sábado, 28 de abril de 2012

Uma nova vida longe de casa


Deslocamentos de pessoas sempre existiram. Hoje a razão principal é a busca de emprego

MILU LEITE
As razões que levam o homem a se deslocar e as implicações desses movimentos envolvem aspectos muito distintos, e a ciência se esforça por desvendá-los. Do ponto de vista antropológico, os estudos buscam esclarecer a origem das raças e aprofundar as descobertas de ossos e outros vestígios que indicam os primeiros passos do homem sobre a Terra. No que tange à geografia humana, os fluxos migratórios indicam regiões de maior ou menor interesse, seja por motivos econômicos, geográficos ou culturais, e revelam facetas inesperadas do comportamento humano. Na base de todos os deslocamentos, contudo, há fatores em comum: a coragem, a necessidade, a curiosidade e, por que não dizer, o desejo de liberdade. Falar de migração é, portanto, ter em conta essas distinções e similaridades, interpretando fluxos.

A história das nações se confunde com a dos movimentos de migração. Há 50 mil anos, o que levou o ser humano a atravessar oceanos e continentes provavelmente foi a busca da sobrevivência. No Ocidente, o fluxo migratório está na origem do ameríndio e se perpetua desde aquela época, fazendo hoje parte do cotidiano do mais simplório cidadão que opta por mudar de cidade.

De acordo com relatório divulgado pela Organização Internacional para as Migrações (OIM), atualmente há um migrante para cada 33 pessoas no mundo. Os números têm crescido nos últimos anos, em termos internacionais, saltando de 150 milhões de migrantes em 2000 para 214 milhões em 2011. Os países que apresentam maior número de estrangeiros são Qatar (87%), Emirados Árabes Unidos (70%), Jordânia (46%), Cingapura (41%) e Arábia Saudita (28%). As nações que abrigam menos estrangeiros são África do Sul (3,7%), Eslováquia (2,4%), Turquia (1,9%), Japão (1,7%), Nigéria (0,7%), Romênia (0,6%), Índia (0,4%) e Indonésia (0,1%).

Capital e trabalho

O Brasil, embora não seja mencionado no relatório como um caso expressivo, apresentou um aumento estrondoso de imigrantes entre dezembro de 2010 e junho de 2011. Segundo anúncio do Ministério da Justiça, a entrada de imigrantes no país cresceu cerca de 50% (de 960 mil aproximadamente para 1,5 milhão) no período.

As razões que levam as pessoas a trocar de país são várias, mas a busca por trabalho é ainda a maior responsável por essas mudanças. “A circulação de pessoas no espaço internacional, ainda que não seja uma regra, acompanha a lógica da circulação do capital”, afirma Gislene Aparecida dos Santos, professora do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Paraná. Segundo ela, no caso do Brasil, o que chama a atenção é que o número dos que deixam o país equivale ao de imigrantes. Neste último caso, o fluxo destina-se às capitais de estados, como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Curitiba, em função da demanda por certo tipo de trabalho qualificado (suprido em grande parte por mão de obra estrangeira), como também das necessidades dos setores produtivos que não requerem alta qualificação técnica e intelectual. É o caso dos segmentos de alimentação (lanchonetes), trabalho doméstico e costura. Registram-se assim dois tipos de imigrantes: os regulares, devidamente documentados, e os não regulares.

Os números do ministério, no entanto, são muito superiores aos do último censo demográfico (2010), que registra aproximadamente 500 mil imigrantes. A diferença tem explicação: os dados dos ministérios do Trabalho ou da Justiça levam em consideração os estrangeiros no país, mas não necessariamente com residência fixa. Assim, podem ser pessoas em curta permanência (de três meses), por um ano ou até mais, mas que não têm o Brasil como seu primeiro domicílio. Além disso, “como é recorrentemente comentado”, esclarece Gislene, “os migrantes irregulares (sem documentação) não informam aos órgãos censitários sua condição no país”.

As cidades mais procuradas estão no sudeste (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte). Em seguida, aparece o sul, que desde os anos 1990 tem apresentado um aumento na entrada de estrangeiros, segundo informa a professora. “Nessa região prevalecem os migrantes provindos dos vizinhos Argentina, Paraguai e Uruguai”, diz.

Uma forte característica dos fluxos migratórios atuais é a ligação com um conteúdo histórico, um fio condutor alimentado ao longo dos anos e cada vez mais facilitado pelo uso das redes sociais. Os bolivianos, por exemplo, vêm ao Brasil desde os anos 1960 e concentram-se na cidade de São Paulo (são 200 mil aproximadamente). Se antes eram em sua maioria profissionais liberais, hoje seu contingente maior é formado por pessoas com baixa qualificação ou com capacitação específica para trabalhar em pequenas fábricas domésticas pertencentes em grande parte a coreanos.

Gislene conta que o que distingue o fluxo migratório internacional contemporâneo é a possibilidade de manter vínculos com os lugares de origem. Ou seja, a ruptura espacial, que caracterizou os processos migratórios do começo do século 20, hoje é menos radical. Os migrantes, através dos meios de comunicação e das redes de conterrâneos, mantêm contato com a terra natal e articulam-se entre dois lugares. As remessas de dinheiro, de acordo com ela, também são indicadores da manutenção dos vínculos. “Essa experiência tem levado alguns pesquisadores a denominar o fluxo migratório internacional como transnacional”, revela.

Gislene fala com conhecimento de causa, pois desenvolve um projeto de pesquisa referente à migração estrangeira no estado do Paraná, a partir dos anos 1980. Estado com significativa contribuição da migração europeia, o Paraná apresenta desde os anos 1990 uma alteração quanto à nacionalidade dos estrangeiros que ali chegam: destacam-se atualmente os provindos da Bolívia e do Paraguai. Chamam a atenção os fluxos dirigidos para as cidades fronteiriças entre o Brasil e o Paraguai, especialmente Foz do Iguaçu, onde se concentra o maior número dos paraguaios no estado.

Da Europa

A tendência de crescimento do número de imigrantes no país, contudo, não é tão recente. Nos anos 1990 já era apontada por especialistas que indicavam a presença de representantes de várias nacionalidades, além dos sul-americanos. Em um artigo publicado no início de 2003 no “Jornal da Unicamp”, Rosana Baeninger, professora no Departamento de Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (IFCH/Unicamp) e pesquisadora do Núcleo de Estudos de População (Nepo), também da Unicamp, já mostrava o incremento de mão de obra estrangeira especializada. Àquela época, o Ministério do Trabalho registrava a entrada, por tempo determinado, de especialistas, gerentes e administradores oriundos dos Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha e França. Seis anos depois, em novo artigo, Rosana alertava para um fenômeno interessante: “O deslocamento da mão de obra tornou-se muito mais rápido para acompanhar a mobilidade do capital em esfera global”, implicando a pulverização da produção e consequente barateamento de custos.

Se no início do século 21 o Brasil já era um porto acolhedor para muitos estrangeiros, sua crescente visibilidade em âmbito mundial o coloca agora como grande promessa para muitos povos. O país é falado, ou melhor, é bem falado. O resultado é que, em consequência da crise em algumas nações da Comunidade Europeia, somam-se agora aos imigrantes de outrora levas de espanhóis e portugueses.

A imigração foi um forte componente na formação da nação brasileira, o que facilita o recebimento de estrangeiros no país, embora, do ponto de vista jurídico, a Lei de Imigração esteja ultrapassada. E como a legislação poderia melhorar as condições de vida dessas pessoas e facilitar sua permanência no Brasil? O primeiro obstáculo é a burocracia. Há uma série de exigências e ordenamentos diversos, que se aliam ao despreparo dos agentes da Polícia Federal para lidar com o assunto. “O migrante leva muito tempo para regularizar sua situação. Há acordos migratórios para os países do Mercosul que facilitam o trânsito, mas são pouco divulgados. Para o migrante mais empobrecido a falta de informação pública gera custos econômicos e sociais enormes”, avalia Gislene.

Em 2009, o ex-presidente Lula deu um passo importante para reduzir a papelada, ao assinar uma lei que anistiava estrangeiros residentes que regularizassem sua situação. Com a situação legalizada, o migrante passa a ter os mesmos direitos e deveres dos brasileiros, à exceção daqueles privativos de quem nasceu no país, como o exercício do voto. Também fica garantida a liberdade de circulação no território nacional, acesso a trabalho remunerado, à educação, à saúde pública e à Justiça. Antes de Lula, em 1998, 39 mil estrangeiros em situação irregular já haviam sido anistiados. Essas, porém, foram medidas paliativas e, segundo Gislene, a legislação precisa de alterações profundas.

No exterior

O fluxo migratório, entretanto, tem mão dupla. Não é só o estrangeiro que chega, o brasileiro também atravessa a fronteira. O censo de 2010 contabilizou pela primeira vez o número e a situação dos brasileiros no exterior. O levantamento estima que haja 491,6 mil brasileiros residindo em 193 países, sendo 264,7 mil mulheres (53,8%) e 226,7 mil homens (46,1%). Na maioria, são relativamente jovens, entre 20 e 34 anos de idade (60%), e esses fluxos se dirigiram para os Estados Unidos (23,8%), Portugal (13,4%), Espanha (9,4%), Japão (7,4%), Itália (7%) e Inglaterra (6,2%). Esses seis países receberam, portanto, aproximadamente 70% dos emigrantes brasileiros, que, ainda de acordo com o censo, saíram do país em busca de trabalho. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a principal origem desses fluxos foi o sudeste (49%), sendo 21,6% de São Paulo, 16,8% de Minas Gerais e 7,1% do Rio de Janeiro.

A intensa mobilidade não é privilégio dos fluxos internacionais. Os resultados do último censo revelam que, em 2010, 37,3% da população brasileira morava fora do município onde nasceu, enquanto 14,5% tinham mudado também de estado. Os dados não são muito diferentes dos do ano 2000 e mostram que os movimentos ocorreram em distâncias relativamente pequenas. De acordo com as estatísticas do IBGE, a região centro-oeste tem a maior proporção de não naturais do município em que vivem (51,9%) e do próprio estado (32,9%). No nordeste, a tendência é inversa: a região apresenta os menores percentuais de não naturais do município (29,4%) e não naturais dos estado (7%), o que confirma sua baixa capacidade de atração populacional, segundo análise dos pesquisadores do instituto.

O estado de Rondônia conta com a maior proporção (58,6%) de migrantes nascidos em cidade diferente daquela em que moram, seguido de Mato Grosso (57,4%). O menor percentual está no Amazonas (25,4%), onde as características geográficas dificultam deslocamentos. Rondônia, com cerca de 1,5 milhão de habitantes, é uma região de urbanização irregular e recente, iniciada nas décadas de 1960 com a exploração de cassiterita, entre outros minérios, e que se intensificou com os incentivos fiscais a empreendimentos privados no setor agropecuário e madeireiro. Mato Grosso, cuja população é de cerca de 3 milhões de habitantes, recebeu milhares de pessoas por causa de outro minério, o ouro, o que explica de certa forma o predomínio na população de pessoas adultas, com aumento do número de idosos e o declínio de jovens. Em ambos os casos, foi a busca de riqueza que influenciou a ocupação das regiões, com consequências que ainda hoje determinam seu perfil econômico e social.

Há estudos que indicam, entretanto, que as correntes migratórias no país estão perdendo intensidade. Uma pesquisa divulgada no ano passado pelo Grupo Transversal de Estudos do Território e Mobilidade Espacial da População (Gemob/IBGE), relativa ao período de 2004 a 2009, avaliou que o volume da migração inter-regional envolveu 2 milhões de pessoas. E, no intervalo de 1995 a 2000, as estatísticas mostram que esse número era maior: 3,3 milhões.

A região sudeste, antes um centro de boas promessas aos brasileiros que buscam trabalho e vida cultural intensa, já não tem o mesmo poder de atração: apresentou saldo negativo de migrantes tanto em 2004 quanto em 2009. O nordeste, por sua vez, de acordo com o estudo, continua perdendo população, mas em escala menor que no passado.

Outro aspecto relevante é o incremento do retorno às regiões de origem. Os estados que mais pessoas receberam de volta em 2009 foram Rio Grande do Sul (23,98% dos que migraram), Paraná (23,44%), Minas Gerais (21,62%), Sergipe (21,52%), Pernambuco (23,61%), Paraíba (20,95%) e Rio Grande do Norte (21,14%).

Na região norte, os fluxos de retorno no Amazonas, Roraima e Pará demonstram uma tendência ao declínio, o que não ocorre nos estados do Piauí, Alagoas, Rio Grande do Norte e Paraíba. Na região sul, Santa Catarina ainda se comportou como uma região de pequena absorção e, na região centro-oeste, a mudança mais significativa ocorreu em Goiás, que passou a receber um grande contingente de migrantes de vários estados. Vale lembrar que, embora esses índices não contabilizem as estatísticas do censo de 2010, possibilitam uma análise dos fluxos de modo a apontar tendências num futuro próximo. De acordo com o último levantamento, as cidades que mais têm crescido são as que possuem menos de 500 mil habitantes, comprovando a influência da migração sobre elas.
Revista Problemas Brasileiros

Charges sobre Cartografia


Geografia da Mafalda





quinta-feira, 19 de abril de 2012

UM SÉCULO DE CLIMA ALTERADO



Stephen Healy

Essa jornada especialmente quente, que se apresenta uma vez a cada 20 anos, no final do século 21 ocorrerá a cada dois anos na maioria das regiões do planeta.
As condições meteorológicas extremas se tornam norma em grande velocidade. Assim confirmam as duas semanas de calor forte que atingiram Canadá e Estados Unidos quando o gelo e a neve do inverno ainda não haviam derretido. No mês passado, boa parte da América do Norte “cozinhou” a temperaturas extraordinariamente altas, que derreteram toda a neve e o gelo invernais e bateram por ampla margem os recordes térmicos dos últimos 150 anos. No ano passado, os Estados Unidos suportaram 14 desastres – inundações, furacões e tornados – que causaram perdas de vários milhares de milhões de dólares.
Um novo informe do Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre a Mudança Climática (IPCC), divulgado no dia 28 de março, apresenta inúmeras evidências de que esses eventos meteorológicos sem precedentes estão aumentando em quantidade e severidade. E, mantido o atual ritmo de contaminação com gases-estufa, alcançarão graus preocupantes ao longo deste século. A partir de 1950 foram registradas muito mais ondas de calor e temperaturas extraordinariamente elevadas do que nas décadas anteriores.
Essas manifestações continuarão aumentando nas próximas décadas, bem como a frequência de precipitações intensas em regiões tropicais e latitudes distantes do Equador, afirma o Special Report on Managing the Risks of Extreme Events and Disasters to Advance Climate Change Adaptation (Informe Especial sobre o Manejo de Riscos de Eventos Extremos e Desastres, para Promover a Adaptação à Mudança Climática), conhecido por suas siglas em inglês SREX.
Essa jornada especialmente calorosa que se apresenta uma vez a cada 20 anos, no final do século 21 ocorrerá a cada dois anos na maioria das regiões, exceto nas situadas no Hemisfério Norte em latitudes distantes do Equador, onde o fenômeno se produzirá uma vez a cada cinco anos. Também é provável que aumente a velocidade máxima dos ventos dos ciclones tropicais, enquanto cai ou continua igual a frequência destes eventos em todo o mundo.
As secas serão mais intensas no Sul e Centro da Europa, na região do Mediterrâneo, no Centro da América do Norte, na América Central e no México, no Nordeste do Brasil e na África austral. O aumento do nível do mar, somado a fenômenos atmosféricos extremos, tornarão inabitáveis muitos lugares até o final deste século, disse Christopher Field, copresidente do Grupo de Trabalho II do IPCC, que produziu o informe junto com o Grupo de Trabalho I.
Locais que já suportam estes problemas, como os pequenos Estados insulares e cidades costeiras como Mumbai, poderiam ser abandonados nas próximas décadas se não houver importantes reduções nas emissões de gases-estufa, afirmou Field em uma entrevista coletiva. Já não se discute que o drástico aumento dos eventos meteorológicos extremos seja um dos sinais mais claros de que queimar milhares de milhões de toneladas de combustíveis fósseis alterou o clima mundial de forma permanente.
“Todas as manifestações meteorológicas estão afetadas pela mudança climática, porque o ambiente no qual ocorrem é mais quente e mais úmido do que antes”, explicou ao Terramérica o cientista Kevin Trenberth, do Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica dos Estados Unidos. Essas enormes quantidades de calor e umidade presos na atmosfera são um potente combustível para os eventos extremos. Tem pouco sentido debater se esta ou aquela tempestade foi causada pela mudança climática quando todo o sistema meteorológico mundial está alterado, ressaltou Kevin, um dos autores dos informes do IPCC.
“A principal mensagem do informe é que agora sabemos o suficiente para tomar boas decisões sobre o manejo de riscos de desastres relacionados com a mudança climática. Algumas vezes aproveitamos esse conhecimento, mas muitas outras não”, destacou Christopher.
Em 2010, Guatemala e Colômbia estiveram entre os países mais prejudicados por eventos extremos, segundo o Índice Mundial de Risco Climático, elaborado pela organização não governamental alemã Germanwatch. De fato, esses países sofreram mais do que a Rússia, cuja onda de calor matou cerca de 50 mil pessoas. O Índice analisa os impactos que tiveram os fenômenos extremos na economia e na sociedade nos últimos 20 anos. Entre 1991 e 2010, os dez países mais afetados em danos materiais e mortes foram todos do Sul em desenvolvimento. Bangladesh, Birmânia e Honduras lideram a lista.
“Não há dúvida de que as manifestações extremas e os danos estão aumentando”, afirmou Sven Harmeling, da Germanwatch. E não é porque simplesmente agora há mais infraestrutura a destruir, alertou ao Terramérica, de Berlim. Os países estão adquirindo consciência sobre os riscos, mas poucos adotam medidas para abordá-los, embora seja muito mais barato se preparar do que se recuperar de um desastre, acrescentou. Bangladesh conseguiu realizar importantes investimentos na prevenção, por isso sofreu menos danos nos últimos tempos, comparou.
O novo informe do IPCC é uma contribuição significativa, mas tem lacunas e carece das últimas descobertas científicas que especificam melhor os vínculos entre eventos meteorológicos extremos e a mudança climática, segundo Sven. O estudo recomenda a países e regiões que adotem medidas de adaptação de “arrependimento baixo ou nulo”, aquelas que requerem investimentos modestos ou moderados para aumentar a capacidade de suportar os riscos climáticos.
Por exemplo, colocar em funcionamento sistemas de alerta para a população sobre desastres iminentes, modificar o planejamento do uso da terra e do manejo de ecossistemas, aperfeiçoar a vigilância sanitária, o fornecimento de água e os métodos de drenagem e saneamento, bem como desenvolver e aplicar novas normas de construção. As conclusões do Índice Mundial de Risco Climático e as recomendações do estudo do IPCC “devem ser vistas como um sinal de alerta”, advertiu Sven. É preciso estarmos “melhor preparados”, concluiu.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Estrelas. Como tudo começou...


Primeiras gerações de estrelas se formaram de grandes nuvens de hidrogênio

por Ulisses Capozzoli

No céu escuro, sem o brilho da Lua, em fase nova, a garotinha apontou o dedo indicador para o meteoro que riscou o veludo negro incrustado de diamantes e perguntou com uma voz fininha:

–Mamãe, como nasce uma estrela?

A mãe passou as mãos pelo cabelo liso, cortado em forma de cuia, da garotinha como se quisesse protegê-la do grande desconhecido. Então começou a explicar que um ajuntamento de poeira no céu, como se fossem grãos de areia soprados pelos fortes ventos do deserto, podem formar uma esfera enorme, maior que a menininha pudesse imaginar, e com um pouco de gás (então ela soprou no ouvido da menininha), e disse:

–Gás, como esse ventinho que a mamãe soprou no seu ouvido, entendeu? podem dar origem a uma estrela como o Sol.

–E as outras estrelas, mamãe, como elas nascem? – continuou a vozinha melodiosa como o som de clarinete.

O pai se aproximou das duas. Apertou forte o corpo da mulher e colou seu ouvido ao corpo aquecido dela que vibrou como o interior de uma caverna quando ela disse:

–As estrelas bem velhas, as primeiras a despontar no Universo, como os pirilampos que acendem suas luzes Esverdeadas no meio da noite, eram puro gás, filhinha. Era um gás que os cientistas chamam de hidrogênio. Quando você crescer, vai descobrir tudo isso.

O homem, com os olhos fechados, o corpo quente da mulher aquecendo seu peito sob a noite, e a voz da garotinha que agora lembrava um dueto de clarinete, observou o grande vazio. Não o vazio no sentido do nada, mas o vazio da matéria convencional. Coisas como o corpo dele, da mulher e da garotinha fracamente iluminados pela luz das estrelas mais brilhantes: Sirius do Cão Maior, Procyon, do Cão Menor, Rigel e Betelgeuse nas extremidades opostas de Órion. Capella, do Cocheiro, bem baixa no norte, e Aldebarã, o “Olho do Touro”, escalando o céu do leste como fazem desde que a Terra se formou.

Então, em algum lugar de sua memória, ele teve a sensação de observar uma luz que não era de nenhuma das estrelas conhecidas. A luz cresceu e se intensificou numa fração de tempo e enquanto ele se dava conta dela sentiu a energia dessa fonte atravessar o ponto do espaço em que estavam: ele, a mulher que o aquecia e a garotinha com voz de clarinete que o chamava de “papai”.

A vozinha de clarinete continuou:

–Mas um dia as estrelas vão morrer, mamãe, e o céu ficará vazio?

O homem sentiu o corpo da mulher vacilar, como se a morte térmica do Universo se revelasse aos olhos dela, incapazes de perceber o que estava acontecendo. As estrelas se apagando uma a uma, como fogueiras distantes que consumiram seus troncos secos de lenho, forrando o espaço com a poeira fina das cinzas.

Mas a mulher foi em frente:

–Não se preocupe filhinha. Você é jovem demais para compreender essa história tão antiga. Antes disso muita coisa ainda vai acontecer. Você mesma terá uma filha ou vários filhos e eles farão a você perguntas como essa que você está fazendo para a mamãe. Depois disso, você talvez seja avó e poderá contar aos seus netos histórias como a que está ouvindo agora. Muitas crianças fizeram perguntas como a sua e muitas outras continuarão fazendo isso. Talvez até o dia em que o céu fique tão escuro como o carvão.

O corpo da garotinha vibrou como se tivesse sido atravessado por uma lufada de ar frio. Mas a noite estava serena e, nas proximidades de onde estavam os três, nenhuma folha oscilou com o vento. Tudo estava tranquilo e calmo. Além do pio de uma ave noturna à procura de companhia, só a música do clarinete era ouvida, intercalada ao som tranquilizador da voz de uma jovem mulher.

A vozinha de clarinete fez um intervalo de silêncio. Certamente sua cabecinha coberta por cabelos castanhos, lisos como os de uma indiazinha do Xingu, processava em alta velocidade, enquanto seus olhinhos brilhantes acompanhavam a fulguração das estrelas. Na linha do horizonte, distante do ponto em que estavam, estrelas pareciam
deslocar-se como um óvni, por efeito da deformação da atmosfera. Junto à linha do horizonte as estrelas se revelam no vermelho, amarelo, azul e mesmo no verde, como pirilampos furta-cores.

Um segundo meteoro riscou o céu, produzindo o sussurro do voo de um morcego. A vozinha de clarinete despertou
da concentração em que estivera confinada no intervalo de silêncio e voltou a questionar:

–E a estrela cadente, mamãe, que tamanho ela tem? É maior que aquela estrela lá? E apontou o dedinho na direção
de Fomalhaut, alfa do Peixe Austral, baixa no horizonte sul.

A mulher jovem respondeu que não. Que uma estrela cadente tem quase sempre o tamanho entre um grão de arroz e um de milho.

A garotinha se surpreendeu, mas não emitiu qualquer som.

Então a voz da jovem mulher disse que eles deveriam se recolher. A temperatura estava caindo e a garotinha poderia
adoecer.

O homem que a garotinha chamava de “papai” concordou, também sem emitir qualquer som. Enquanto mãe e
filha conversaram, sob a noite repleta de estrelas, ele teve a clara sensação de ter observado como tudo começou.

Ulisses Capozzoli Editor de Scientific American Brasil, é jornalista especializado em divulgação científica, mestre e doutor em ciências pela Universidade de São Paulo.
Scientific American Brasil

terça-feira, 17 de abril de 2012

A CÚPULA DOS BRICS E O BOICOTE DA MÍDIA OCIDENTAL




Mauro Santayana

A cada ano, quando chega a época da Cúpula Presidencial dos BRICS – a quarta edição desse encontro acaba de terminar em Nova Delhi, a capital indiana – torna-se cada vez mais evidente, para o observador atento, o patético esforço da mídia “ocidental” (entre ela boa parte da nossa própria imprensa) de desconstruir a imagem de uma aliança geopólítica que reúne quatro das cinco maiores nações do planeta em território, recursos naturais e população e que está destinada a modificar a o equilíbrio de poder no mundo, no século XXI.
Essa estratégia – com a relativa exceção dos meios especializados em economia – vai de simplesmente ignorar o encontro, à tentativa de diminuir sua importância, ou semear dúvidas sobre a unidade dos principais países emergentes, tentando ressaltar suas diferenças, no lugar do reconhecer o que realmente importa: a política comum dos BRICS de oposição à postura neocolonial de uma Europa e de um EUA cada vez mais instáveis, que se debatem com um franco processo de decadência econômica, diplomática e social.
Para isso, a mídia ocidental – incluindo a “nossa” – ignora os despachos das agências oficiais dos BRICS, principalmente as russas e as chinesas, que ressaltam a importância do Grupo e de suas iniciativas para suas próprias nações – o Brasil inexplicavelmente ainda não possui serviços noticiosos em outros idiomas, coisa que até mesmo Angola utiliza, e muito bem – e se concentra em procurar e entrevistar observadores “ocidentais” ou pró-ocidentais situados em esses países, que se dedicam a repetir a cantilena da “impossibilidade” do estabelecimento de uma aliança geopolítica de fato entre o Brasil, a Rússia, a Índia, a China e a África do Sul, baseados nos seguintes argumentos:
- A “distância” entre o Brasil, a África do Sul, e a Rússia, a índia e a China, como se em um mundo em que a informação é instantânea e um míssil atinge qualquer ponto do globo em menos de quatro horas, isso tivesse a menor importância.
- O fato de a África do Sul, o Brasil e a Índia serem democracias, e a China e a Rússia não serem democracias “plenas ” segundo o elástico conceito ocidental, que não considera a Venezuela uma democracia “plena”, mas o Kuwait ou a Arábia Saudita – autocracias herdadas e governadas pelo direito de sangue – sim.
- A concorrência da Índia, da China e da índia no espaço asiático, como se esses três países não cooperassem, até mesmo no campo militar, e não mantivessem reuniões, há muitos anos, para resolução de problemas eventuais.
- A rotulagem desses países em “exportadores de commodities” como a Rússia e o Brasil, “provedores de serviços”, como a India, e “fábricas do mundo”, como a China, como se essa situação, caso fosse verdadeira, não pudesse ser usada a favor de uma aliança intercomplementar, ou como se Rússia, Brasil e índia também não produzissem manufaturados, e entre eles produtos industriais avançados, como aviões, por exemplo.
É óbvio que uma aliança como os BRICS, que reúne um terço do território mundial, 25% do PIB, e praticamente a metade da população humana não se consolidará, política e militarmente, de uma hora para a outra. Mas também é igualmente claro, que não se trata de um grupo heterogêneo de nações que não tenham nada a ver uma com a outra.
Se assim fosse, o Brasil não estaria fornecendo aviões-radares para a índia, não estaríamos desenvolvendo mísseis ar-ar e terra-ar com a DENEL sul-africana, ou comprando helicópteros russos de combate, ou não teríamos, há anos, um programa de satélites de sensoriamento remoto com a China.
O primeiro traço comum entre os grandes “brics” como a Rússia, a China, a índia e o Brasil, e, em menor grau, a África do Sul, é, como demonstra a sua oposição à política ocidental para com a Libia e a Siria, o respeito ao princípio de não intervenção.
Porque o Brasil, a Rússia, a índia, a China, não aceitam que se intervenha em terceiros países, em função de questões relacionadas aos “direitos humanos”, por exemplo, ou devido à questão nuclear ?
Porque, como são países que prezam a sua soberania, não aceitam que, amanhã, o mesmo “ocidente” que hoje ataca a Libia, a Siria, ou o Irã, venha se unir contra um deles, qualquer deles, por causa de outras questões, como poderia acontecer conosco, eventualmente, no caso dos “ direitos” indígenas, ou da defesa da Amazônia, o “pulmão do mundo”.
Quem tem telhado de vidro não joga pedra nos outros. Que atire a primeira quem nunca pisou na bola. Qual é o país, hoje, que pode acordar pela manhã, olhar-se, enquanto sociedade, no espelho, e dizer que não tem nenhum problema de direitos humanos?
E mais, quem arvorou à Europa e aos norte-americanos a missão de julgar o mundo? Pode um país como os Estados Unidos, que invadiu e destruiu o Iraque, por causa de outro mito intervencionista, o da existência – comprovadamente falsa – de armas de destruição em massa naquele país, falar em direitos humanos ?
Pode uma Nação que inventou e usou, no Vietnam, centenas de toneladas de um veneno químico chamado agente laranja, contaminando para sempre o solo e as águas de milhares de hectares de selva, falar em defesa da natureza e das florestas tropicais?
Ou pode um país que jogou duas bombas atômicas sobre dezenas de milhares de velhos, mulheres e crianças desarmadas, queimando-as até os ossos – quando poderia – se quisesse – tê-las testado sobre soldados do exército ou da marinha japonesa, falar, em sã consciência, de controle de armamento atômico e da não proliferação nuclear?
A realidade por trás do discurso de defesa dos direitos humanos e da natureza é muito mais complexa do que Hollywood mostra às nossas incautas multidões em filmes como Avatar. Por mais que muitos espíritos de “vira-lata” queiram – mesmo dentro do nosso país – que Deus tivesse dado à Europa e aos Estados Unidos o direito de governar o mundo, para defender seu artificial e efêmero “american way of life”, ele não o fez.
Pequenos países, como a Espanha ou a Itália, na ilusão de se sentirem maiores, podem – assim o decidiram suas elites – abdicar de sua soberania política e econômica e bombardear a população civil na Líbia, no Iraque, no Afeganistão, em defesa de uma impossibilidade quimérica como a Europa do euro, e do mandato da “Pax Americana”.
Nações como o Brasil, a Índia, a China e a Rússia, se aferram ao direito à soberania, ao recurso à diplomacia, à primazia da negociação. Não se pode salvar vidas distribuindo armas para um bando descontrolado de açougueiros que espanca e mata prisioneiros indefesos, desarmados e ensanguentados – mesmo que eles se chamem Khadaffi – e obriga jovens muçulmanos a desfilarem em fila, de joelhos, repetidas e infinitas vezes, sob a lente da câmera e a ameaça de armas e chicotes, para mastigar e engolir nacos de cadáveres de cães putrefatos. O futuro da humanidade no século XXI e nos próximos, depende cada vez mais da emergência de um mundo multipolar que se oponha à pretensa hegemonia “ocidental”. E é isso – queiram ou não os jornais e comentaristas europeus e norte-americanos – que está em jogo a cada nova Cúpula dos BRICS, como a de Nova Delhi.

domingo, 8 de abril de 2012

Espécies introduzidas acidentalmente ameaçam Antártida

©kkaplin/ Shutterstock

Sementes carregadas em mochilas de turistas e pesquisadores pode alterar ecossistema do continente gelado
Pauline Askin

Sementes e plantas que cientistas e turistas levam à Antártida “por engano” podem introduzir espécies estranhas ao local, o que representa uma ameaça ao frágil equilíbrio do ecossistema e à sobrevivência de plantas nativas.

Essa flora invasiva está entre as ameaças à conservação mais significativas na Antártida, principalmente com a mudança climática que aquece o continente gelado. É o que mostra um artigo publicado terça-feira (06) no Proceedings of the National Academy of Sciences.

Mais de 33 mil turistas e 7 mil cientistas visitam a Antártida todos os anos, chegando em navios ou aeronaves. E uma pesquisa que durou dois meses descobriu que muitas dessas pessoas carregam sementes de plantas coletadas em outros países já visitados.

No estudo, o conteúdo de bolsos, calças, punhos, sapatos e o interior das malas dos visitantes foi aspirado e pinças foram usadas para extrair sementes escondidas acidentalmente. Em média, cada pessoa verificada trazia 9,5 sementes nas roupas e na bagagem.

“As pessoas que estavam mais carregadas levavam uma infinidade de sementes, que constituíam ameaças substanciais”, relata Dana Bergstrom, da Australian Antarctic Division.

“Quando levamos 'caronas', temos espécies que são competitivas. As plantas e animais nativos não são necessariamente competitivos, então existe sério risco de perdermos parte da preciosa biodiversidade do continente antártico”, advertiu Dana à Reuters. Entre as espécies invasoras descobertas, havia a papoula da Islândia, o capim-lanudo e gramíneas anuais de inverno, todas de climas frios e capazes de crescerem na Antártida.

A península antártica, que a maioria dos turistas visita, é um destino em voga no continente gelado e quanto mais aquecido o clima, mas fácil para as sementes se propagarem. “A taxa de aquecimento da península está entre as maiores do planeta”, lamenta Dana.

A pesquisa – primeiro levantamento abrangente do continente de espécies invasivas – envolveu cerca de mil passageiros e foi feita entre 2007 e 2008, o primeiro ano do Ano Internacional Polar, um esforço internacional que visa pesquisar regiões polares. Os resultados foram publicados somente agora porque os cientistas necessitarem de quase três anos para identificar as espécies de sementes e os efeitos no continente gelado.

Dana afirma que uma semente invasora que se aclimatou foi a grama anual de inverno, uma erva daninha disseminada na sub-Antártida e na ilha King George e que quase alcançou a cauda do continente. “É apenas um exemplo de ervas daninhas que encontramos com ocorrência nas duas últimas estações”, continuou ela.

A gramínea anual de inverno cresce muito bem em áreas reviradas, como nas ocupadas por focas e pinguins, e poderia se propagar entre o musgo de crescimento lento, cercando-o. “Caso se instale naquelas áreas da península, teremos grande potencial de devastação das plantas locais”, concluiu Dana.
Scientific American Brasil