroides e que revê estatísticas incessantemente. "Mas, por enquanto, não estamos seguros."

O último asteroide que provou isso foi o 2008 TC3, em outubro de 2010. Do tamanho de um automóvel, ele foi detectado apenas 20 horas antes do impacto, quando estava a 500 mil quilômetros - quase chegando na Lua. Por sorte, explodiu a 37 km do solo, sobre o deserto na fronteira do Egito com o Sudão.

Por enquanto, os planos estão no papel - e parecem mais roteiro de blockbuster. Mandar a bomba mais potente rumo ao asteroide, por exemplo, não é tão fácil quando parece. Para desviar sua trajetória, seria preciso interceptá-lo com anos de antecedência. Outra ideia é enviar uma nave apenas para pairar ao lado do asteroide e, com a força gravitacional gerada pela sua massa, alterar a rota original do pedregulho. Uma nave com espelhos poderia direcionar a luz do Sol para tostar o asteroide: a evaporação trataria de desviá-lo para longe da Terra.

Pelas contas da Nasa, dois objetos merecem atenção: o 2007 VK184 e o 2011 AG5, que estarão nas redondezas terrestres entre 2036 e 2057. Na escala de perigo de colisão, eles têm grau 1 de 10 - "na revisão dos cálculos, devem voltar ao 0", diz Morrison. Tudo são possibilidades. Só uma coisa é certa: um dia a pedra cai.

Probabilidade de ocorrer - Muito baixa
Letalidade - Muito alta
Perspectiva para o futuro - Igual a hoje

VAI QUE...

...Cai na terra
O impacto de um corpo celeste de 50 metros de diâmetro com o planeta é equivalente ao de uma bomba nuclear. Quanto maior o tamanho do objeto, pior o estrago.

...Afunda no mar
A queda de um asteroide no oceano também seria mortal. Uma pilha de pedras de 100 metros, por exemplo, causaria um tsunami que engoliria edifícios litorâneos.

Texto: Bruno Garattoni , Emiliano Urbim, Otavio Cohen, Larissa Santana e Thiago Minami
Revista Superinteressante

O inferno na Terra

Quando forças vulcânicas abrem seu caminho à força e irrompem na superfície, temos uma noção dos dramáticos processos que se desenrolam nas profundezas da Terra. A crosta sobre a qual vivemos é muito fina. A turbulência incendiária no subsolo marca a vida terrestre: rios de lava incandescente empurram continentes e erguem montanhas; ela faz a terra tremer, supervulcões explodirem e tsunamis devastarem áreas litorâneas. 


ILHAS KURILAS
Erupções vulcânicas são acontecimentos que ocasionalmente podem ter proporções planetárias. As nuvens de partículas já provocaram, diversas vezes, pioras climáticas e interferiram na História da Humanidade. Essa erupção, do Monte Sarytschew, no extremo norte da Rússia, foi fotografada por um astronauta da Estação Espacial Internacional, no dia 12 de junho de 2009. A falha na camada de nuvens deve-se à gigantesca onda de pressão gerada pela explosão. A capa branca da coluna de fumaça é formada por vapor d'água, que, à grande altitude, se condensou
HAVAÍ
O vulcão Kilauea tem fama de ser pacífico. A lava basáltica, que brota de um hotspot (ponto quente, na Geologia), no leito do Oceano Pacífico, é pouco densa e pobre em gases. Há décadas ela borbulha até a superfície terrestre, para depois escorrer pelos suaves flancos ondulantes da montanha, até o mar. Quando ocorre uma rara erupção violenta, como em 2008, o magma fluido espirra no ar, formando guirlandas de fogo.



KAMCHATKA
A península, no Leste da Rússia, é uma das zonas vulcânicas mais ativas da Terra. A Reserva Natural de Kronotsky abriga um território geotérmico com 90 gêiseres, cujos jatos de água sobem até 40 metros de altura. A área é pontilhada por centenas de nascentes quentes, bacias de lama fervilhante e fraturas à céu aberto, que expelem as chamadas fumarolas. A região é dominada pelo monte Klyuchevskaya Sopka que, com 4.750 metros, é o vulcão ativo mais alto da Eurásia

MONTE ETNA

Uma erupção parece ameaçar a metrópole de Ccatania, na Sicília. Mas aqui se trata apenas da explosão de uma cratera lateral, no flanco Sul do Monte Etna. Ao contrário do Vesúvio, o vulcão adormecido, em Nápoles, Itália, considerado um assassino em potencial, a contínua atividade do Etna e a consistência de sua lava, impedem a formação de uma pressão excessiva, que se libertaria em uma explosão devastadora

Crosta:. .....................até 40 km de profundidade
Manto Superior:. ...de 40 a 650 km
Manto:. .....................de 650 a 2.890 km
Núcleo Externo:. ....de 2.890 a 5.150 km
Núcleo Interno:. .....de 5.150 a 6.348 km
Dados em quilômetros, de fora para dentro.
DEBAIXO DE UMA CROSTA FINA
A constituição da Terra faz desse planeta um corpo celeste muito especial, e provoca uma variedade de fenômenos geológicos. São eles que conferem ao nosso globo a sua típica topografia. Correntes quentes movem as placas da crosta terrestre. Elas criaram a atual distribuição de continentes e mares, e garantiram que não viveríamos em desertos planos. Os processos nas profundezas ocasionam a erupção de vulcões e os terremotos, mas eles também protegem nossa existência. O núcleo interno metálico da Terra gera um campo magnético, que desvia radiações mortíferas vindas do espaço sideral

A COLISÃO ou o afastamento de duas placas tectônicas é desencadeado por tremendas forças internas da Terra. Por isso, onde elas são limítrofes (veja ilustração à esquerda) ocorrem terremotos relativamente frequentes. Quando uma placa desliza embaixo de outra (A abaixo: aqui, na costa oeste da América do Sul), o violento atrito levanta montanhas, ou cria vulcões. Quando duas placas continentais se chocam também surgem montanhas como os Alpes ou a Cordilheira do Himalaia.

A TERRA é coberta por uma crosta de 10 a 65 km de espessura. Mas em comparação com os 12.750 km de diâmetro do planeta, ela é finíssima (a ilustração à direita demonstra isso, claramente). Juntamente com a camada superior do manto terrestre, a crosta forma as placas tectônicas: 13 fragmentos grandes e diversos menores, nas quais se divide a superfície terrestre (veja acima). Algumas dessas placas, como a de Nazca, são formadas apenas pela pesada crosta oceânica, além do manto superior. Outras, como a Sul-Americana, contêm componentes mais leves: os continentes (veja página 49). Todas as placas são arrastadas pelas correntezas do superaquecido manto terrestre e se deslocam constantemente na superfície de nosso planeta. Em algumas regiões, as placas nascem porque um novo material brota do interior da Terra entre dois fragmentos (veja página 82). Em outros lugares, elas morrem por que colidem, e uma placa desliza para baixo de outra

VULCÕES nascem onde rochas ígneas e liquefeitas das profundezas forçam seu caminho até a superfície. Esse processo pode ocorrer de três maneiras. Duas placas da crosta colidem, uma desliza para baixo de outra (A) exemplo, a Cordilheira dos Andes). Ou, duas placas se afastam e o magma quente surge do meio delas (B: Dorsal Mesoatlântica). Ou ainda, vulcões perfuram a crosta terrestre em lugares chamados hotspots (pontos quentes); através deles sobem fluxos extremamente quentes, vindos do manto, chamados plumas mânticas (C: Ilhas de Cabo Verde)

O MANTO TERRESTRE é praticamente incandescente, devido ao calor armazenado desde os primórdios da Terra e às decomposições radioativas. As diferenças de temperaturas desencadeiam fluxos de material derretido (D), o mesmo "motor" que aciona a movimentação das placas tectônicas

O NÚCLEO TERRESTRE é constituído por duas camadas: a externa, formada predominantemente por ferro derretido, é líquida e tem uma temperatura de mais de 3.500º C - e a interna, que contém 94% de ferro, além de um pouco de níquel. Mas, devido à colossal pressão, e apesar de uma temperatura de mais de 6.000º C, esse núcleo interno é sólido. Correntes quentes na parte externa do núcleo terrestre geram o campo magnético da Terra

1 Placa Eurasiana
2 Placa Australiana
3 Placa da Antártica
4 Placa do Pacífico
5 Placa Sul-Americana
6 Placa Norte-Americana
7 Placa Africana
8 Placa Ccaribenha
9 Placa das Filipinas
10 Placa de Nazca
11 Placa Arábica
12 Placa de Ccocos
13 Placa Índica


Reportagem da Revista GEO, edição 9, Editora Escala.

Forças das profundezas.

Quando um terremoto destrói todas as obras humanas em questão de segundos, ficamos estarrecidos diante de nossa própria fragilidade. Toda vez, ao testemunhar a atuação das forças terrestres, o escritor de bestsellers norte-americano Bill Bryson é tomado por uma profunda perplexidade: "Como isso pode acontecer?", essa pergunta o perseguia. Até ele empreender uma peregrinação por laboratórios e bibliotecas.

Quase cinco milhões de chineses perderam suas habitações a 12 de maio de 2008, dia em que a terra tremeu na província de Sichuan. Pesquisadores esperavam por um abalo desses na província, embora em outro local. Em alguns pontos, os tremores ergueram o chão por vários metros de altura, muitos edifícios ruíram porque sua construção não era suficientemente sólida.
Sabemos espantosamente pouco sobre o que acontece debaixo dos nossos pés. Este é um pensamento notável: carros da Ford já sacolejavam pelas ruas e clubes de beisebol se enfrentavam na World Series, antes de sabermos que a Terra tem um núcleo. E a noção de que os continentes estão à deriva na superfície terrestre, como flores de lótus sobre a água, só é de conhecimento geral há uma geração. "Pode parecer estranho", escreveu o físico Richard Feynman, "mas estamos muito melhor informados sobre a distribuição da matéria no interior do Sol, do que sobre o âmago da Terra".
A distância da superfície até o ponto central da Terra é de aproximadamente 6.400 km, portanto, não é excepcionalmente grande. Se perfurássemos um buraco até o centro e jogássemos um tijolo nele, de acordo com os cálculos, ele chegaria lá em baixo em apenas 45 min (embora não tivesse mais peso nas profundezas, por que a força de gravidade da Terra não estaria mais agindo exclusivamente de baixo para cima, mas de todos os lados). Até agora, porém, só empreendemos tentativas verdadeiramente modestas para avançar rumo ao centro. Uma ou outra mina de ouro, na África do Sul, tem 3 km de profundidade, mas a maioria das minas do planeta não se afasta por mais de 400 m da superfície. Assim, se a Terra fosse uma maçã, não teríamos nem transposto a casca; aliás, ainda estaríamos bem longe disso.
HÁ POUCO MAIS DE UM SÉCULO, até as cabeças mais bem informadas do mundo científico não sabiam muito mais sobre o interior do nosso planeta do que um simples minerador. Podia-se escavar a terra até certa altura, mas então surgia uma camada rochosa e tudo acabava aí. Foi apenas em 1906, que o geólogo irlandês Richard Dixon Oldham, ao analisar as ondas sísmicas depois de um terremoto na Guatemala, notou que algumas delas só penetravam até uma determinada profundidade no interior da Terra. Depois, eram rebatidas, como se tivessem encontrado uma espécie de barreira. Essa constatação levou Oldham a concluir que a Terra necessariamente tinha um núcleo duro.
Quatro anos mais tarde, o sismólogo croata Andrija Mohorovičić examinou as curvas de medição de um terremoto em Zagreb, e notou desvios estranhamente parecidos, que, no entanto, tinham ocorrido em uma profundidade muito menor. Com isso, ele havia encontrado o limite entre a crosta terrestre e a camada imediatamente inferior, o manto. Desde então essa área ficou conhecida como Zona de Descontinuidade Mohorovičić, ou simplesmente Moho.
Aos poucos, cristalizou-se uma vaga noção da estrutura estratificada do interior da Terra, mas realmente era vaga. Somente em 1936, a cientista dinamarquesa Inge Lehmann determinou, durante uma análise dos sismogramas de terremotos na Nova Zelândia, que o núcleo tinha duas partes: um interno, que segundo nossos conhecimentos atuais é sólido, e um externo (aquele que Oldham havia descoberto), que presumivelmente é líquido e no qual se origina o campo magnético da Terra.

QUASE AO MESMO TEMPO, enquanto Lehmann examinava as ondas sísmicas - e com isso alargava nossos conhecimentos básicos sobre o interior do planeta-, dois geólogos do Instituto de Tecnologia da Califórnia, Charles Richter e Beno Gutenberg, desenvolveram um método para comparar diferentes terremotos. Por razões que nada têm a ver com justiça, a escala criada por eles passou a ser chamada exclusivamente de Escala Richter. (Charles era muito modesto, jamais se referiu à dita escala com seu próprio nome. Em vez disso, sempre falava da "Escala de Grandeza").
A Escala Richter se manteve quase sempre de difícil entendimento pelos leigos, hoje talvez um pouco menos que no início. Naquela época, visitantes que procuravam por Richter em seu escritório, frequentemente queriam ver a famosa escala, que supunham ser alguma espécie de máquina. Na realidade, porém, ela é muito mais uma ideia do que um objeto; uma medida arbitrária para os abalos sísmicos da Terra capazes de serem medidos em sua superfície. A escala é logarítmica; ou seja, a energia liberada em um terremoto de magnitude 7,3; por exemplo, é cerca de 30 vezes maior que a grandeza de um abalo de magnitude 6,3; e mil vezes mais potente que a de um tremor de 5,3 pontos.
A escala é apenas uma medida para a energia; nada informa sobre os níveis de destruição que a liberação dessa energia produz. Um abalo de magnitude 7, que ocorre nas profundezas do manto terrestre - digamos a uma profundidade de 600 km, possivelmente não provocará dano algum na superfície; enquanto um tremor consideravelmente menor, a 7 km de fundura, provavelmente estará atrelado a uma destruição catastrófica em área muito extensa. A intensidade e a destruição também dependem muito do tipo de subsolo, do tempo de duração do tremor, de sua frequência e da força dos abalos subsequentes, além das circunstâncias físicas do território atingido. Devido a todos esses fatores, os piores terremotos não são, necessariamente, os mais fortes; embora a energia liberada obviamente desempenhe um papel muito relevante.

O MAIOR TERREMOTO, desde a invenção da Escala Richter, ocorreu em março de 1964, no Estreito Prince William, no Alasca, ou em 1960, no litoral chileno do Oceano Pacífico (dependendo da fonte à qual se prefere dar mais credibilidade). O primeiro alcançou uma magnitude de 9,2 na Escala Richter. O segundo, inicialmente registrou uma força de 8,6; mas esse dado foi posteriormente corrigido por diversos institutos de medição (entre eles o Instituto de Pesquisa Geológica dos Estados Unidos - USGS) para colossais 9,5. Como já se pode deduzir desse fato, a medição de terremotos nem sempre é ciência exata, especialmente quando é preciso interpretar valores registrados em regiões afastadas.
Independentemente de tudo, os dois abalos tiveram proporções descomunais. O de 1960, não apenas provocou danos avassaladores em todo o litoral da América do Sul. Também desencadeou uma monumental onda, que percorreu 10.000 km do Oceano Pacífico, até finalmente se abater sobre o centro da cidade de Hilo, no Havaí. Resultado: 500 edifícios foram danificados, 60 pessoas morreram. No longínquo Japão e nas Filipinas, esses sucessivos tsunamis (a palavra vem do japonês e significa literalmente onda do porto) fizeram ainda mais vítimas.
Muito pior e para muitos inesquecível - foi o "Tsunami Natalino", do dia 26 de dezembro de 2004, uma das maiores catástrofes naturais da História. A onda gigante foi posta em movimento por um maremoto ocorrido no Oceano Índico, perto da ilha de Sumatra, com magnitude 9,1; o terceiro maior abalo sísmico já registrado. Pelo menos 231.000 pessoas, em oito países asiáticos, perderam a vida. A onda avançou por milhares de quilômetros, até o leste e sudeste da África, onde ainda matou mais pessoas.
ONDAS MORTÍFERAS Nem só os terremotos provocam estragos devastadores, como em L'Aquila, (Itália), onde no dia 9 de abril de 2009, quase 300 pessoas morreram. Ttremores submarinos podem gerar tsunamis avassaladores. As duas fotos acima mostram o que as gigantescas ondas, em dezembro de 2004, aprontaram em uma instalação hoteleira, na tailandesa Ilha Phuket


O TIPO MAIS FREQUENTE de terremoto deriva do encontro de placas tectônicas, como aconteceu na Califórnia, EUA, ao longo da Falha de San Andreas. A fricção entre as placas produz grande tensão, até que ambas cedem com um movimento brusco. Em geral, quanto mais tempo transcorrer entre dois terremotos, maior é a tensão acumulada e, portanto, a probabilidade de um abalo de grandes proporções.
Isso é extremamente preocupante no caso de Tóquio. Bill McGuire, professor de Vulcanologia do University College, de Londres, refere-se à capital japonesa com "a cidade que está à espera da morte" (slogan que, certamente, não consta nos folhetos turísticos). Tóquio situa-se sobre as linhas limítrofes entre três placas tectônicas, e isso em um país que já é conhecido por seu inquieto subsolo geológico.
Para os japoneses, 1995 é um ano de tristes lembranças. Nessa época a metrópole de Kobe, a uns 500 km a oeste da capital, foi sacudida violentamente por um terremoto de magnitude 7,2; no qual morreram 6.400 pessoas. Na época, os danos foram avaliados em 99 bilhões de dólares. Mas esse desastre esmorece, se comparado com a estimativa do perigo que espreita Tóquio.
No passado, a capital japonesa já foi palco, uma vez, de um dos mais arrasadores abalos sísmicos da Era Moderna. No dia 10 de setembro de 1923, pouco antes do meio--dia, a cidade foi atingida pelo chamado Grande Terremoto de Kanto, 10 mil vez mais potente que o de Kobe. O número de vítimas chegou a 200.000 pessoas.
Desde então, reina na cidade uma calmaria quase fantasmagórica. Isso significa que: abaixo da superfície, as tensões estão se acumulando há mais de 80 anos. E elas serão libertadas em algum momento.
Em 1923, Tóquio era uma cidade de 3 milhões de habitantes; hoje sua grande área metropolitana abriga mais de 34 milhões. Ninguém se dá ao trabalho de calcular o astronômico número de vítimas fatais em potencial; apenas os possíveis danos econômicos já foram estimados, em até 7 trilhões de dólares.
QUANDO O HOMEM PENETRA NAS PROFUNDEZAS "The Big Hole", uma mina de diamantes 400 m abaixo da superfície terrestre, na África do Sul, é considerado o buraco mais profundo criado pela mão humana (embora exista uma instalação mais profunda ainda, também na África do Sul). Provavelmente foi outra operação de mineração que causou a catástrofe, perto da cidade de Surabaya, na Indonésia, em 2006. Após perfurações em busca de gás natural, um vulcão de lama entrou em erupção. Até hoje, os rios de lama já deixaram mais de 30 mil pessoas desabrigadas, e provocaram graves danos de infraestrutura. Ninguém sabe como detê-lo.


MAIS PREOCUPANTES, por serem bem menos conhecidos, apesar de possíveis de acontecer a qualquer hora, e em qualquer lugar, são os raros terremotos que liberam sua energia no interior de placas tectônicas individuais. Eles ocorrem longe dos limites das placas e, por isso, são completamente imprevisíveis. Exemplo desse fenômeno foi a tristemente famosa série de três abalos que sacudiu a cidade de New Madrid, em Missouri, EUA, no inverno de 1811-1812.
Tudo começou no dia 16 de dezembro, pouco depois da meia-noite.
Inicialmente, os habitantes acordaram devido aos gritos de pânico dos animais. O fato de animais ficarem nervosos antes de um terremoto não é um conto da carochinha, mas uma realidade muito bem documentada, embora ninguém saiba, exatamente, o verdadeiro motivo disso acontecer. Logo em seguida, ouviu-se um violento ruído gorgolejante, que brotava das profundezas da Terra. As pessoas abandonaram suas casas correndo, e testemunharam a horripilante cena de ver como a terra se movimentava descontroladamente em ondas de até 1 m de altura. Fissuras de vários metros se escancararam por toda parte no solo, e um terrível e penetrante cheiro de enxofre espalhou-se pelo ar.
O terremoto durou 4 min e provocou uma devastação inimaginável. Entre os que presenciaram o cataclismo, estava o famoso pintor de animais John James Audubon, que se encontrava casualmente na região. Esse abalo sísmico se propagou com tamanha violência, em todas as direções , que derrubou as chaminés na cidade de Cincinnati, no Estado de Ohio, a 500 km de distância. E, de acordo com um relato, "destruiu os navios nos portos na costa Leste e... até os andaimes que haviam sido erguidos ao redor do Capitólio, em Washington, D.C.". Nos dias 23 de janeiro e 4 de fevereiro houve dois tremores subsequentes, de magnitude semelhante.
Desde então, tudo está quieto em New Madrid, o que não é de surpreender, pois, até onde se sabe, episódios desse gênero nunca se verificaram duas vezes no mesmo lugar. De acordo com os conhecimentos atuais, eles ocorrem tão aleatoriamente como raios. O próximo abalo poderia acontecer embaixo de Chicago, Paris ou Kinshasa. E qual seria a causa para perturbações tão terrivelmente poderosas dentro de uma placa tectônica? Algum processo que ocorre dentro da Terra, mais do que isso não se sabe.


NA DÉCADA DE 1960, os cientistas estavam tão frustrados devido aos seus parcos conhecimentos sobre o interior da Terra, que eles resolveram procurar algo fundamental. Sua ideia foi perfurar o leito marinho (as crostas continentais lhes pareceram espessas demais) até o ponto da Descontinuidade de Moho e, dessa forma, conseguir colher amostras do manto terrestre, para um exame mais minucioso. Movia os pesquisadores o convencimento de que era preciso aprofundar o conhecimento sobre os diversos tipos de rochas existentes no interior do planeta. Só isso lhes permitiria compreender ações e reações recíprocas. E, talvez, até desenvolver a capacidade de prever terremotos e outros fenômenos naturais destrutivos.

Como era de se esperar, o projeto ficou conhecido pelo nome de Mohole ("Buraco de Moho"), mas acabou sendo um fiasco. O plano era enfiar uma superbroca mais de 4000 m no fundo do Oceano Pacífico, defronte ao litoral do México, e depois perfurar a camada rochosa da crosta, ali relativamente fina, de 5.000 m de espessura. Porém, como disse um pesquisador marinho, "perfurar o leito marítimo, estando em um navio em alto mar, é igual a estar no último andar do Empire State Building e, munido de um espaguete, tentar fazer um buraco na calçada de Nova York".
Todas as tentativas acabaram frustradas. A penetração mais extensa não ultrapassou 183 m, e o Mohole transformou-se em "No-hole" (sem buraco). Em 1966, cansado dos crescentes gastos sem resultado, o Congresso norte-americano finalmente cancelou o projeto.
QUATRO ANOS MAIS TARDE, cientistas soviéticos decidiram tentar a sorte em terra firme. E, para isso, escolheram um ponto na península de Kola, na Rússia, não longe da fronteira com a Finlândia.
Quando se lançaram ao trabalho, eles tencionavam levar sua perfuração a uma profundidade de 15 km. Isso provou ser surpreendentemente difícil, mas eles foram de uma persistência louvável. Quando desistiram, 19 anos depois, os pesquisadores russos haviam avançado 12.262 m dentro da Terra. Considerando-se que a crosta terrestre compõe apenas 0,3 % do volume do nosso planeta, e que o buraco na península de Kola não tinha penetrado nem um terço dessa crosta, era impossível alegar que tivéssemos conquistado o interior do planeta.

O interessante é que apenas com esse buraco modesto, os cientistas já tiveram toda espécie de surpresas. Com base em exames sísmicos, eles supunham que até uma profundidade de 4.700 m suas perfurações encontrariam rochas sedimentares. Nos 2.300 m seguintes esperava-se granito e depois basalto.
Quando finalmente atingiram a primeira meta, os cientistas constataram que a camada de rocha sedimentar era 50% mais espessa que o previsto; a camada de basalto jamais pode ser encontrada. Além disso, lá embaixo era muito mais quente do que qualquer um poderia imaginar. A uma profundidade de 10.000 m, a temperatura já era de 180º C, quase o dobro da que se estimava. E o mais surpreendente: as rochas, nessa profundidade, estavam abarrotadas de água, algo que ninguém teria achado possível.
Como não podemos olhar o interior da Terra, somos obrigados a nos servir de outros métodos. Na maioria dos casos, isso significa a interpretação de ondas que percorreram o planeta. Alguns conhecimentos sobre o manto terrestre se originaram das chamadas chaminés de kimberlito, verdadeiras mensageiras do submundo. Essas chaminés foram criadas conforme o magma passava por fraturas profundas existentes na estrutura terrestre. O magma sobe e penetra por canais e fissuras até finalmente chegar à superfície. Lá, essa pasta viscosa incandescente encontra lençóis freáticos, e, depois disso, tudo acontece incrivelmente rápido: a água se expande de forma monumental, e nesse processo destrói a camada rochosa, como em uma grande explosão de dinamite. Em seguida, o líquido evapora e lança os detritos violentamente ao ar.
Neste exato momento, enquanto o leitor lê essas linhas, uma chaminé de kimberlito poderia explodir do chão a uma velocidade superior supersônica, bem atrás de sua casa, mas a verdade é que nenhum ser humano jamais presenciou uma erupção dessas.
As chaminés resfriadas e endurecidas podem ser depósitos de grandes riquezas, pois, enquanto o material ascende, ele carrega consigo todos os tipos de elementos que não se encontram normalmente na superfície, ou em proximidade relativamente imediata. Exemplo disso é uma rocha ígnea denominada peridotito, composta, sobretudo, por cristais de olivina e, vez por outra, diamantes, encontrados em uma de cada 100 chaminés. O material que sobe por essas chaminés percorre uma distância de, aproximadamente, 200 km. Uma dessas chaminés fez de Johanesburgo, na África do Sul, a capital mundial da mineração de diamantes. Mas é possível que existam outras, ainda maiores, que apenas não conhecemos ou descobrimos. Ainda.
Os geólogos sabem que, em algum lugar no nordeste do estado norte-americano de Indiana, existem pontos de referência para uma ou um grupo de chaminés de proporções gigantescas. Em diversos lugares dessa região foram encontrados diamantes de até 20 quilates, mas o local de origem até agora é um enigma. Como escreve o autor de livros técnicos da área, John McPhee, essa chaminé (ou chaminés) poderia estar enterrada embaixo de uma camada de detritos de geleiras, como a cratera de Manson, em Iowa, ou estar localizada sob a região dos Grandes Lagos.
Os técnicos concordam que o mundo sob os nossos pés é constituído de quatro camadas: uma crosta externa de rochas, um manto de material rochoso e viscoso, um núcleo externo líquido e um núcleo interno sólido. Sabemos que na superfície predominam os silicatos, relativamente leves, característica que impede que os apontemos como responsáveis, sozinhos, pela densidade total do planeta. Conclui-se daí, que lá no interior deva existir algum material mais pesado.
Sabemos também que, em algum lugar no subterrâneo abissal deve existir um cinturão de elementos metálicos líquidos, que cria o campo magnético da Terra. Até esse ponto, os cientistas são unânimes. Tudo além disso, as ações recíprocas entre as camadas, as causas de seus diferentes comportamentos e suas reações futuras, está eivado de considerável incerteza. E, de um modo bem geral, essas dúvidas são bastante extensas.
ATÉ MESMO ESSA ÚNICA PARTE que podemos enxergar, a crosta, é objeto de acirrado debate. Em quase todos os livros técnicos de Geologia pode-se verificar a afirmação de que abaixo dos mares, a crosta continental teria entre 5 e 10 km de espessura; embaixo dos próprios continentes, 40 km, e, debaixo das grandes cordilheiras, até 70 km. O quadro geral está, contudo, permeado de oscilações misteriosas.
Sob a cordilheira norte-americana de Sierra Nevada, por exemplo, a crosta só apresenta uma espessura entre 25 e 40 km, o por quê, ninguém sabe. De acordo com as leis da Geofísica, essa cadeia montanhosa deveria, na realidade, afundar, como se estivesse assentada sobre areia movediça (e alguns peritos de fato acreditam que seja assim).


QUANTO À PERGUNTA como e quando a Terra foi equipada com a crosta, os geólogos estão divididos em duas grandes opiniões. Uns acreditam que a crosta tenha se formado subitamente, nos primórdios da existência da Terra; consideram outros que ela surgiu muito mais tarde, e aos poucos. Esses temas são altamente emotivos. No início da década de 1960, Richard Armstrong, da Universidade de Yale, formulou uma teoria sobre a formação pré-histórica da crosta, e passou o resto de sua carreira brigando com os defensores de opiniões divergentes. Armstrong morreu em 1991, de câncer. Mas pouco antes de sucumbir "ele desfechou um polêmico e derradeiro golpe contra seus críticos, em uma publicação geocientífica australiana, acusando-os de 'disseminar contos de fadas', afirma um artigo da revista Earth, de 1998. E um colega comentou: "Ele morreu como um homem amargurado".
A crosta e uma parte do manto externo também são desiguinados em conjunto, como litosfera (do grego lithos, 'pedra'). Ela "nada" sobre uma camada rochosa menos rígida, a astenosfera (expressões gregas para 'sem força'), mas esses conceitos nunca foram plenamente aceitos.
Quando se diz que a litosfera nada sobre a astenosfera, pensa-se, por exemplo, no movimento oscilante de uma boia que, na realidade, não existe nessa proporção. Igualmente enganoso é imaginar que rochas possam fluir tão rapidamente como conhecidamente outros materiais na superfície terrestre. O ponteiro das horas de um relógio movimenta- se cerca de 10 mil vezes mais rápido que a camada rochosa "líquida" do manto terrestre.
SUBTERRÂNEO FRATURADO Dezenas de milhares de pessoas morreram, em dezembro de 2004, quando a cidade-oásis de Bam, de 2000 anos de idade, no sudeste do Irã, foi destruída por um terremoto que atingiu 6,6 na Escala Richter. O maior edifício de tijolos de barro do mundo, também ruiu. Diversas falhas na camada rochosa da crosta terrestre dividiram o planalto e as cordilheiras do país. Bam fica diretamente sobre uma dessas zonas de fratura


E ESSES MOVIMENTOS não ocorrem apenas em direção lateral, no sentido em que as placas da crosta terrestre derivam sobre a superfície, mas também se manifestam verticalmente, tanto para cima como para baixo. As rochas sobem e descem sob a influência de um movimento de revolução, denominado processo de convecção. A conclusão de que esses movimentos de reviravolta devem existir foi anunciada pela primeira vez no final do século XVIII, pelo excêntrico físico anglo-americano, conde Von Rumford. Pouco mais de meio século depois, um reverendo e geólogo inglês, chamado Osmond Fisher, externou a suspeita de que o interior da Terra poderia ser líquido, e que seu conteúdo se movia para lá e para cá. Mas até que essa ideia encontrasse mais adeptos, ainda se passaria muito tempo.

Por volta de 1970, quando os geofísicos finalmente compreenderam o porte descomunal desses movimentos de revolução que se desenrolam lá embaixo, houve um choque no mundo científico. Em seu Naked Earth: The New Geophysics (Terra Nua: a Nova Geofísica), Shawna Vogel escreveu: "Foi como se os cientistas tivessem passado séculos delimitando entre si as camadas da atmosfera terrestre troposfera, estratosfera e assim por diante, para então constatarem, subitamente, que também existe uma coisa como o vento".

A PROFUNDIDADE A QUE CHEGA o processo de convecção ainda é debatido. Na opinião de alguns peritos, ela começa algumas centenas de quilômetros abaixo da superfície; outros falam em 3 mil km. Por isso, só se pode afirmar uma coisa com certeza: quando avançamos rumo ao centro da Terra, em algum lugar incerto saímos da astenosfera e penetramos o manto terrestre propriamente dito.
Em vista do fato de que o manto constitui 82% do volume da Terra e 65% de sua massa, ele ainda atrai sobre si relativamente pouca atenção. Especialmente porque os processos pelos quais cientistas e leigos se interessam, provavelmente ocorrem nas grandes profundezas, como o magnetismo, ou mais perto da superfície, como os terremotos. Sabemos que até uma profundidade de 160 km, o manto é primordialmente constituído de uma rocha ígnea, chamada peridotito. Mas acerca do material que existe além dessa esfera, o que reina é a incerteza. Em todo caso, de acordo com um artigo publicado na revista científica Nature, aparentemente não se trata de peridotito. Não se sabe muito além disso.


EMBAIXO DO MANTO encontram-se as duas camadas do núcleo: o interno, sólido, e o externo, líquido. Como é fácil imaginar, dispomos apenas de conhecimentos indiretos, embora, sobre isso, seja possível fazer algumas suposições razoáveis. Sabe-se, por exemplo, que no centro da Terra existe uma pressão tão fenomenalmente enorme, cerca de três milhões de vezes superior à da superfície, que, inquestionavelmente, qualquer rocha ali se solidifica.

Além disso, pode-se deduzir, a partir da história da formação terrestre (entre outros indícios), que o núcleo interno retém muito bem o seu calor. Embora seja apenas uma suposição, acredita-se que, no decorrer de quatro bilhões de anos, a temperatura no núcleo diminuiu apenas 100 ºC. Mas a verdade é que ninguém sabe exatamente qual é a temperatura no centro do planeta. As estimativas vão de 3.900 a 7.200 ºC, o que seria aproximadamente tão quente quanto a superfície do Sol.


Em muitos aspectos, sabe-se menos ainda sobre o núcleo externo, mas existe unanimidade quanto ao seu estado líquido, e também quanto à tese de que é aqui que o campo magnético da Terra tem origem.
Em 1949, o geofísico britânico Edward Crisp Bullard, da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, propôs a teoria de que essa parte líquida do núcleo teria um tipo especial de rotação. Tal movimento a transformaria em uma espécie de dínamo, que gera o campo magnético. De acordo com essa noção, as substâncias líquidas no interior da Terra, que se movem por convecção, se comportariam, de certo modo, como a propagação da eletricidade em um fio. O que ocorre em detalhes nesse processo não se sabe, mas existe uma relativa certeza: ele está vinculado à rotação do núcleo terrestre em seu estado líquido. Corpos celestes, que não possuem um núcleo líquido, como a Lua e Marte, simplesmente não têm um campo magnético, ou têm um extremamente fraco.
SABE-SE TAMBÉM que a força do campo magnético é mutável: na época dos dinossauros, ela era três vezes maior que hoje. Além disso, os cientistas acreditam que a sua direção mude, aproximadamente, a cada 500 mil anos e só o que não podemos afastar desses cálculos é uma grande margem de imprevisibilidade. Isso porque a última mudança de direção teria ocorrido há cerca de 750 mil anos.
Às vezes, a orientação do campo magnético permanece estável durante alguns milhões de anos, a mais longa dessas fases aparentemente estendeu-se por 37 milhões de anos. Em outros períodos ela se alterou após somente 20 mil anos. Ao todo, ocorreram cerca de 200 mudanças do gênero nos últimos 100 milhões de anos. No que diz respeito às causas dessas mudanças, não temos nem ao menos uma suspeita razoável. Tanto que o fenômeno já foi designado como "a maior pergunta não respondida das ciências geofísicas".
É possível que estejamos passando exatamente agora por uma alteração dessas. Nos últimos 100 anos, o campo magnético da Terra já enfraqueceu até 6%. Qualquer redução desse gênero provavelmente é algo negativo, pois o magnetismo não apenas faz com que as agulhas das bússolas apontem na direção correta, ele também é vital para a nossa existência. No espaço sideral existe uma grande quantidade de radiações cósmicas altamente prejudiciais. Sem a proteção magnética, elas atravessariam os nossos corpos, tornando ilegíveis grandes parcelas das informações de nossos DNAs.
Enquanto o campo magnético funcionar, ele mantém as radiações a uma distância segura da superfície terrestre, prendendo-as nos chamados Cinturões de Van-Allen, duas zonas no espaço pouco distantes do nosso planeta. Quando apesar de tudo elas conseguem chegar na atmosfera, seu contacto com partículas das camadas superiores gera uma reação que produz fenômenos encantadores no céu noturno - aqueles que conhecemos pelo nome de auroras polares (austral e boreal).




O PRÓXIMO TERREMOTO Ccientistas não conseguem prever quando a Tterra voltará a treme novamente. Mas eles sabem quais regiões são especialmente ameaçadas - e ali podem ser tomadas algumas medidas de precaução. Em Ttóquio, as crianças aprendem na escola, através de um simulador de terremotos móvel, onde se proteger dentro de casa, por exemplo, embaixo de uma mesa. Ttécnicas de construção resistentes a abalos (aqui uma instalação de teste, no laboratório de pesquisas da Universidade de Buffalo, EUA) permitem reduzir drasticamente o número de vítimas

Fascinado pelas monumentais forças primitivas no interior da Terra, o escritor bestseller Bill Bryson empreendeu uma jornada leiga pelo reino das Ciências Naturais. Seu livro Breve História de Quase Tudo foi publicado no Brasil, em 2005, pela Editora Companhia das Letras.


Reportagem da Revista GEO, edição 9, Editora Escala.