quarta-feira, 21 de março de 2012

Novo colonialismo: Investidores estrangeiros tomam conta das terras agrícolas africanas




Novo colonialismo: Investidores estrangeiros tomam conta das terras agrícolas africanas

Horand Knaup e Juliane von MittelstaedtGovernos e fundos de investimentos estão comprando terras agrícolas para cultivar na África e na Ásia - um negócio lucrativo, levando em conta o crescimento da população global e o aumento rápido dos preços dos alimentos. Mas o arriscado "Banco Imobiliário" da vida real está levando a um colonialismo moderno ao qual muitos países se submetem por necessidade.

Toda crise tem seus ganhadores. Um grupo deles está reunido na sala Stuyvesant do Marriott Hotel em Nova York. A sala de conferências, com persianas fechadas e luz reduzida, está cheia de homens de Iowa, São Paulo e Sydney - fazendeiros de milho, grandes proprietários de terras e administradores de fundos. Cada um deles pagou US$ 1.995 (cerca de R$ 3.700) para comparecer ao encontro Global AgInvesting 2009, a primeira conferência de investidores do emergente mercado mundial de terras agrícolas.

Um homem da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) faz a primeira apresentação. Linhas coloridos sobem e descem nos gráficos de sua apresentação em PowerPoint. Algumas caem à medida que o ano 2050 se aproxima. Elas representam as terras agrícolas que estão desaparecendo como resultado das mudanças climáticas, empobrecimento do solo, urbanização e escassez de água. As outras linhas, que apontam direto para cima, representam a demanda por carne e biocombustível, os preços dos alimentos e o crescimento populacional. Há um abismo cada vez maior entre esses dois conjuntos de linhas. Ele corresponde à fome.

De acordo com a maioria dos prognósticos, poderá haver 9,1 milhões de pessoas vivendo no planeta em 2050, cerca de dois bilhões a mais do que hoje. Só nos próximos 20 anos, a demanda mundial por alimentos deve aumentar 50%. "São perspectivas pessimistas", diz o homem da OCDE. Ele parece sério e até um pouco triste, enquanto descreve o futuro do mundo.

Mas para o público na sala Stuyvesant, formado principalmente por homens e algumas mulheres, tudo isso são boas notícias e o clima é animado. Como poderia ser diferente? Afinal, a fome é o negócio deles. A combinação de mais pessoas e menos terra transforma os alimentos num investimento seguro, com retornos anuais de 20% a 30%, raros no atual cenário econômico.

Eles não são especialistas de Wall Street, nem tampouco pessoas que jogam dinheiro em outros continentes como se lançassem bolas de bilhar. Pelo contrário, são investidores extremamente conservadores que compram ou arrendam terras para plantar trigo ou criar gado. A terra é escassa e cara na Europa e nos Estados Unidos. Resolver esse problema significa desenvolver novas terras, que estão disponíveis somente na África, Ásia e América do Sul. Essa combinação de fatores desencadeou um jogo de alto risco, um Banco Imobiliário da vida real, no qual fundos de investimentos, bancos e governos estão empenhados numa corrida pelo acesso às terras aráveis do mundo.

"A última fronteira, ou encontrando alfa"
Susan Payne, uma mulher ruiva de nacionalidade britânica, é a diretora-executiva do maior fundo de terras no sul da África, que atualmente inclui 150 mil hectares, principalmente na África do Sul, Zâmbia e Moçambique. Payne espera levantar meio bilhão de euros (R$ 1,33 bi) junto a investidores. Ela fala sobre lutar contra a fome, mas os títulos em sua apresentação de PowerPoint, embelezada com fotos de campos de soja ao pôr-do-sol, contam uma história diferente. Um desses títulos diz: "África - a última fronteira para encontrar alfa". A palavra "alfa" significa um investimento para o qual o retorno é maior do que o risco. A África é o continente alfa.

Isto porque a terra, que é extremamente fértil em algumas regiões, é barata no continente empobrecido. O fundo de terras de Payne paga de US$ 350 a US$ 500 (R$ 650 a R$ 930) por hectare na Zâmbia, cerca de um décimo do preço das terras na Argentina ou nos Estados Unidos. Para um pequeno fazendeiro na África, a produção média por hectare permanece inalterada há 40 anos. Com um pouco de fertilizantes e uma irrigação melhor, a produção poderia quadruplicar - assim como os lucros.

Essas são condições perfeitas para os investidores. Susan Payne vê isso dessa forma, assim como seus investidores. De fato, tem havido tanta demanda por esse tipo de investimento que Payne decidiu recentemente criar um novo sub-fundo.

Uma grande quantidade de capital está disponível atualmente. Estamos no segundo ano da crise econômica global e os investidores estão buscando investimentos fortes e seguros, e é por isso que o público do encontro em Nova York incluiu não apenas gerentes de fundos hedge e executivos da agroindústria, mas também representantes de grandes fundos de pensão e diretores financeiros de cinco universidades, incluindo Harvard.

Milhares de fundos de investimentos, de grandes a pequenos, começaram recentemente a recorrer à fórmula mais básica do mundo: as pessoas precisam comer.

A administradora de investimentos norte-americana BlackRock, por exemplo, estabeleceu um fundo de agricultura de US$ 200 milhões, e separou US$ 30 milhões para a aquisição de terras agrícolas. A Renaissance Capital, companhia de investimentos russa, adquiriu mais de 100 mil hectares na Ucrânia. O Deutsche Bank e o Goldman Sachs investiram seu dinheiro na criação de porcos e galinhas na China, investimentos que incluem os direitos legais sobre a terra.

Os alimentos são o novo petróleo. As reservas mundiais de grãos caíram para uma baixa histórica no começo de 2008, e a subsequente alta nos preços marcaram um ponto de virada, da mesma forma que a crise do petróleo fez nos anos 70. A falta de pão provocou motins em todo o mundo, e 25 países, incluindo alguns dos maiores exportadores de grãos, impuseram restrições à exportação de alimentos.

Então veio a segunda crise de 2008, a crise econômica. Dois medos - o medo da fome e do medo da incerteza - convergiram, desencadeando o que alguns já chamam de segunda geração do colonialismo.

Uma situação em que todos ganham?A diferença em relação a esse novo colonialismo é que os países estão permitindo prontamente serem conquistados. O primeiro-ministro da Etiópia disse que seu governo está "ansioso" para oferecer acesso a centenas de milhares de hectares de terras agrícolas. O ministro da agricultura da Turquia anunciou: "Escolham e peguem o que quiserem". Em meio à guerra contra o Taleban, o governo paquistanês investiu em sua autopromoção em Dubai, buscando seduzir os xeiques com redução de impostos e isenção de leis trabalhistas.

Todos esses esforços têm duas esperanças em comum. Uma é a esperança de os países pobres atingirem o desenvolvimento e a modernização em seus precários setores agrícolas. A outra é a esperança do mundo de que os investidores estrangeiros na África e na Ásia sejam capazes de produzir alimentos suficientes para um planeja que logo será povoado por 9,1 bilhões de pessoas; que eles tragam consigo todas as coisas que faltam aos países pobres, incluindo tecnologia, capital e conhecimento, sementes modernas e fertilizantes; e que esses investidores sejam capazes não só de dobrar as safras mas, em muitas partes da África, multiplicá-las por dez. Estimativas anteriores na verdade preveem um declínio na capacidade de produção de 3 a 4% em 2080, em comparação ao ano 2000.

Se os investidores tiverem sucesso, eles poderiam alcançar o que as agências de desenvolvimento não foram capazes de fazer nas últimas décadas: reduzir a fome que hoje aflige mais pessoas do que nunca, mais precisamente um bilhão em todo o mundo. Na melhor das hipóteses, esta poderia ser uma situação em que todos ganham, com lucro para os investidores e desenvolvimento para os pobres.

Não são apenas os banqueiros e especuladores, mas também os governos que estão adquirindo terras em outros países, buscando reduzir sua dependência do mercado mundial e das importações. A China abriga 20% da população mundial, mas tem apenas 9% das terras aráveis do mundo. O Japão é o maior importador de milho e a Coreia do Sul é o segundo maior. Os Estados do Golfo Pérsico importam 60% de seus alimentos, enquanto suas reservas naturais de água são suficientes para sustentar apenas mais 30 anos de agricultura.

Corrida pelas terras nos tempos modernosMas o que acontecerá num mundo globalizado quando as colônias surgirem novamente? O que acontecerá, por exemplo, se a Arábia Saudita adquirir partes da região de Punjab no Paquistão ou se os investidores russos comprarem metade da Ucrânia? E o que acontecerá quando a fome atingir esses países? Será que os estrangeiros ricos instalarão cercas elétricas em volta de suas terras e guardas armados escoltarão os carregamentos das safras para fora do país? O Paquistão já anunciou planos para enviar 100 mil membros de suas forças de segurança para proteger as terras pertencentes a estrangeiros.

Como a corrida pelas terras dos tempos modernos é muito delicada, normalmente apenas o chefe de Estado do país é que conhece seus detalhes. Em alguns casos, entretanto, governadores já leiloaram terras para quem pagasse mais, como no caso do Laos e do Camboja, onde até mesmo os governos não sabem mais quanto de seus territórios ainda lhes pertence.

Ninguém tem certeza de quanta terra está em jogo. O número citado pelo Instituto Internacional de Pesquisa em Política Alimentar (IFPRI, na sigla em inglês) é de 30 milhões de hectares, mas sua estimativa é impossível de ser verificada. Até as organizações das Nações Unidas têm de recorrer a reportagens dos jornais, enquanto o Banco Mundial está tentando convencer os países a prestarem mais atenção às letras miúdas dos acordos.

Klaus Deininger, economista especializado em política agrária no Banco Mundial, estima que 10 a 30% das terras aráveis disponíveis estejam em risco, apesar de que apenas uma fração do número de arrendamentos e acordos de vendas tenham sido assinados. "Houve um grande salto em 2008, quando os planos e aplicações em muitos países mais do que dobraram, em alguns casos triplicaram". Em Moçambique, diz Deininger, a demanda estrangeira é mais do que o dobro da terra agrícola cultivada existente, e o governo já distribuiu quatro milhões de hectares para investidores, metade deles estrangeiros.

Os acordos mais espetaculares não estão sendo feitos por investidores privados, entretanto, mas sim pelos governos e pelos fundos e conglomerados que eles promovem.

O governo do Sudão arrendou 1,5 milhões de hectares de terras agrárias de primeira qualidade para os Estados do Golfo, Egito e Coreia do Sul por 99 anos. Paradoxalmente, o Sudão também é o maior recebedor mundial de ajuda internacional, com 5,6 milhões de seus cidadãos dependentes do envio de alimentos.

O Kuwait arrendou 130 mil hectares de campos de arroz no Camboja.

O Egito planeja plantar trigo e milho em 840 mil hectares de Uganda.

O presidente da República Democrática do Congo ofereceu o arrendamento de 10 milhões de hectares para os sul-africanos.

A Arábia Saudita é um dos maiores e mais agressivos compradores de terra. Nessa primavera, o rei compareceu a uma cerimônia em que recebeu a primeira safra de arroz para exportação produzido exclusivamente para o reino na faminta Etiópia. A Arábia Saudita gasta US$ 800 milhões (R$ 1,5 bi) por ano promovendo companhias estrangeiras que cultivam "alimentos estratégicos" como arroz, trigo, cevada e milho, que então importa. Ironicamente, o país foi o sexto maior exportador de trigo do mundo nos anos 90. Mas a água é escassa e a nação deserta planeja preservar suas reservas. Exportar alimentos também significa exportar água.

"O investidor precisa de um Estado fraco"
Os países ricos estão trocando dinheiro, petróleo e infraestrutura por comida, água e alimento para o gado. À primeira vista, isso parece apresentar uma solução para muitos problemas, diz Jean-Philippe Audinet, do Fundo Internacional para o Desenvolvimento da Agricultura (Ifad). Em geral, ele está satisfeito com os investimentos agrícolas e diz que lutou por eles durante anos. "O que foi ruim foi o período em que os mercados estavam sendo inundados por alimentos baratos".

Mas muitos dos países onde a terra está sendo tomada - Cazaquistão e Paquistão, por exemplo - sofrem com escassez de água. A África sub-saariana tem reservas naturais adequadas de água, mas o único país da região que atualmente produz um excesso de alimentos é a África do Sul. A maioria dos países, por outro lado, são importadores de alimentos e, com o aumento rápido das populações, é provável que se tornem importadores ainda mais dependentes no futuro. Será que esses países poderão se tornar de fato produtores importantes de alimentos?

Audinet, o especialista do Ifad, conhece os riscos. "A forma como esses acordos estão estruturados pode prejudicar os países e os agricultores a longo prazo, roubando deles seu bem mais importante: a terra". Olivier De Schutter, relator especial da ONU para O Direito à Alimentação, alerta: "Como os países da África estão competindo por investidores, estão baixando os preços em relação uns aos outros". Alguns contratos, diz De Schutter, mal têm três páginas de extensão - para centenas de milhares de hectares de terra. Esses tipos de acordos estipulam quais produtos serão cultivados, o local, e o preço da compra ou arrendamento, mas não incluem nenhuma norma ambiental. Eles também não determinam os investimentos necessários em contrapartida nem estipulam que deverão ser criados empregos, diz De Schutter.

Alguns investidores concordam em construir escolas e pavimentar estradas, mas mesmo quando cumprem suas promessas, os benefícios para os governos anfitriões e agricultores locais têm vida curta. A longo prazo, entretanto, eles precisam sofrer as consequências da super-fertilização, desmatamento, consumo excessivo de água, redução da diversidade ecológica e perda de espécies locais. Para aumentar as safras e atingir lucros anuais de 20% ou mais, os grandes donos de terras estrangeiros precisam operar suas fazendas em escala industrial. E quando o solo começa a empobrecer depois de alguns anos, muitos investidores simplesmente mudam para outro lugar. A terra é tão barata que eles não são obrigados a valorizar práticas de agricultura sustentáveis.

Rejeitando o velho modeloPor causa dos riscos, Audinet e De Schutter, assim como a maioria dos especialistas, preferem os contratos de produção à aquisição de terras. Em outras palavras, os investidores estrangeiros fornecem a tecnologia e o capital, enquanto os fazendeiros locais, trabalhando em suas próprias terras ou em terras arrendadas, fornecem arroz ou trigo a preços fixos. Este é um modelo clássico, testado e comprovado, mas não é o que os novos investidores querem. Eles querem controlar, ter propriedade, altos lucros e, acima de tudo, segurança - objetivos raramente compatíveis com os interesses de milhares de pequenos produtores.

O Senegal decidiu a favor dos contratos de produção e contra a venda de terras em grande escala, mas isso é possível porque o país é uma democracia estável. O mesmo não pode ser dito de muitos países onde a aquisição de terras está acontecendo.

"Quando os alimentos se tornam escassos, o investidor precisa de um Estado fraco que não o obrigue a obedecer nenhuma lei", diz o empresário norte-americano Philippe Heilberg. Um Estado que permita a exportação de grãos apesar da fome em seu território, que seja consumido pela corrupção ou esteja profundamente endividado, que seja governado por uma ditadura, atormentado pela guerra civil, ou que envie milhões de trabalhadores para o exterior e precise que esses trabalhadores consigam vistos e empregos.

Heilberg descobriu um país assim: o sul do Sudão, que na verdade é uma pré-nação, autônoma mas não independente. O norte-americano de 44 anos, filho de um mercador de café e fundador da firma de investimentos Jarch Capital, agora é o maior arrendatário de terra no sul do Sudão, com 400 mil hectares de terra agrária de primeira qualidade na província de Mayom.

A simples menção das palavras sul do Sudão conjura imagens de guerra civil, refugiados e fome, e não de um lugar onde alguém consideraria plantar tomates. Mas Heilberg alardeia que seu projeto será mais benéfico para o povo do que a própria ONU, e que ele criará empregos e produzirá alimentos. E insiste que Paulino Matip, de quem ele arrendou as terras por 50 anos, não seja chamado de ditador, mas sim "ex-ditador" ou "vice-chefe do Exército". Heilberg só deixa de mencionar que os rebeldes liderados por Matip são suspeitos de terem cometido crimes de guerra.

Em vez de comprar ações, o ex-banqueiro está agora especulando sobre o futuro político do sul do Sudão, que ele insiste será um país independente em dez anos, quando as terras serão bem mais caras do que são hoje.

A aquisição de terras já está um passo à frente no oeste do Quênia, onde vive Erastas Dildo, 33, o tipo de pessoa que os investidores de Nova York provavelmente caracterizariam como um fator de risco: um pequeno agricultor que é dono de três hectares de terra. Em sua terra fértil, o milho fica verdejante e cresce até dois metros, o gado é tão gordo quanto os hipopótamos e os pés de tomate se inclinam com o peso de seus frutos. O vizinho rio Yala corre para o Lago Vitória. Há três pequenas casas de alvenaria na propriedade. Erastas colhe seu milho duas vezes por ano, e os vegetais e tomates crescem durante o ano todo. Um hectare produz 3.600 euros (quase R$ 9.600) em milho por ano, muito dinheiro para os padrões quenianos.

"Eles expulsaram 400 famílias"Mas isso tudo mudou quando Erastas foi contatado pela Dominion Farms, uma agroindústria norte-americana que estabeleceu uma colônia do delta do Yala, onde arrendou 3.600 hectares de terra por 45 anos, a um preço ridículo de US$ 12 mil por ano (R$ 22,4 mil). A Dominion, que planeja plantar arroz, vegetais e milho na terra, quer incluir os três hectares de Erastas Dildo em seu empreendimento.

Os representantes da Dominion ofereceram pagar a ele cerca de 10 centavos por metro quadrado. Erastas recusou, e agora eles estão tornando as coisas um pouco difíceis para o agricultor. Sua arma mais eficiente é uma represa construída pela companhia. Quando Erastas tentou colher seu milho, encontrou a plantação inundada. "Eles estão jogando com o nível da água para nos expulsar", disse. E quando isso não funciona, diz Erastas, a Dominion manda escavadeiras, bandidos e às vezes até a polícia.

De acordo com seu contrato, a Dominion concordou em reformar "pelo menos uma escola e um centro médico" em cada um dos distritos locais. "Em vez disso, eles expulsaram 400 famílias", diz Gondi Olima, da organização Amigos do Delta de Yala. De acordo com Olima, primeiro a Dominion criou novos empregos, uma vez que os trabalhadores eram contratados por dia para limpar o terreno com facões, mas depois ela companhia trouxe cada vez mais equipamento. "Agora eles têm tantas máquinas que os trabalhadores não são mais necessários", diz Olima.

A Dominion Farms nega as acusações dos fazendeiros e afirma que já construiu oito salas de aula, doou portões e contemplou 16 crianças com bolsas escolares, além de fornecer camas e eletricidade para uma ala de hospital.

Talvez Erastas e sua família sejam forçados a abrir caminho para o desenvolvimento em breve, como já está acontecendo em muitos lugares. O Banco Mundial estima que apenas 2 a 10% das terras da África tenham donos ou arrendatários formais, e a maioria delas fica nas cidades. Uma família pode ter morado num pedaço ocupado de terra durante décadas, mas com frequência não têm como provar que é a proprietária.

A caçada pela terra continua
Entretanto, a terra quase nunca é deixada sem uso. Os mais pobres, em particular, vivem da terra, onde coletam frutas, ervas ou madeira e alimentam seu gado. De acordo com um estudo conjunto feito por várias organizações da ONU, as tomadas de terra são normalmente justificadas com alegações de que a terra era improdutiva. Como resultado, de acordo com o relatório, as tomadas de terra têm potencial para tirar a posse dos agricultores em larga escala. Em muitos países, pode haver terra arável suficiente para todos, mas a qualidade não é uniforme - e os investidores querem a melhor terra. Essa, como de fato acontece, é a terra em que os agricultores normalmente vivem.

Como mais de 50% dos africanos são pequenos produtores, a aquisição em larga escala pode ser desastrosa para a população. Os que perdem suas terras, perdem tudo. O fato de que grandes investidores possam melhorar substancialmente as safras com sua tecnologia agrícola moderna não significa nada para os africanos que, depois de perderem suas terras e meios de sobrevivência, não conseguem comprar os novos produtos agrícolas.

O Banco Mundial e outras organizações estão desenvolvendo agora um código de conduta para os investidores. Uma declaração de intenções foi elaborada para o encontro do G-8 em L'Aquila, Itália, mas os chefes de Estado que compareceram não conseguiram concordaram em relação às normas restritivas.

E assim continua a caçada por terra. A Dominion garantiu outros 3.200 hectares, e Philippe Heilberg está em processo de arrendar mais 600 mil hectares no sul do Sudão. Em Nova York, na sala Stuyvesant, um dos palestrantes recita números para ilustrar a rapidez com que a população global está crescendo: 154 pessoas por minuto, 9.240 por hora ou 221.760 por dia. E todas elas querem comer.

Tradução: Eloise De Vylder

Revista DER SPIEGEL

"O Big Bang é um mal-entendido"



Hubert Reeves, astrofísico franco-canadense, fala sobre o Big Bang.
Hubert Reeves, um dos mais instigantes astrofísicos da atualidade, diz que a ciência não sabe como o Universo surgiu: `Ela nem sabe se o Universo teve uma origem^. Para ele, a Grande Explosão é só uma metáfora sobre o estado de Cosmo há cerca de 15 bilhões de anos.
O lançamento de um telescópio espacial e a construção de um anel subterrâneo para o choque de partículas subatômicas têm mais em comum do que a vista alcança: astrônomos, de um lado, e físicos, de outro, todos querem à sua maneira enxergar o Universo como era há uns 15 bilhões de anos, quando surgiu de uma explosão cósmica. Surgiu? Explosão? De repente, o Big Bang, uma das idéias científicas mais elegantes do século XX, sucesso de público e de crítica, começa a ser duramente questionado. Nada prova que o Universo tenha surgido, dizem os novos céticos. E, se surgiu, nada prova que tenha sido de uma explosão.

Nesse fascinante debate, uma voz ocupa cada vez mais o centro das atenções. Trata-se do astrofísico franco-canadense Hubert Reeves, 67 anos, doutor em Física pela Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, ex-conselheiro científico da NASA e diretor de pesquisa do renomado Centro Nacional de Investigações Científicas (CNRS), em Paris. De aparência frágil, embora seu esporte preferido seja esquiar, e temperamento afável, embora não se recuse à polemica. Reeves cultiva uma barba bíblica e uma louvável atitude de humildade cientifica. Conhecido divulgador de obras de ciência, dedicou "a todas as pessoas maravilhadas com o mundo" um de seus livros editados no Brasil, Um pouco mais de azul (1986). O outro é A hora do deslumbramento (1988).


Hoje em dia, não é só aos homens de fé, mas, sobretudo aos homens de ciência, que se pergunta a respeito das grandes questões existenciais. Principalmente àqueles, como o senhor, que buscam encontrar nossas origens nas estrelas. Será que a Astrofísica quer se impor como uma nova metafísica?

Nem seria preciso. Se desde alguns anos os astrofísicos tornaram-se freqüentemente ouvidos sobre questões religiosas, se tanto as pessoas se perguntam qual o lugar do homem no Universo, talvez seja simplesmente porque tomamos consciência da nossa fragilidade e da do nosso planeta. Mas não se deve esquecer que ciência e religião percorrem campos muito diferentes: a primeira se pergunta como o mundo é feito: a segunda, como viver nossa vida de homens. Elas podem se esclarecer mutuamente, mas desde que cada uma permaneça em seu território. De rosto, sempre que a Igreja tentou impor sua explicação do mundo resultou um conflito. Lembrando-nos de Galileu e de Darwin

Não obstante, a religião católica parece aceitar bem atualmente as proposições da Astrofísica, a famosa teoria do Big Bang, por exemplo.

Sim. Talvez porque se fez do Big Bang uma nova mitologia, identificando-o à criação bíblica do mundo, o Fiat Lux (Faça-se a luz)

Mas como não fazer a aproximação? No princípio era o Big Bang, uma formidável explosão de luz, a 15 bilhões de anos, dando origem no Universo. Não é o que dizem os astrofísicos?

Não. Não podemos afirmar que o Big Bang seja a origem do Universo.

Mas é o que os senhores vêm repetindo há anos.

Eu sei. Provavelmente nós nos exprimimos mal e fomos também mal compreendidos. Hoje a ciência de modo algum pode afirmar que conhece a origem do Universo. Ela nem sequer sabe se o Universo teve uma origem. Falar de um começo implica obrigatoriamente a idéia de que antes desse acontecimento não havia nada. Ora, isso não sabemos.

Se assim é, se o Big Bang não é a Origem, o que quer dizer afinal essa expressão?

Ela designa o estado em que se encontrava o Universo há 15 bilhões de anos, eis tudo. Ou seja, a época mais longínqua que nossos meios atuais permitem alcançar. Somos como exploradores diante de um oceano: não sabemos se existe algo além do horizonte. Com efeito, o Big Bang não representa os limites do mundo, mas unicamente os limites dos nossos conhecimentos. Tudo o que sabemos é que há 15 bilhões de anos o Universo era muito diferente do atual: era extremamente quente — bilhões cie graus —, muito denso e desorganizado. Evidentemente, nada de vida, nada de estrelas, nada de galáxias. Nada de moléculas, nada de átomos, nada mesmo de núcleos atômicos. Apenas uma sopa gigantesca, um purê de partículas elementares: elétrons, fótons (ou seja, pequenos grãos de luz) e também quarks e neutrinos, os futuros constituintes dos átomos. Numa palavra, o caos.

Como se sabe disso?

Graças às descobertas da Física e da Cosmologia. Um primeiro grande princípio foi enunciado por Galileu. Antes dele, acreditava-se que existiam dois mundos: o nosso, cambiante e perecível: e o outro mundo, situado além da -Lua, imutável e eterno. -Não obstante, a Lua tem montanhas como a Terra'', constatou Galileu. O que sugere que ambas são astros que fazem parte de um mundo único e que este é regido pelas mesmas leis. É uma descoberta fundamental aquela que Newton enunciará por sua vez: as leis da Física se aplicam tanto à Terra quanto ao Universo inteiro. Graças a esse principio, desde o século XVIII foi possível, por exemplo, estudar o espectro atômico das estrelas e hoje simular as forças do Universo nos grandes aceleradores de partículas. Agora, existem provas de que as constantes universais, como a velocidade da luz ou a massa de um elétron, não variam há bilhões de anos.

Que provas são essas?

Ao contrario dos historiadores que jamais poderão contemplar Roma Antiga, os astrofísicos podem verdadeiramente ver o passado. Na escala do Universo, a luz não viaja tão depressa assim. Um telescópio é uma maquina de voltar atrás no tempo: permite observar astros muito longínquos como os quasares, cuja luz levou 12 bilhões de anos para nos alcançar, astros que não existem mais hoje.

Quer dizer que os astros que vemos essas miríades de estrelas, todas essas galáxias não passam de uma ilusão, uma imagem do passado?

Mas, tudo o que vemos é assim. Não se vê jamais o presente. Quando eu olho, para você, eu a vejo no estado em que estava há um centésimo de microssegundo, o tempo que a luz levou para chegar até mim. Um centésimo de microssegundo é muito tempo na escala atômica. Felizmente, os seres humanos não desaparecem nesse lapso de tempo e eu posso formular sem risco a hipótese de que você está sempre aí. O mesmo vale para o Sol: durante os oito minutos que sua luz leva para chegar à Terra, ele não muda fundamentalmente. Mas, para os astros distantes, é diferente. Quando se fixa um quasar, se recebe uma luz velha, emitida há 12 bilhões de anos. Ora, sabemos que a luz - outra importante descoberta da Física - é na verdade um fluxo de minúsculas partículas a que chamamos fótons. No nosso olho, ou na objetiva do telescópio, recebemos, portanto fótons muito velhos, que viajaram durante 12 bilhões de anos. Em laboratório podemos perfeitamente estudá-los e analisar, por exemplo, sua freqüência ou sua energia. Além disso, sabemos fabricar simplesmente um novo fóton, ao criar um lampejo de luz. Comparando as duas partículas, a muito velha e a nova em folha, encontramos as mesmas constantes físicas. As leis não mudaram passados bilhões de anos.

Ainda assim, o Universo mudou.

Sim, é de resto a grande descoberta do nosso século: o Universo evolui, tem uma historia, não é nem imóvel nem eterno, assim como Galileu, Newton e mesmo Einstein o pensaram.
Dispõe-se até de provas visíveis: a escuridão do céu por exemplo.

Por que isso seria uma prova da evolução do Universo?

Se o Universo fosse eterno, as estrelas teriam emitido luz desde sempre e o céu estaria repleto de claridade. Se é negro, é porque as estrelas nem sempre existiram. E porque, de resto, o espaço entre elas aumenta sem cessar. Disso estamos hoje convencidos: o Universo está em expansão. Foi um astrônomo americano, Edwin Hubble, chie por volta de 1930 constatou que as galáxias se distanciavam umas das outras, tanto mais rapidamente quanto is distantes fossem. Algo como um pudim de passas que se leva ao forno: á medida que ele cresce as passas se distanciam umas das outras. Esse movimento conjunto foi confirmado depois por numerosas experiências e hoje se admite que o Universo infla e esfria há cerca de 15 bilhões de anos.

Por que se chegou a 15 bilhões?

Basta passar o filme ao contrário. Quanto mais se volta atrás no tempo, mais as galáxias se aproximam: o Universo é cada vez mais denso, logo cada vez mais quente e cada vez mais luminoso. Chega-se assim a 15 bilhões de anos. Nesse instante a densidade da matéria é infinita, assim como a temperatura do Universo. Tudo isso está confirmado por fósseis descobertos recentemente.

Fósseis?

Fósseis cosmológicos são, com efeito, os dados de observação que permitem reconstituir o passado. Algo como os pré-historiadores fazem com fragmentos de ossos. Assim descobrimos uma "radiação fóssil" que permitiu calcular que há 15 bilhões de anos o Universo tinha uma temperatura de pelo menos 3 mil graus. Outros elementos recentes, as medidas da relativa abundância de hidrogênio e de hélio, mostram que cerca de 1 milhão de anos antes o calor alcançava 10 bilhões de graus. E mesmo somente alguns minutos antes, vários bilhões de graus.

Eis então nosso Big Bang. Voltamos à idéia de um começo. Se retornamos no tempo, o seu Universo-pudim é apenas uma bola, com todas as passas agrupadas.

Não. Nossos modelos matemáticos sugerem que, nesse instante, mesmo que a matéria estivesse num estado de densidade muito grande, o Universo era já infinito. Ou, se você preferir, um purê de dimensões infinitas.

Nada de explosão inicial então?

Podemos reter a imagem da explosão se admitirmos que aquilo explodia em toda parte, em cada ponto do espaço.

Por que o nome Big Bang?

Foi por desprezo que um pesquisador, Fred Hoyle, assim designou, ridicularizando essa teoria de que ele não gostava. Hoje é aceita por todos os cientistas, mas o Big Bang para nós é apenas uma metáfora, pois, em relação àquele momento, nossas noções tradicionais de tempo e espaço não fazem mais sentido.

Por quê?

Porque, nessas altíssimas temperaturas, nossas teorias não se aplicam mais. Toda a Física afunda. Atualmente dispomos de duas grandes teorias: a Física Quântica, que explica muito bem o funcionamento dos átomos e de suas interações, desde que estes não sejam expostos a uma forte gravidade: e a Teoria da Relatividade, que descreve bem o comportamento da matéria sob forte gravidade desde que não se a considere como um conjunto de átomos. Portanto, nenhuma se permite estudar as partículas submetidas a uma forte gravidade, como, foi o caso há 15 bilhões de anos. E o problema fundamental da Cosmologia contemporânea: não conseguimos conciliar essas duas teorias. Muitos pesquisadores, entre os quais Stephen Hawking, trabalham nessa direção. Eles inventam modelos físicos muito complexos, como a "supersimetria", as "supercordas", a "supergravidadc" ou ainda os "miniuniversos". Mas até o presente com pouco sucesso.

Nem se pode dizer se houve ou não um “antes”?

Justamente, não. No passado, quando alguém perguntava o que fazia Deus antes de criar o mundo, havia o costume de responder: “Ele preparava o inferno para os que fizessem essa pergunta”. Santo Agostinho, de seu lado, respondeu: "Perguntar isso supor que o tempo existisse antes da criação do mundos, Ora, também o tempo foi criado”. Hoje em dia os astrofísicos estão um pouco na mesma situação.
Nas condições do Big Bang já não podemos aplicar nossas teorias, o espaço-tempo não é mais definido, não sabemos mais o que significa a palavra “antes”. Eis por que a questão da origem nos deixa, a nós, astrofísicos, mudos e desamparados.

De onde pode vir a solução? Da teoria ou da observação do céu?

Das duas. É necessário que encontremos uma teoria mais global do Universo. Mas estou pronto a apostar que a observação e a descoberta a precederão. Os seres humanos, com efeito, não tem muita imaginação. Poderemos talvez progredir graças ao telescópio espacial, por exemplo, que nos permitirá enxergar mais longe, sem sermos atrapalhados pelo véu da atmosfera terrestre, portanto voltar atrás bastante no tempo durante o milhão de anos que se seguiu ao Big Bang.

E talvez até a este?

Não o “veremos” realmente, pois, quanto mais nos aproximamos, mais o Universo fica opaco, velado pela luz emitida durante o milhão de anos seguinte. Mas, com outros instrumentos, como o telescópio de neutrinos, ainda num futuro longínquo, poderíamos obter uma espécie de radioscopia do Universo, o equivalente ao que se vê do corpo ao observar as imagens de raios X ou dos scanners. Por volta do ano 2000, o telescópio de gravitons, uma espécie de sismógrafo do espaço, permitirá receber não a luz dos astros como um telescópio clássico, mas suas ondas gravitacionais.

Já se conhece bem, agora, o enredo que se desenrolou depois do Big Bang?

Sim, algumas etapas. Ao esfriar, o Universo vai se estruturar conforme o jogo das quatro forças fundamentais que se diferenciaram pouco após o Big Bang: a gravidade (que nos mantém no chão e governa os astros), a força eletromagnética (que une os átomos, por exemplo, o oxigênio e o hidrogênio na molécula de água), a força nuclear forte (que sol- da os núcleos dos átomos) e a força fraca (que governa os neutrinos). Alguns milionésimos de segundos após o Big Bang, as partículas de matéria, os quarks, começam a se organizar em prótons e nêutrons. Estes, por sua vez, vão formar os primeiros núcleos dos átomos simples, como o do hélio. Este último é muito estável – até demais, pois vai frear essa evolução durante um milhão de anos, tempo em que o Universo continua a esfriar e se presta a novas combinações.

Portanto, a evolução não continuou?

Não, Houve soluços, períodos de aceleração. E fases parecidas com as da água, que , ao esfriar, passa do estado de vapor ao de liquido, depois ao de gelo. O Universo passou inicialmente do estado de radiação ao de matéria. Desde então, a gravidade começa a agir: a sopa de partículas forma coágulos, a matéria se concentra em grandes massas: as galáxias, depois as estrelas. Estas vão servir de cadinho aos prótons e aos nêutrons que ai se instalam em núcleos de átomos. Alguns milhões de anos mais tarde, certas estrelas, por falta de combustível, sucumbem e morrem, expulsando sua matéria. Dessa vez, graças à força eletromagnética, os núcleos ejetados se associam enfim em átomos e em moléculas: o hidrogênio, o oxigênio, o gás carbônico e também grãos de poeira, os primeiros sólidos, que irão se agregar para formar os planetas. O nosso nasceu há 5 bilhões de anos. No oceano primitivo, as moléculas cada vez mais complexas se combinam de modo a formar as primeiras células, os primeiros seres vivos. A evolução biológica segue se curso, o homem aparece... Pode-se dizer que os bilhões de bilhões de partículas que constituem os átomos do nosso corpo já existiam há 15 bilhões de anos. A diferença é que hoje elas não estão mais no caos, mas agrupadas na estruturas extremamente complexas que permitem o pensamento.

Quer dizer que a história do Universo é a história da complexidade?

Ela pode ser lida como tal. O Universo sempre evolui d simples para o complexo. Mas atenção: isso só diz respeito a uma porção muito pequena do espaço. A maior parte está ainda muito desorganizada. As nuvens de gás que existem entre as estrelas se parecem com aquilo que eram no momento do Big Bang. Podemos observar uma espécie de pirâmide da evolução cósmica. Quanto mais organizada e complexas as estruturas, menos elas são numerosas. É de certo modo como na Terra: os grandes predadores são menos numerosos que suas presas.

Em suma, o senhor estendeu ao Universo inteiro a idéia darwiniana da evolução e fala como se o Universo tivesse obedecido a uma espécie de lógica. Diria o senhor que o apartamento dos planetas e da vida era inevitável?

Eu tenderia a dizer que sim. Mas é uma opinião pessoal, da qual alguns dos meus colegas não partilham. As leis físicas são ajustadas para produzir a complexidade. Assim, de duas uma: ou elas mesmas decorrem de um principio mais geral, de uma espécie de teoria última do Universo o crente dirá que um ser supremo as fez férteis ou, como dirá ateu, elas decorrem do acaso. Mas nesse ponto se sai da ciência. O que parece assentado é que a complexidade estava inscrita desde o Big Bang. Todavia ela só pôde se expandir em razão do desequilíbrio do Universo.

Como assim?

Se o Universo tivesse esfriado muito lentamente, a matéria teria alcançado depressa um equilíbrio, ela se teria condensado em ferro, o elemento mais estável, e não teria evoluído. Não se conhecem elementos complexos construídos somente a partir de átomos de ferro. Felizmente, graças a seu esfriamento rápido, o Universo pôde produzir em quantidades importantes os outros átomos, corno o carbono, que se presta a muitíssimas combinações, até formar a extrema complexidade do cérebro humano, estrutura distante da estabilidade. De certo modo o equilíbrio é a morte. Um cadáver, por sinal, assume esse estado: as moléculas das quais é formado se desintegram em moléculas rnais simples.

Será que o Universo vai recuperar um dia um equilíbrio, será que ele também morrerá ou vai inchar e esfriar indefinidamente?

Pensa-se que ele continua a esfriar, mas cada vez menos depressa. Nosso Sol vai morrer em 5 bilhões de anos, depois de ter gasto seu combustível. Em mil bilhões de anos todas as estrelas do Universo estarão consumidas e se pensa que não haverá novos astros em formação. Restarão os buracos negros, que requerem mais tempo para se evaporar. E depois? Não se sabe. Mas é muito possível que não tenhamos arrolado todas as forças da natureza, que exista uma quinta, uma sexta força... No começo do século, só se conheciam duas. Ora, toda nova força é suscetível de prolongar a vida do Universo. De acordo corn outro enredo, a temperatura do Universo tornará a subir nesse caso seria necessário retomar filme de trás para diante. Num certo momento teria havido tanta luz que o céu se tornaria branco. A Terra se vaporizaria, a matéria se dissociaria. Nada de vida, nada de organização. As partículas dissociadas recuperariam um estado de equilíbrio. Mas esse enredo é pouco compatível com as observações e não se crê muito nele.

Será que aparecimento do homem modifica essa longa marcha da complexidade?

O homem já intervém na evolução, inventa inteligência artificial. Os cérebros humanos continuam a produzir complexidade. Nós apenas damos continuidade à tarefa da natureza.

Pondo-a em perigo.

Sim. Se nos damos conta de tudo que foi necessário para se chegar aonde estamos, à primeira margarida e a esses seres que agora podem tomar consciência do Universo e discutir suas origens, isso deveria incitar-nos a uma avaliação do nosso comportamento presente.

- O Universo começou sem o homem e terminará sem ele”, disse o antropólogo Lévi-Strauss. O senhor está de acordo com ele?

O homem, talvez, mas não necessariamente a inteligência. Se o ser humano desaparecer, poderia haver outras espécies inteligentes que talvez alcançassem níveis de complexidade ainda mais elevados. Todo o Universo é construído de maneira homogênea. Para onde quer que se olhe se percebe que as primeiras etapas da complexidade já foram superadas: existem estrelas e galáxias que se parecem bastante às nossas e se pode postular ali a própria presença de carbono. Se uma molécula possui mais de quatro átomos, existe carbono! Pode-se assim supor que as etapas seguintes da complexidade tenham sido franqueadas em outros planetas. A inteligência e a consciência me parecem produtos mais ou menos inevitáveis da história do Universo. Penso que elas prosseguirão na sua evolução. Com ou sem nós.

- Os astrofísicos são comparáveis a exploradores diante do oceano: não sabem se há algo além do horizonte

- A grande descoberta do nosso século é a de que o Universo tem uma historia: não é imóvel nem eterno, mais evolui

- Se o Cosmo fosse eterno, a luz das estrelas existiria desde sempre e o céu estaria cheio de claridade

- Esfriando depressa, o Universo criou os átomos que formariam a extrema complexidade do cérebro humano.
Revista Superinteressante

Via Láctea: Fábrica de Estrelas



A Via Láctea abriga 250 bilhões de astros como o Sol. Nossa galáxia pode explicar alguns enigmas cósmicos, como a natureza da chamada ¿matéria escura¿. É possível que seu núcleo seja um buraco negro.

Martha San Juan FrançaNo árido deserto do Novo México, nos Estados Unidos, 27 radiotelescópios alinhados na forma de Y observam atentamente o céu. O conjunto forma o VLA (Very Large Array, traduzido habitualmente por Arranjo de Muito Longa Base), uma espécie de antena gigante capaz de detectar emissões de ondas eletromagnéticas das mais distantes galáxias. Há seis anos, um grupo de astrônomo do Instituto de Tecnologia da Califórnia (CalTech) apontou o VLA na direção da constelação de Sagitário, onde fica o núcleo da Via Láctea. Quando os computadores combinaram os sinais recebidos em cada uma das 27 antenas, estava pronta a primeira imagem da extraordinária fonte de energia ali existente - algo como 10 milhões de sóis.

“Supõe-se pelo tamanho e pela forma dessa fonte de energia que no coração da Via Láctea existe um buraco negro”, concluiu o astrônomo Kwok Yung Lo, da equipe do CalTech, referindo-se aos estranhos corpos, cuja existência ainda não foi comprovada, que exerceriam tamanha atração gravitacional sobre tudo que está a sua volta que nem a luz escaparia.

Pesquisas como a de Lo e seus colegas mostram que as respostas a algumas indagações importantes sobre a origem e a evolução do Universo - por exemplo, se o Cosmo está mesmo se expandindo - podem ser encontradas aqui mesmo na nossa galáxia, que abriga o Sol e o seu séquito de planetas, entre os quais a Terra. Deixada de lado durante algum tempo em favor de galáxias mais distantes, nestes últimos anos a Via Láctea “voltou ao centro das atenções”, como afirma a astrônoma Sandra dos Anjos, da Universidade de São Paulo. Equipados com novos telescópios e sensores eletrônicos, os cientistas tentam construir uma imagem mais completa da Galáxia, o que antes não era possível por que suas nuvens de gás e poeira prejudicavam a observação. A nova imagem mostra que a Via Láctea, como as outras centenas de bilhões de galáxias que se calcula haver no Universo conhecido, é uma fábrica que transforma matéria gasosa em estrelas. Ela se condensou na mesma época que suas irmãs, até 10 bilhões de anos atrás, a partir de uma nuvem primordial de gás em movimento, composta na maior parte de hidrogênio, com alguma porcentagem de hélio.

Essa colossal nuvem começou a se contrair pela ação da força gravitacional até ficar com uma aparência que pode ser comparada à de dois ovos fritos colados entre si pelas claras. A região interna, densa e concentrada, onde se supõe existir o buraco negro, gira mais rapidamente em redor de si mesma, como se fosse um corpo sólido. Já no disco em volta do núcleo, as nuvens de gás giram mais devagar. É o mesmo princípio, em escala descomunal, que permitiu a criação de um sistema planetário ao redor do Sol (SUPERINTERESSANTE nº11, ano 2). Em torno desse conjunto, distribuídos numa imensa esfera chamada halo, estão os aglomerados globulares, formados por centenas de milhares de estrelas.

Desde Nicolau Copérnico ( 1473-1543) se sabe que a Terra não é o centro do sistema solar. Mas por muito tempo ainda se acreditou que o Sol estivesse no centro da Via Láctea. Em 1917, o astrônomo americano Harlow Shapley (1885-1972), considerado um dos fundadores da Cosmologia moderna, acabou com essa idéia. Ao medir as distâncias da Terra de alguns aglomerados globulares que giram perto do centro da Galáxia. Shapley pôs o sistema solar no seu devido lugar: nos subúrbios do disco da Via Láctea, longe do centro cerca de 30 mil anos-luz ou inimagináveis 285 quatrilhões de quilômetros. A Via Láctea, ela própria, faz parte do que se chama Grupo Local, uma família de umas vinte galáxias por assim dizer vizinhas, entre as quais as conhecidas Andrômeda e as Nuvens de Magalhães, onde foi avistada há dois anos a supernova 1987 A. O Grupo Local parece dirigir-se para uma superconcentração de galáxias que se imagina também estar sendo atraída por um aglomerado ainda maior e mais distante (SUPERINTERESSANTE nº9, ano 2).

No interior da Via Láctea, há cerca de 10 bilhões de anos, começaram a aparecer os primeiros embriões de estrelas formados pela condenação de hidrogênio. No núcleo desses embriões, reações termonucleares transformaram o hidrogênio em outros elementos químicos: primeiro, hélio e depois carbono, que, por sua vez, provocou novas reações. Quando isso ocorreu, nasceram as primeiras estrelas e uma descomunal quantidade de energia foi liberada para o espaço sob a forma de luz e outras radiações eletromagnéticas. Dependendo de sua massa, depois de alguns bilhões de anos, muitas daquelas estrelas explodiram, expelindo o seu conteúdo para as nuvens de gás. Essas nuvens gigantescas são as incubadeiras de outras estrelas da Galáxia. Chamam-se nebulosas porque, vistas da Terra, parecem manchas esbranquiçadas, pois o seu interior é iluminado por uma infinidade de estrelas recém-nascidas.

Parte da matéria-prima que compôs o Sol e os planetas , bem como a combinação de átomos que tornou possível a vida na Terra, foi gerada no forno das primeiras gerações de estrelas da galáxia. “Somos todos feitos de pedacinhos de estrelas”, ousa o astrônomo Roberto Boczko, da Universidade de São Paulo. Ele explica que o espaço entre as estrelas é povoado por um arsenal de moléculas, formadas por átomos expelidos pelas próprias estrelas.

Depois de bilhões de anos, as moléculas se organizaram de forma cada vez mais complexa. Já foram identificadas cerca de cem moléculas diferentes, algumas simples, como carbono, oxigênio e nitrogênio, outras mais complexas, como o cianopentacetileno. “Cada tipo de molécula tem uma assinatura - uma freqüência única de rádio”, atesta o astrônomo Eugênio Scalise, do Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE), que há cinco anos pesquisa a existência de moléculas de água nas proximidades de estrelas muito jovens.

Quem olha para o céu numa noite límpida e sem luar percebe a Via Láctea como uma brilhante faixa leitosa. Daí o nome: aos antigos romanos parecia um caminho de leite. Se fosse possível retratá-la de cima, a Via Láctea pareceria uma imensa espiral girando como um cata-vento em torno do núcleo. Os braços dos cata-vento indicam concentrações de matéria e são formados por estrelas e nebulosas. Esses braços são interrompidos por nuvens de poeira. O espaço em volta, embora pareça vazio, possui hidrogênio e outros gases, de forma rarefeita. O caminho de leite dos romanos é a Via Láctea como que vista de perfil. A quantidade de estrelas que ela parece abrigar depende de onde se encontra e para onde olha o observador - fora da faixa branca os espaços são pouco povoados. Na faixa, se vêem tantas estrelas que parecem formar uma única massa luminosa.

Com diâmetro de 100 mil anos-luz, que corresponde à metade da distância da Terra à Grande Nuvem de Magalhães, a Via Láctea tem cerca de 250 bilhões de estrelas (todas as 6 mil estrelas que se avistam a olho nu da Terra estão na Via Láctea). Mas uma boa parte da massa da Galáxia não se encontra nas estrelas, no gás ou nas moléculas interestelares até agora observadas. Ela pertence a alguma coisa que os astrônomos designam por matéria escura, por enquanto invisível, que ocupa um gordo naco de espaço, provavelmente na periferia do disco galáctico. “Não podemos ver a matéria escura, mas sabemos que existe pela influência gravitacional que exerce sobre os demais componentes observáveis da Galáxia”, explica Roberto Boczko. Em outras palavras, a Via Láctea não teria exatamente a forma que aparenta se não houvesse essa misteriosa matéria escura à sua volta.

“O cálculo da massa do Universo, que é um dos parâmetros usados para medir a sua evolução, deverá levar em conta a matéria escura”, esclarece Boczko. “Com esse dado será possível dizer se o Universo está mesmo em expansão, com as galáxias se afastando umas das outras como pontos na superfície de um balão de borracha que se enche.” Em teoria, a matéria escura pode ser qualquer coisa, de prótons a planetas. Alguns astrônomos acreditam que se trata de corpos conhecidos, como estrelas anãs pouco luminosas ou asteróides pequenos demais para serem visíveis.

Outros acham que a matéria escura é constituída de partículas subatômicas ainda desconhecidas. Seja qual for a verdade, sua eventual descoberta nesta ou em outras galáxias será com certeza um extraordinário avanço científico, comparável por exemplo à captação em 1965 da radiação de fundo remanescente do Big Bang, a explosão que deu origem à expansão do Universo. Se a Terra ficasse no núcleo da Via Láctea, as noites seriam muitíssimo mais estreladas. Enquanto a vizinha mais próxima do Sol, Alfa, da constelação de Centauro, está a 4 anos-luz de distância, o intervalo entre as estrelas do núcleo da Via Láctea é bem menor, quase igual ao dos planetas em relação ao Sol.

A distância entre a Terra e o Sol, por exemplo, é de 8 minutos-luz. Acredita-se que as estrelas do núcleo estão sendo atraídas para um ponto central, onde se supõe existir o buraco negro, revelado nas imagens captadas pelo VLA sob a orientação dos astrônomos do CalTech. Ultimamente, imagens ainda melhores do caroço da Via Láctea mostram que ali existe um aglomerado de fontes de calor. Pode ser que a massa combinada daqueles astros seja responsável pela atração exercida pelo núcleo - como se ali existisse não um, mas vários pequenos buracos negros. Para o astrônomo americano George Rieke, da Universidade do Arizona, “há evidências muito fortes de que as galáxias vizinhas, como Andrômeda, têm grandes buracos negros no centro”. Mas ele adverte: “Isso não significa que a Via Láctea tenha que seguir a mesma regra”. Uma das teorias correntes sobre os buracos negros afirma que eles seriam os motores que fornecem aos quasares a sua extraordinária capacidade de radiação.

As emissões dos quasares, cujo nome significa fonte de rádio quase-estelar (do inglês quasi-stellar radio source), são captadas de galáxias distantes bilhões de anos-luz da Terra (SUPERINTERESSANTE nº4, ano 2). São testemunhas dos primeiros tempos do Universo, ou seja, o jardim de infância das galáxias atuais. Alguns astrônomos acreditam que à medida que os quasares se apagam as galáxias amadurecem e herdam os buracos negros em seu núcleo. Segundo o astrônomo inglês Donald Lynden-Bell, da Universidade de Cambridge, e um dos mais respeitados estudiosos da Via Láctea, “os núcleos das galáxias são os cemitérios dos quasares que vemos brilhando na aurora do Universo”.

Há menos de dez anos, os astrônomos descobriram que as nuvens de gás quente em volta do núcleo da Via Láctea formam um arco agitado por enormes raios, resultado da ação de poderosas forças magnéticas. O espetáculo deve ser impressionante: esses raios, uma espécie de relâmpagos cósmicos, se estendem às vezes por centenas de anos-luz de distância. “Ao que parece, as nuvens de gás quente devem conduzir eletricidade, fornecendo o alimento necessário a esses relâmpagos”, especula um dos seus descobridores, o americano Marc Morris, da Universidade da Califórnia. Esta, porém, não é a única manifestação de atividade magnética no núcleo da Via Láctea. Astrônomos japoneses captaram as emissões de ondas gigantes de matéria rarefeita que se elevam várias centenas de anos-luz acima do plano da Galáxia e podem ser comparadas aos turbilhões de plasma que agitam a superfície solar.

Como em tantos outros campos da ciência, o que já se aprendeu sobre a Via Láctea rivaliza com o que ainda se ignora a seu respeito. Pode ser que nos próximos anos se saiba explicar alguns grandes mistérios, como a natureza da matéria escura e a constituição do núcleo galáctico - que, em última análise, estão ligados à origem e evolução do Universo. Como reconhece o astrônomo Marc Morris, “quanto mais se aprende sobre a Via Láctea mais complicada ela fica. Mas também se pode dizer que fica mais interessante:”.

AS IRMÃS DO SOL

Quando uma nuvem de gás nos braços em espiral da Via Láctea se contrai devido à própria gravidade, começam a ocorrer as reações termonucleares que fazem nascer as estrelas. Algumas, como as supergigantes vermelhas, são milhares de vezes mais brilhantes que o Sol; outras, como as anãs brancas, emitem uma luz tão fraca que equivale a 1 milionésimo da luminosidade solar. Essa espantosa diversidade tem uma explicação simples: trata-se apenas de uma questão de massa e idade. As estrelas mais pesadas produzem mais energia, sendo portanto mais brilhantes e quentes que as de massa menor. O Sol, por outro lado, deve esgotar seu combustível em 5 bilhões de anos. Então terá o tamanho de uma gigante vermelha, para depois murchar e virar uma anã branca. Sua massa será igual à que tem hoje, comprimida, numa esfera do tamanho da Terra.

Se a maioria da estrelas morre pacificamente de velhice, algumas, sobretudo as de maior massa, têm um final violento. Quando a estrela chega ao fim de sua fase de super-gigante vermelha as reações nucleares próximas ao núcleo ficam tão fortes que tudo explode e a matéria que compõe o astro é projetada em fragmentos no espaço: é a supernova. Nessa explosão colossal, a supernova brilha brevemente como 1 bilhão de sóis. Depois da explosão, seu núcleo se contrai até que ela se transforme numa estrela de nêutrons ou pulsar. Ao girar feito um turbilhão, a estrela de nêutrons emite radiações rigorosamente regulares, como os lampejos de um farol.

Teoricamente, o centro de uma estrela se transformará numa anã branca ou num pulsar, conforme a sua massa. Mas, caso essa massa seja excepcionalmente grande, quando a estrela se contrair nada conseguirá impedir o seu colapso; e quanto maior o núcleo, e ao mesmo tempo mais concentrado, maior será também a força gravitacional. A estrela transforma-se então num buraco negro.
Revista Superinteressante

sexta-feira, 16 de março de 2012

A morte do Sol


Daqui a 7,5 bilhões de anos o Sol vai se apagar. Mas, antes disso, vai crescer, brilhar muito mais e quase derreter o sistema solar.
Thereza Venturoli
Ano 1 500 001 997 d.C. Um Sol gigantesco se levanta sobre o horizonte leste da Terra. Se você pudesse acordar nessa manhã, daqui a 1,5 bilhão de anos, não encontraria nada do mundo que conhece hoje. Nossa estrela está 10% mais brilhante e parece ocupar um pedaço enorme do céu, que por sinal não é mais azul. A atmosfera, opaca, úmida e abafada, é dominada por uma luz cor-de-laranja e amarela. Sobre o solo árido não há água, nenhuma planta ou animal. Enorme, brilhante e abrasador, o Sol está começando a morrer. E os primeiros sintomas da sua longa agonia já eliminaram a vida da Terra. Essa é a previsão da equipe de astrônomos liderada por Juliana Sackmann, do Instituto de Tecnologia da Califórnia.
Como todas as estrelas, o Sol brilha porque tem massa demais. Os átomos de hidrogênio do seu núcleo não suportam o peso sobre eles e se fundem, causando ininterruptas reações nucleares. A cada segundo, são queimadas 700 milhões de toneladas de hidrogênio, liberando 386 bilhões de bilhões de megawatts de energia como calor, luz visível e outras radiações. Compare: a potência da Usina de Itaipu é de 12 600 megawatts por ano! Apesar de tanto vigor, o Sol perde hoje uma fração mínima de matéria. Mas daqui a cerca de 7 bilhões de anos, o hidrogênio terá se esgotado e o astro começará a queimar hélio. Aí, a energia liberada será tão maior que ele se transformará numa gigante vermelha – uma estrela que pulsa, variando seu diâmetro em milhões de quilômetros. Mercúrio será engolido e destruído.

Planeta duro de matar

O tamanho e o brilho solar chegarão ao máximo daqui a 7,5 bilhões de anos. Segundo Juliana Sackmann, seu raio ficará mais de 200 vezes maior, chegando muito perto da Terra. E seu brilho, 5 000 vezes mais intenso. Isso quer dizer que a estrela estará lançando sobre o sistema solar 5 000 vezes mais energia do que hoje. O calor na Terra será muito superior ao de Vênus atualmente, que é de 500 graus Celsius. O antigo planeta-água virará uma imensa caldeira, com temperatura capaz de derreter chumbo. “De acordo com a quantidade de matéria ejetada pelo Sol, a Terra pode ficar muito mais quente ainda”, previram Juliana e seu colega Arnold Boothroyd, da Universidade de Monash, na Austrália. E poderia até ser destruída nesse inferno dantesco. Mas vai acabar fugindo para longe (veja na página seguinte).

O carrossel enlouquece

À medida que o brilho for aumentando, o vento solar lançará mais e mais energia e matéria da estrela moribunda espaço afora. Esse efeito reduzirá muito a massa do astro e, conseqüentemente, sua força gravitacional. “Até o ponto em que as amarras da gravidade estarão tão frouxas que os planetas correrão para mais longe”, explicou à SUPER Walter Maciel, do Instituto Astronômico e Geofísico da Unversidade de São Paulo. “Mas não escaparão do sistema solar.” Para saber exatamente quanto cada planeta se deslocará, seria necessário medir a quantidade precisa de massa perdida pelo Sol. “Mas calculamos que Vênus se moverá para a órbita atual da Terra e nosso planeta, para a de Marte”, disse Juliana. Os planetas exteriores, como Júpiter e Saturno, também entrarão no enlouquecido carrossel. Suas órbitas deverão dobrar de diâmetro.

Depois do suspiro final

Com os planetas girando mais longe, a solitária estrela agonizará por mais alguns milhares de anos. Na tentativa de reacender a fornalha em seu interior, ela terá se expandido e contraído quatro vezes, no total. A cada expansão, mais matéria será jogada fora. O Sol irá se enfraquecendo e se apagando aos poucos, até o suspiro final. Aí, o que um dia foi astro-rei amarelo e gigante vermelha não passará de uma anã branca – um corpo carcomido, com metade da massa atual espremida numa esfera com diâmetro 17 vezes menor que hoje e sem forças para liberar energia. Uma nebulosa, nuvem de poeira e gases resultante do desgaste estelar, envolverá o sistema solar mumificado. Os planetas, com exceção de Mercúrio, continuarão a longa e fria jornada em torno da carcaça estelar.

A saga terráquea segue

Que o Sol não duraria para sempre os astrônomos já sabiam. Estudando outras estrelas, eles construíram o modelo tradicional, que prevê o desaparecimento da Terra daqui a 5 bilhões ou 6 bilhões de anos, engolida pelo astro moribundo. A diferença do trabalho de Juliana e Boothroyd é que, nele, o Sol recebe tratamento personalizado. “Levamos em conta a variação de brilho e de tamanho específica da nossa estrela”, disse Juliana. A conclusão é o que você viu nas páginas anteriores: a Terra pode não ser engolida, mas jogada para longe – que bom! Mas toda forma de vida desaparecerá em 1,5 bilhão de anos – que mau!

Desanimador? Nem tanto. Há gente séria achando que, até lá, o homem pode salvar o planeta. O astrofísico canadense Hubert Reeves, da Universidade de Montreal, vê duas saídas: reacender a fornalha ou empurrar a Terra para longe do inferno estelar (veja o infográfico abaixo). Reeves admite que nenhuma delas seria viável hoje. Mas quem sabe lá na frente dê. “É tudo uma questão de desenvolvimento tecnológico”, disse ele, otimista, à SUPER. Arnold Boothroyd acha mais fácil nos mudarmos para outro mundo. No que ninguém aposta é que a espécie humana sobreviva até lá. “É difícil imaginar um futuro tão remoto”, afirmou Boothroyd. “Seria como se o homem das cavernas pudesse adivinhar a sociedade atual.” Ainda assim, é bom crer que, na falta do Homo sapiens sapiens, outro ser inteligente qualquer leve a saga terráquea adiante.

Para saber mais

NA INTERNET:

Para encontrar o artigo científico de Juliana Sackmann e Arnold Boothroyd, digite o nome dos autores e o título do trabalho (Our Sun. Present and Future) no campo search do endereço: http://adsabs. harvard.edu/abstract_service.html

Esta será a aparência da Terra daqui a 3,5 bilhões de anos, quando o Sol estará a meio caminho da morte. O que um dia foram os oceanos terá se transformado em vastas planícies. E os antigos continentes terão se tornado planaltos. É que, por aquele tempo, o Sol terá aumentado em 40% o seu brilho, secando de vez o planeta e varrendo a atmosfera para o espaço

Ao emagrecer, ela crescerá
Ao lançar mais energia e matéria, a estrela se espalhará.
Hoje, o Sol perde, por ano, menos de um trilionésimo de sua massa. Os planetas permanecem estáveis em sua órbita.

Daqui a 7 bilhões de anos, ele comecará a pulsar. Seu diâmetro crescerá milhões de quilômetros e engolirá Mercúrio.

No auge da catástrofe, a Terra não passará de uma bola incandescente, a centenas de graus Celsius, sem atmosfera. As rochas terão se derretido e o relevo, se achatado

Quanto maior, mais fraco
O Sol perde matéria e solta os planetas.
Daqui a 7,5 bilhões de anos, o Sol começará a pulsar, aumentando e diminuindo de tamanho em mais de 200 vezes.

Em cada expansão ele perderá matéria. Sob menor força gravitacional, os planetas saltarão para órbitas mais distantes.

Passado o desastre, uma nebulosa –nuvem de poeira e gases resultante do desgaste estelar – se dissipará pelo espaço, para muito além dos limites do que foi um dia o nosso sistema solar

Como escapar do fogo cruzado
Além de mudar de planeta, a humanidade tem duas soluções para salvar a Terra.
Reavivar o Sol. Foguetes nucleares ou raios laser seriam lançados no depósito de hidrogênio, próximo do núcleo, que queima hélio. O combustível entra de novo em reação nuclear. O Sol ganha mais alguns bilhões de anos.

Mudar de endereço. Foguetes nucleares empurrariam a Terra para além da região de Saturno. A energia para a operação viria da fusão do hidrogênio retirado da água do mar. Seria preciso esgotar 10% dos oceanos.
Revista Superinteressante

quarta-feira, 14 de março de 2012

Rei Sol

Rei Sol
Durante milênios o homem adorou o Sol. Nos últimos 500 anos, começou a conhecê-lo. Dele, a Terra recebe algo como a energia de 10 bilhões de Itaipus. E isso é apenas uma ínfima parcela da luz e calor que emite. Sem ele nenhuma forma de vida existe 

Flávio Dieguez 

Em apenas 1 segundo, o volume de vapor que se forma sobre os rios e plantas da floresta amazônica equivale a quase 200 mil toneladas. Isso é mais do que o próprio rio Amazonas despeja no mar em qualquer momento: 160 mil toneladas por segundo. Lado a lado, essas duas grandes correntes de água criam imponente sistema de circulação tão essencial à sobrevivência da maior floresta do mundo quanto as artérias para o corpo humano. Há cerca de 200 milhões de anos — idade aproximada da própria mata —, o sistema vem funcionando com incrível regularidade e eficiência. Mas o espetáculo dessas forças perde todo o brilho e grandeza quando comparado com a sua fonte de energia — o Sol.

Vista da superfície do astro-rei, a Terra é um irrisório grão de areia girando à remota distância de 150 milhões de quilômetros. Mesmo assim, a ínfima parcela de luz e calor que efetivamente alcança o planeta — em vez de perder-se em outras direções no espaço vazio — é suficiente para dar vida e movimento aos oceanos, ventos, florestas, a cada um e a todos os organismos. Essa energia, que os antigos atribuíam aos deuses, pode hoje ser calculada com precisão. Equivale à eletricidade que seria gerada por 10 bilhões de hidrelétricas do porte de Itaipu. Não admira que o homem primitivo das mais diversas latitudes — e o já nem tão primitivo assim — tenha adorado o Sol sobre todas as coisas, num culto feito de reverência e temor, a ponto de incluir sacrifícios humanos.

Dos 2 milhões de anos que já dura a saga do homem na Terra, apenas nos últimos quinhentos começou-se a conhecer algo sobre a estrela que dá vida ao planeta. E só muitíssimo recentemente — depois da Segunda Guerra Mundial — os astrônomos passaram a ter uma idéia mais precisa do que acontece por trás de sua face de fogo. Mas, desde então, as descobertas não cessaram de se acumular rapidamente, à medida que os instrumentos de observação foram-se tornando cada vez mais sofisticados. Os projetos modernos são espetaculares, a começar pela esperta nave-robô norte-americana Starprobe (Investigador de Estrela) que em missão suicida mergulhará diretamente sobre as labaredas solares, transmitindo informações até ser consumida.

Essa nave deveria voar já este ano, mas seu lançamento foi adiado por causa dos cortes impostos ao programa espacial dos Estados Unidos. Assim, enquanto não sai a primeira viagem ao Sol, outras expedições ganham impulso. Uma delas é o vôo da nave européia Ulysses, que deverá estar pronta para partir em 1990. Menos audaciosa que a Starprobe, ela pretende apenas ficar em órbita solar. Mas a rota é importante: a nave passará sobre o que se poderia chamar de lado oculto do Sol — os seus pólos, sempre em posição impossível de ser observados da Terra. Depois de Ulysses, subirá a Soho, também européia, cujo destino será estacionar a uma distância fixa e segura do Sol, o suficiente para observar e analisar o seu comportamento.

É uma missão de respeito: afinal, qualquer irregularidade no funcionamento dessa imensa usina energética pode ter conseqüências imprevisíveis sobre toda a vida na Terra. É por prover a vida que o Sol é para nós o mais importante astro do céu, embora seja apenas uma das dezenas de bilhões de estrelas que giram conjuntamente nesse grande redemoinho que é a Via Láctea. A galáxia em que o Sol nasceu e vive é um disco de estrelas que levará inimagináveis 200 bilhões de anos — bem mais de dez vezes a idade do Universo — para dar uma volta completa sobre si mesmo. A galáxia contém astros maiores e menores: o Sol fica numa posição de classe média — tanto em tamanho como em brilho ou peso. Mas está muito próximo: sua luz, que é a coisa mais rápida do Universo, leva apenas oito minutos para chegar à Terra. Ao passo que a estrela mais próxima, Alfa da constelação de Centauro, está a quatro anos de viagem, mesmo à velocidade da luz. O centro da galáxia, em igual pique, fica a 30 mil anos de distância.

A nave espacial Soho, portanto, será uma repórter em posição privilegiada. Ficará atenta especialmente às ondas gigantes que agitam a superfície solar. É um meio indireto mas engenhoso de saber o que está se passando nas regiões interiores do Sol. Ao contrário dos planetas ou da Lua, as estrelas não são corpos sólidos. Por isso, mesmo que a nave Starprobe levasse um imaginário astronauta invulnerável ao fogo, este jamais poderia pisar na superfície do Sol — a exemplo do que os americanos fizeram na Lua em  1969.

A matéria do Sol é o plasma, uma espécie de gás. Mas o plasma não é neutro, como os gases que se conhecem: suas partículas são fragmentos de átomos ou moléculas e possuem temperaturas altíssimas. No interior do Sol, o plasma atinge quase 20 milhões de graus, um valor que na superfície brilhante cai para 5 mil graus. Logo acima da superfície, porém, o plasma se torna muito rarefeito  e sofre a ação de poderosas forças magnéticas. Sua temperatura, então, é mais alta que na superfície, brilhante, alcançando até 2 milhões de graus.

A nave européia Soho também fará medições constantes do chamado vento solar, uma leve corrente de plasma que está constantemente se desgarrando do Sol para espalhar-se pelo espaço. O efeito mais célebre do vento solar são as caudas dos cometas, criadas quando estes se aquecem nas proximidades da estrela. A brisa eletrificada, nesse caso, desagrega o núcleo do cometa e empurra para longe do Sol uma grande quantidade de pó e gás liberados dessa forma.

Todos esses fenômenos, embora fascinantes, são meros espirros do gigante, cuja força real arde profundamente em seu núcleo. É verdade que a superfície, é às vezes sacudida por explosões violentas, gerando erupções de plasma que se estendem por até 200 mil quilômetros no espaço — trinta vezes o diâmetro da Terra. Mas essas línguas de fogo são relativamente tênues, apesar de compridas. No corpo do Sol, em vez disso, caberiam com alguma folga 1 milhão de planetas como o nosso. Esse volume tem um raio de 1,5 milhão de quilômetros — 250 vezes maior que o raio da Terra.

Já o núcleo solar é uma esfera de raio dez vezes menor que o da própria estrela, mas com uma densidade extremamente alta. Ele suporta todo o peso das camadas externas. Assim, é mais compacto que o ferro. Mas continua sendo um gás porque compensa o esmagamento com sua elevada temperatura: o calor, procurando expandir-se, contém a gravidade da massa acima do núcleo. Esse é o fantástico jogo de forças que mantém as estrelas por assim dizer de pé e em funcionamento, numa luta perene entre o seu próprio peso e o calor central.

Em 1926, o astrônomo inglês Arthur Eddington fez uma ousada sugestão sobre a origem desse calor: ele só podia ser gerado por um reator nuclear. A comunidade científica se escandalizou porque então se conhecia muito pouco sobre as reações atômicas. Algumas décadas mais tarde, porém, viu-se que a teoria estava certa. O plasma no núcleo do Sol sofre transformações semelhantes às que ocorrem na explosão de uma bomba de hidrogênio e, também como neste caso, passa a emitir radiação principalmente sob a forma de luz e calor.

Essa radiação não é visível, pois ainda tem de atravessar as camadas externas, um percurso longe de ser curto. Estima-se que um raio de luz leve milhões de anos chocando-se com as partículas de plasma até emergir na superfície brilhante. A maior parte do trajeto, no caso do calor, é feita em forma de radiação, como ocorre com a luz. Mas um pouco abaixo da superfície o calor faz com que o plasma entre em ebulição, à maneira da água levada ao fogo. Como os turbilhões de matéria nessa região envolvem gás eletrificado, acabam criando potentes campos de força magnética. Esta, por sua vez, gera as oscilações e erupções extraordinárias que os astrônomos podem observar.

Na Antiguidade, os homens se assustavam terrivelmente quando o Sol se apagava. Sem saber que estavam apenas diante de um eclipse — um dos raros momentos em que a sombra da Lua se projeta sobre a Terra —, imaginavam que o seu deus estava em apuros. Os sábios egípcios do tempo dos faraós, por exemplo, ensinavam que nesses momentos o Sol estava sendo devorado por uma porca gigante, um espírito maligno da mitologia da época. Que os antigos pudessem pensar assim não surpreende. O curioso é que as crendices do passado persistem em algum lugar do presente.

Assim, em 1983, quando ocorreu o mais longo eclipse desta década, uma lenda semelhante à dos egípcios voltou a assombrar os indonésios, que tiveram o privilégio de ver a ocultação do Sol em pleno dia. Durante cinco minutos, a Lua, muito mais próxima da Terra, passou à frente do astro-rei. Sua esfera de fogo, então, transformou-se em um lindo disco negro, visível apenas porque à sua volta permaneceu um fino halo de chamas — a corona. De acordo com os indonésios, o Sol tinha acabado de ser devorado pelo monstro mítico Kala Rau.

Muito do interesse da ciência pelos eclipses vem do fato de que eles expõem com mais nitidez o véu flamejante da corona. Os cientistas esperam aprender mais sobre os plasmas para um dia fabricar uma imitação do reator central do Sol. A razão é que, embora na corona não ocorram reações nucleares, ela é um bom exemplo natural de como o plasma se comporta sob a ação de forças magnéticas. Pois é exatamente por meio de grandes ímãs que os físicos tentam espremer os plasmas na Terra: desse modo, podem simular a enorme pressão gravitacional que age no interior do Sol.

"De certa forma estamos usando o Sol como um laboratório", gaba-se o astrônomo norte-americano Ray Smartt, membro de uma equipe de trinta pesquisadores especialmente encarregados de elucidar os segredos da corona. Ele espelha o empenho existente nos tempos atuais em aprender mais sobre o Sol. Num misto de fascinação e espírito prático, o objetivo desses pesquisadores é abrir caminho para o futuro, quando o espaço se tornar cada vez mais importante para o progresso aqui na Terra.

A ciência toma Sol.
Cinco séculos antes de Cristo, o grego Anaxágoras disse que o Sol era uma esfera de ferro incandescente. Ninguém lhe deu ouvidos. O homem só começou a entender o Sol mais de 2 mil anos depois. Em 1610, o italiano Galileu Galilei anunciou ter visto ao telescópio estranhas manchas negras na superfície solar. Hoje se sabe que as manchas são áreas da superfície do Sol onde a temperatura é menor por ação das forças magnéticas ali concentradas. Mas já no século XVII a descoberta de Galileu bastou para acabar com o mito de que o Sol era perfeito e imutável.

Em 1834, o matemático alemão Carl Gauss (1777—1835) teve a brilhante idéia de usar uma bússola para saber se o Sol tinha força magnética como a Terra. Nos anos seguintes, de fato, verificou-se que não só ela existia ali como se tornava mais forte quando o Sol ficava mais carregado com as manchas que tanto intrigaram Galileu. Outra inovação foi trazida pelo astrônomo inglês John Herschel (1792—1871). Em 1839, usando apenas um prato com água, ele mediu pela primeira vez a potência térmica do Sol. Estimou que a temperatura de uma lâmina de água de cerca de 2 centímetros de espessura subia, exposta ao Sol, 1 grau centígrado por minuto — uma indicação bastante boa de quantidade de energia emitida pelo Sol.

Mas o grande salto da ciência solar já tinha sido dado em 1814 com a invenção do espectroscópio, aparelho capaz de decompor a luz como um prisma. Cada substância, ao ser queimada, tem uma espécie de assinatura luminosa. O arco-íris produzido pelo espectroscópio decifra essa assinatura na forma de uma determinada combinação de cores. Assim começou a ser conhecida a composição química do Sol. Aprendeu-se que ele contém os mesmos elementos existentes na Terra, mas em proporções às vezes muito diferentes. Por exemplo, o hélio é 20 por cento do Sol; na Terra, é menos de 1 por cento.

O espectroscópio, ao permitir que se analisasse o interior dos átomos, ajudou a abrir caminho para a grande revolução da Física neste século. Na década de 30 ficou claro que a energia do Sol era fruto de colossais reações atômicas. Foi a primeira vez que se desconfiou de que nem o Sol nem qualquer outra estrela são eternos. E o ciclo de vida do astro-rei, determinado pela quantidade de combustível nuclear disponível, pôde, enfim, ser calculado.

Morre uma estrela: é o fim do mundo
As estrelas empregam um sistema curioso para gerar energia: constroem átomos pesados a partir de átomos mais leves. A luz e o calor que emitem é um simples resíduo do esforço empregado na construção. Todos os elementos conhecidos, tais como o ferro, o oxigênio, o ouro ou o urânio, nasceram dessa forma: assados nas fornalhas estelares. Até o aparecimento das estrelas, há cerca de 15 bilhões de anos, praticamente toda a matéria existente estava na forma de hidrogênio — o avô de todos os outros átomos.

Cerca de 1 milhão de anos depois do seu nascimento, algo de novo aconteceu. As massas de hidrogênio, agrupadas pela atração gravitacional, começaram a criar estrelas e galáxias. Os átomos que ficaram presos nos núcleos estelares, sob forte pressão, fundiram-se sempre aos pares. E não se tratou de uma simples soma: os novos “tijolos” de matéria, contendo dois átomos soldados entre si, formavam um novo elemento, o hélio. O Sol provavelmente nasceu dos restos de outra estrela, que por sua vez também pode ter nascido assim.

Trata-se portanto de um astro de segunda ou terceira geração. Essa hipótese decorre de um fato simples: o Sol contém átomos muito pesados, como o urânio, que se constituem apenas quando uma estrela morre. Nesse caso o “reator” estelar, tendo usado todos os átomos leves que possuía, já não gera o calor e a luz que serviam para conter sua própria gravidade. Assim, o velho astro desmorona sobre si mesmo. A pressão interna momentaneamente se eleva a níveis fantásticos e mesmo os átomos mais pesados podem se formar. Mas esse é também o seu canto do cisne, pois a produção de energia é tão alta que destroça a estrela numa explosão. Os seus gases, lançados ao espaço, serão as sementes de uma nova estrela.

O mesmo destino aguarda o Sol. Mas sua morte não será tão espetacular porque ele contém relativamente pouca matéria. Dentro de 5 bilhões de anos, ao esgotar-se o seu combustível, haverá um excesso fatal de produção energética. A explosão resultante será lenta. O Sol apenas inchará como um balão, engolindo gradualmente os planetas mais próximos. O primeiro a ser devorado será Mercúrio, seu vizinho. Depois será a vez de Vênus e em seguida esta Terra. De amarelo, como hoje, o Sol passará para laranja, depois para vermelho. Sua superfície brilhante, enormemente expandida, terá uma temperatura mais baixa, mas emissão total de calor será maior.

Portanto, antes de desaparecer dentro do já então rarefeito gigante vermelho, a Terra será assada em fogo brando. Em questão de duzentos anos, por exemplo, a temperatura média do planeta vai no mínimo dobrar — e não há forma concebível de vida capaz de resistir a tamanha subversão. As calotas polares, derretendo, encherão os oceanos. Boa parte dos continentes ficará submersa e não haverá refúgio possível contra o calor infernal que se espalhará por toda a parte.

“Uma vasta Amazônia, quente e úmida, se estenderá pelo planeta”, imagina o físico canadense Hubert Reeves. “Mais tarde, intermináveis incêndios consumirão tudo o que há de orgânico.” Reeves imagina que seja possível dobrar o tempo de vida útil do Sol, despejando nele um arsenal de bombas de hidrogênio, de modo a puxar combustível novo das camadas externas para o centro, onde se dão as reações nucleares. Mas talvez nunca venha a existir tecnologia suficiente para fazer essas bombas explodiram, não na superfície, mas dentro do astro, como seria necessário. Enfim, depois de alguns milhares de anos, a própria Terra se fundirá. Baforadas tórridas encerrarão o espetáculo, consumindo e espalhando pelo espaço a matéria do Sol e de todos os planetas, mesmo os mais distantes, como Netuno e Plutão.

No centro do sistema solar, então, restará apenas o antigo núcleo do Sol — uma “anã branca”, no dizer dos astrônomos. Quase cem vezes menor do que a estrela Sol que lhe deu origem, desprovida de combustível, ela queimará os seus restos, lentamente, como o carvão que sobra de uma fogueira. Ao cabo de mais meio bilhão de anos, a anã se tornará negra e gelada e não voltará a brilhar. Em vez disso, a matéria que a rodeava no passado terá formado uma nova estrela, em outro lugar.
Revista Superinteressante

sexta-feira, 2 de março de 2012

IRÃ: O QUE ESTÁ POR TRÁS DO EMBARGO EUROPEU

Não só as vastas reservas de energia e recursos naturais do Irã atiçam a cobiça dos dirigentes dos países economicamente impotentes da União Europeia assim como do líder deles, os Estados Unidos. Sabemos que sempre foi essa cobiça de mãos dadas com a debilidade econômica que esteve por detrás das guerras ilegais dos últimos vinte anos, a última das quais a da Líbia.
Agora temos que os caminhos que levam à Moscou e a Pequim passam por Teerã, capitais essas localizadas respectivamente na Rússia, China e Irã. O que se tem passado em relação às atitudes ocidentais agressivas dos últimos anos em relação à Síria e ao Irã enquadra-se também num ramo de maiores considerações políticas geo-estratégicas. [1]
No estudo apresentado em [1] considera-se que os caminhos que levam à Moscou e à Pequim passam por Teerã do mesmo modo que os caminhos que levam à Teerã passam por Damasco na Síria, Bagdá no Iraque e Beirute no Líbano.
Ressalta-se que os EUA querem controlar o Irã por razões políticas e econômicas assim como para satisfazer as suas próprias necessidades de energia. Eles querem também poder controlar a forma de pagamento da exportação do petróleo do país. Querem que o pagamento das exportações de petróleo do Irã seja feita em dólares.
Isso é para que o uso global e contínuo do dólar nas transações internacionais seja mantido e não dilapidado, como tem sido nos últimos tempos. Lembramo-nos que o uso do dólar como moeda de pagamento internacional é uma das duas pernas em que o controle americano sobre o mundo se sustenta, apesar dos pesares. Digo apesar dos pesares porque o dólar não tem valor nenhum por si mesmo. Poderia e deveria ser trocado por sistemas de pagamento mais condizentes com a realidade de 2012 e não condizente com a realidade de 1945, como é o caso. A outra perna em que o poder americano sobre o mundo se sustenta é a força militar.
Controlando o Irã através de um regime de marionetes posto no poder através de uma guerra dirigida pelos EUA e executada pelos seus aliados (como foi o caso na Líbia e como estão ameaçando a fazer na Síria) Washington também estaria a pôr uma corda no pescoço da China.
Essa corda deveria ser apertada ou afrouxada de acordo com os interesses norte americanos, dando a eles o controle da segurança energética da China. Se a China não se comportasse de acordo com os interesses americanos lá estariam eles a estripá-la através do estripamento do fornecimento do petróleo. Estripamento esse que seria garantido pelas marionetes estabelecidas no Irã ao custo do sangue de muitos milhares e milhares de inocentes no país e no Oriente Médio, assim como à custo de uma destabilização econômica no mundo inteiro, se não por uma catástrofe global.
É fato de conhecimento geral que a ameaça de guerra aberta que vemos hoje é uma continuação dos acontecimentos desencadeados por ações encobertas já há uns anos. Essas ações encobertas incluem serviços de informação específica, ataques e vírus cibernéticos, grupos militares secretos, espiões, assassinos, agentes de provocação e sabotadores agindo contra o Irã em favor dos interesses ocidentais.
O sequestro e assassinato de cientistas iranianos e de comandantes militares é de conhecimento público. Sabe-se de diplomatas iranianos sequestrados no Iraque e de iranianos visitando a Arábia Saudita e Turquia que foram detidos e sequestrados. Sabe-se de oficiais sírios, assim como vários palestinos e representantes do Hezbolah que também foram assassinados. Ressalta-se que esses foram assassinados e não detidos e colocados perante um tribunal de Justiça.
Pressupõe-se que Israel tenha atacado o Líbano não só para exterminar ou pelo menos enfraquecer o Hezbolah, mas também para estrategicamente ferir a Síria. É como dito, os caminhos que ferem a Síria vão através do Líbano. Os caminhos que estrategicamente ferem Irã vão através da Síria. Os caminhos que estrategicamente ferem ou afetam a Rússia e a China vão através da Síria e do Irã.
Síria é o apoio e o eixo do bloco da resistência contra os abusos ocidentais na região. Essa resistência é apoiada pelo Irã. Há já cinco ou seis anos que os EUA seguido dos seus irmãos em armas tentam desligar a Síria do Irã. Essa tentativa vinha sido feita por esforços de seduzir a Síria. Sendo que o país não se deixou seduzir pelas ofertas ocidentais, as tentativas de sedução já se transformaram em ameaças e preparações de guerra.
Combater a Síria é combater o Irã. Esse é um ponto central a se ter em conta no contexto atual. A balança do poder e da influência política hoje na região tende a favor do Irã, mas nada enfraqueceria mais o Irã do que a perda da Síria.
Há aqui cenários potenciais e devastadores. O Irã se manteria passivo frente a um ataque à Síria, ataque esse liderado pelos interesses ocidentais? Podemos pressupor que não. Os EUA não desejam que esse potencial cenário veja a luz do dia. O que eles querem é atacar a Síria e depois atacar o Irã, não os dois juntos. Seria demais até mesmo para os EUA-EU-OTAN. Isso já para nem se mencionar a cadeia de acontecimentos a serem desencadeados imprevisivelmente.
A marcha para uma guerra total e devastadora continua enquanto os EUA intensificam a guerra política e econômica da qual a decisão de embargo da União Européia só é um passo a mais. É uma marcha fúnebre dirigida por loucos falidos e letalmente armados.
REFERÊNCIAS E NOTAS:
[1] Mahdi Darius Nazemroaya, é sociólogo e autor consagrado especializado em questões do Oriente Médio e da Ásia Central. Tendo estudado e analisado em extenso a situação atual ele argumentou em favor do núcleo das idéias que aqui retransmitimos. Originalmente o núcleo sequencional das idéias e conclusões aqui apresentadas foram publicadas em “News”- “Obama´s Secret Letter to Tehran: Is the war against Irã on Hold? Em Strategic Culture Foundation, Moscou.