Quando um terremoto destrói todas as obras humanas em questão de segundos, ficamos estarrecidos diante de nossa própria fragilidade. Toda vez, ao testemunhar a atuação das forças terrestres, o escritor de bestsellers norte-americano Bill Bryson é tomado por uma profunda perplexidade: "Como isso pode acontecer?", essa pergunta o perseguia. Até ele empreender uma peregrinação por laboratórios e bibliotecas.
Quase cinco milhões de chineses perderam suas habitações a 12 de maio de
2008, dia em que a terra tremeu na província de Sichuan. Pesquisadores esperavam
por um abalo desses na província, embora em outro local. Em alguns pontos, os
tremores ergueram o chão por vários metros de altura, muitos edifícios ruíram
porque sua construção não era suficientemente sólida.
Sabemos espantosamente pouco sobre o que acontece debaixo dos nossos pés.
Este é um pensamento notável: carros da Ford já sacolejavam pelas ruas e clubes
de beisebol se enfrentavam na World Series, antes de sabermos que a Terra tem um
núcleo. E a noção de que os continentes estão à deriva na superfície terrestre,
como flores de lótus sobre a água, só é de conhecimento geral há uma geração.
"Pode parecer estranho", escreveu o físico Richard Feynman, "mas estamos muito
melhor informados sobre a distribuição da matéria no interior do Sol, do que
sobre o âmago da Terra".
A distância da superfície até o ponto central da Terra é de aproximadamente
6.400 km, portanto, não é excepcionalmente grande. Se perfurássemos um buraco
até o centro e jogássemos um tijolo nele, de acordo com os cálculos, ele
chegaria lá em baixo em apenas 45 min (embora não tivesse mais peso nas
profundezas, por que a força de gravidade da Terra não estaria mais agindo
exclusivamente de baixo para cima, mas de todos os lados). Até agora, porém, só
empreendemos tentativas verdadeiramente modestas para avançar rumo ao centro.
Uma ou outra mina de ouro, na África do Sul, tem 3 km de profundidade, mas a
maioria das minas do planeta não se afasta por mais de 400 m da superfície.
Assim, se a Terra fosse uma maçã, não teríamos nem transposto a casca; aliás,
ainda estaríamos bem longe disso.
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HÁ POUCO MAIS DE UM SÉCULO, até
as cabeças mais bem informadas do mundo científico não sabiam muito mais sobre o
interior do nosso planeta do que um simples minerador. Podia-se escavar a terra
até certa altura, mas então surgia uma camada rochosa e tudo acabava aí. Foi
apenas em 1906, que o geólogo irlandês Richard Dixon Oldham, ao analisar as
ondas sísmicas depois de um terremoto na Guatemala, notou que algumas delas só
penetravam até uma determinada profundidade no interior da Terra. Depois, eram
rebatidas, como se tivessem encontrado uma espécie de barreira. Essa constatação
levou Oldham a concluir que a Terra necessariamente tinha um núcleo duro.
Quatro anos mais tarde, o sismólogo croata Andrija Mohorovičić examinou as
curvas de medição de um terremoto em Zagreb, e notou desvios estranhamente
parecidos, que, no entanto, tinham ocorrido em uma profundidade muito menor. Com
isso, ele havia encontrado o limite entre a crosta terrestre e a camada
imediatamente inferior, o manto. Desde então essa área ficou conhecida como Zona
de Descontinuidade Mohorovičić, ou simplesmente Moho.
Aos poucos, cristalizou-se uma vaga noção da estrutura estratificada do
interior da Terra, mas realmente era vaga. Somente em 1936, a cientista
dinamarquesa Inge Lehmann determinou, durante uma análise dos sismogramas de
terremotos na Nova Zelândia, que o núcleo tinha duas partes: um interno, que
segundo nossos conhecimentos atuais é sólido, e um externo (aquele que Oldham
havia descoberto), que presumivelmente é líquido e no qual se origina o campo
magnético da Terra.
QUASE AO MESMO TEMPO, enquanto
Lehmann examinava as ondas sísmicas - e com isso alargava nossos conhecimentos
básicos sobre o interior do planeta-, dois geólogos do Instituto de Tecnologia
da Califórnia, Charles Richter e Beno Gutenberg, desenvolveram um método para
comparar diferentes terremotos. Por razões que nada têm a ver com justiça, a
escala criada por eles passou a ser chamada exclusivamente de Escala Richter.
(Charles era muito modesto, jamais se referiu à dita escala com seu próprio
nome. Em vez disso, sempre falava da "Escala de Grandeza").
A Escala Richter se manteve quase sempre de difícil entendimento pelos
leigos, hoje talvez um pouco menos que no início. Naquela época, visitantes que
procuravam por Richter em seu escritório, frequentemente queriam ver a famosa
escala, que supunham ser alguma espécie de máquina. Na realidade, porém, ela é
muito mais uma ideia do que um objeto; uma medida arbitrária para os abalos
sísmicos da Terra capazes de serem medidos em sua superfície. A escala é
logarítmica; ou seja, a energia liberada em um terremoto de magnitude 7,3; por
exemplo, é cerca de 30 vezes maior que a grandeza de um abalo de magnitude 6,3;
e mil vezes mais potente que a de um tremor de 5,3 pontos.
A escala é apenas uma medida para a energia; nada informa sobre os níveis de
destruição que a liberação dessa energia produz. Um abalo de magnitude 7, que
ocorre nas profundezas do manto terrestre - digamos a uma profundidade de 600
km, possivelmente não provocará dano algum na superfície; enquanto um tremor
consideravelmente menor, a 7 km de fundura, provavelmente estará atrelado a uma
destruição catastrófica em área muito extensa. A intensidade e a destruição
também dependem muito do tipo de subsolo, do tempo de duração do tremor, de sua
frequência e da força dos abalos subsequentes, além das circunstâncias físicas
do território atingido. Devido a todos esses fatores, os piores terremotos não
são, necessariamente, os mais fortes; embora a energia liberada obviamente
desempenhe um papel muito relevante.
O MAIOR TERREMOTO, desde a
invenção da Escala Richter, ocorreu em março de 1964, no Estreito Prince
William, no Alasca, ou em 1960, no litoral chileno do Oceano Pacífico
(dependendo da fonte à qual se prefere dar mais credibilidade). O primeiro
alcançou uma magnitude de 9,2 na Escala Richter. O segundo, inicialmente
registrou uma força de 8,6; mas esse dado foi posteriormente corrigido por
diversos institutos de medição (entre eles o Instituto de Pesquisa Geológica dos
Estados Unidos - USGS) para colossais 9,5. Como já se pode deduzir desse fato, a
medição de terremotos nem sempre é ciência exata, especialmente quando é preciso
interpretar valores registrados em regiões afastadas.
Independentemente de tudo, os dois abalos tiveram proporções descomunais. O
de 1960, não apenas provocou danos avassaladores em todo o litoral da América do
Sul. Também desencadeou uma monumental onda, que percorreu 10.000 km do Oceano
Pacífico, até finalmente se abater sobre o centro da cidade de Hilo, no Havaí.
Resultado: 500 edifícios foram danificados, 60 pessoas morreram. No longínquo
Japão e nas Filipinas, esses sucessivos tsunamis (a palavra vem do japonês e
significa literalmente onda do porto) fizeram ainda mais vítimas.
Muito pior e para muitos inesquecível - foi o "Tsunami Natalino", do dia 26
de dezembro de 2004, uma das maiores catástrofes naturais da História. A onda
gigante foi posta em movimento por um maremoto ocorrido no Oceano Índico, perto
da ilha de Sumatra, com magnitude 9,1; o terceiro maior abalo sísmico já
registrado. Pelo menos 231.000 pessoas, em oito países asiáticos, perderam a
vida. A onda avançou por milhares de quilômetros, até o leste e sudeste da
África, onde ainda matou mais pessoas.
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ONDAS MORTÍFERAS Nem só os terremotos provocam
estragos devastadores, como em L'Aquila, (Itália), onde no dia 9 de abril de
2009, quase 300 pessoas morreram. Ttremores submarinos podem gerar tsunamis
avassaladores. As duas fotos acima mostram o que as gigantescas ondas, em
dezembro de 2004, aprontaram em uma instalação hoteleira, na tailandesa Ilha
Phuket
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O TIPO MAIS FREQUENTE de
terremoto deriva do encontro de placas tectônicas, como aconteceu na Califórnia,
EUA, ao longo da Falha de San Andreas. A fricção entre as placas produz grande
tensão, até que ambas cedem com um movimento brusco. Em geral, quanto mais tempo
transcorrer entre dois terremotos, maior é a tensão acumulada e, portanto, a
probabilidade de um abalo de grandes proporções.
Isso é extremamente preocupante no caso de Tóquio. Bill McGuire, professor de
Vulcanologia do University College, de Londres, refere-se à capital japonesa com
"a cidade que está à espera da morte" (slogan que, certamente, não consta nos
folhetos turísticos). Tóquio situa-se sobre as linhas limítrofes entre três
placas tectônicas, e isso em um país que já é conhecido por seu inquieto subsolo
geológico.
Para os japoneses, 1995 é um ano de tristes lembranças. Nessa época a
metrópole de Kobe, a uns 500 km a oeste da capital, foi sacudida violentamente
por um terremoto de magnitude 7,2; no qual morreram 6.400 pessoas. Na época, os
danos foram avaliados em 99 bilhões de dólares. Mas esse desastre esmorece, se
comparado com a estimativa do perigo que espreita Tóquio.
No passado, a capital japonesa já foi palco, uma vez, de um dos mais
arrasadores abalos sísmicos da Era Moderna. No dia 10 de setembro de 1923, pouco
antes do meio--dia, a cidade foi atingida pelo chamado Grande Terremoto de
Kanto, 10 mil vez mais potente que o de Kobe. O número de vítimas chegou a
200.000 pessoas.
Desde então, reina na cidade uma calmaria quase fantasmagórica. Isso
significa que: abaixo da superfície, as tensões estão se acumulando há mais de
80 anos. E elas serão libertadas em algum momento.
Em 1923, Tóquio era uma cidade de 3 milhões de habitantes; hoje sua grande
área metropolitana abriga mais de 34 milhões. Ninguém se dá ao trabalho de
calcular o astronômico número de vítimas fatais em potencial; apenas os
possíveis danos econômicos já foram estimados, em até 7 trilhões de dólares.
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QUANDO O HOMEM PENETRA NAS PROFUNDEZAS "The
Big Hole", uma mina de diamantes 400 m abaixo da superfície terrestre, na
África do Sul, é considerado o buraco mais profundo criado pela mão humana
(embora exista uma instalação mais profunda ainda, também na África do Sul).
Provavelmente foi outra operação de mineração que causou a catástrofe, perto da
cidade de Surabaya, na Indonésia, em 2006. Após perfurações em busca de gás
natural, um vulcão de lama entrou em erupção. Até hoje, os rios de lama já
deixaram mais de 30 mil pessoas desabrigadas, e provocaram graves danos de
infraestrutura. Ninguém sabe como detê-lo. |
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MAIS PREOCUPANTES, por serem bem
menos conhecidos, apesar de possíveis de acontecer a qualquer hora, e em
qualquer lugar, são os raros terremotos que liberam sua energia no interior de
placas tectônicas individuais. Eles ocorrem longe dos limites das placas e, por
isso, são completamente imprevisíveis. Exemplo desse fenômeno foi a tristemente
famosa série de três abalos que sacudiu a cidade de New Madrid, em Missouri,
EUA, no inverno de 1811-1812.
Tudo começou no dia 16 de dezembro, pouco depois da meia-noite.
Inicialmente, os habitantes acordaram devido aos gritos de pânico dos
animais. O fato de animais ficarem nervosos antes de um terremoto não é um conto
da carochinha, mas uma realidade muito bem documentada, embora ninguém saiba,
exatamente, o verdadeiro motivo disso acontecer. Logo em seguida, ouviu-se um
violento ruído gorgolejante, que brotava das profundezas da Terra. As pessoas
abandonaram suas casas correndo, e testemunharam a horripilante cena de ver como
a terra se movimentava descontroladamente em ondas de até 1 m de altura.
Fissuras de vários metros se escancararam por toda parte no solo, e um terrível
e penetrante cheiro de enxofre espalhou-se pelo ar.
O terremoto durou 4 min e provocou uma devastação inimaginável. Entre os que
presenciaram o cataclismo, estava o famoso pintor de animais John James Audubon,
que se encontrava casualmente na região. Esse abalo sísmico se propagou com
tamanha violência, em todas as direções , que derrubou as chaminés na cidade de
Cincinnati, no Estado de Ohio, a 500 km de distância. E, de acordo com um
relato, "destruiu os navios nos portos na costa Leste e... até os andaimes que
haviam sido erguidos ao redor do Capitólio, em Washington, D.C.". Nos dias 23 de
janeiro e 4 de fevereiro houve dois tremores subsequentes, de magnitude
semelhante.
Desde então, tudo está quieto em New Madrid, o que não é de surpreender,
pois, até onde se sabe, episódios desse gênero nunca se verificaram duas vezes
no mesmo lugar. De acordo com os conhecimentos atuais, eles ocorrem tão
aleatoriamente como raios. O próximo abalo poderia acontecer embaixo de Chicago,
Paris ou Kinshasa. E qual seria a causa para perturbações tão terrivelmente
poderosas dentro de uma placa tectônica? Algum processo que ocorre dentro da
Terra, mais do que isso não se sabe.
NA DÉCADA DE 1960, os cientistas
estavam tão frustrados devido aos seus parcos conhecimentos sobre o interior da
Terra, que eles resolveram procurar algo fundamental. Sua ideia foi perfurar o
leito marinho (as crostas continentais lhes pareceram espessas demais) até o
ponto da Descontinuidade de Moho e, dessa forma, conseguir colher amostras do
manto terrestre, para um exame mais minucioso. Movia os pesquisadores o
convencimento de que era preciso aprofundar o conhecimento sobre os diversos
tipos de rochas existentes no interior do planeta. Só isso lhes permitiria
compreender ações e reações recíprocas. E, talvez, até desenvolver a capacidade
de prever terremotos e outros fenômenos naturais destrutivos.
Como era de se esperar, o projeto ficou conhecido pelo nome de Mohole
("Buraco de Moho"), mas acabou sendo um fiasco. O plano era enfiar uma
superbroca mais de 4000 m no fundo do Oceano Pacífico, defronte ao litoral do
México, e depois perfurar a camada rochosa da crosta, ali relativamente fina, de
5.000 m de espessura. Porém, como disse um pesquisador marinho, "perfurar o
leito marítimo, estando em um navio em alto mar, é igual a estar no último andar
do Empire State Building e, munido de um espaguete, tentar fazer um buraco na
calçada de Nova York".
Todas as tentativas acabaram frustradas. A penetração mais extensa não
ultrapassou 183 m, e o Mohole transformou-se em "No-hole" (sem buraco). Em 1966,
cansado dos crescentes gastos sem resultado, o Congresso norte-americano
finalmente cancelou o projeto.
QUATRO ANOS MAIS TARDE,
cientistas soviéticos decidiram tentar a sorte em terra firme. E, para isso,
escolheram um ponto na península de Kola, na Rússia, não longe da fronteira com
a Finlândia.
Quando se lançaram ao trabalho, eles tencionavam levar sua perfuração a uma
profundidade de 15 km. Isso provou ser surpreendentemente difícil, mas eles
foram de uma persistência louvável. Quando desistiram, 19 anos depois, os
pesquisadores russos haviam avançado 12.262 m dentro da Terra. Considerando-se
que a crosta terrestre compõe apenas 0,3 % do volume do nosso planeta, e que o
buraco na península de Kola não tinha penetrado nem um terço dessa crosta, era
impossível alegar que tivéssemos conquistado o interior do planeta.
O interessante é que apenas com esse buraco modesto, os cientistas já tiveram
toda espécie de surpresas. Com base em exames sísmicos, eles supunham que até
uma profundidade de 4.700 m suas perfurações encontrariam rochas sedimentares.
Nos 2.300 m seguintes esperava-se granito e depois basalto.
Quando finalmente atingiram a primeira meta, os cientistas constataram que a
camada de rocha sedimentar era 50% mais espessa que o previsto; a camada de
basalto jamais pode ser encontrada. Além disso, lá embaixo era muito mais quente
do que qualquer um poderia imaginar. A uma profundidade de 10.000 m, a
temperatura já era de 180º C, quase o dobro da que se estimava. E o mais
surpreendente: as rochas, nessa profundidade, estavam abarrotadas de água, algo
que ninguém teria achado possível.
Como não podemos olhar o interior da Terra, somos obrigados a nos servir de
outros métodos. Na maioria dos casos, isso significa a interpretação de ondas
que percorreram o planeta. Alguns conhecimentos sobre o manto terrestre se
originaram das chamadas chaminés de kimberlito, verdadeiras mensageiras
do submundo. Essas chaminés foram criadas conforme o magma passava por fraturas
profundas existentes na estrutura terrestre. O magma sobe e penetra por canais e
fissuras até finalmente chegar à superfície. Lá, essa pasta viscosa
incandescente encontra lençóis freáticos, e, depois disso, tudo acontece
incrivelmente rápido: a água se expande de forma monumental, e nesse processo
destrói a camada rochosa, como em uma grande explosão de dinamite. Em seguida, o
líquido evapora e lança os detritos violentamente ao ar.
Neste exato momento, enquanto o leitor lê essas linhas, uma chaminé de
kimberlito poderia explodir do chão a uma velocidade superior supersônica, bem
atrás de sua casa, mas a verdade é que nenhum ser humano jamais presenciou uma
erupção dessas.
As chaminés resfriadas e endurecidas podem ser depósitos de grandes riquezas,
pois, enquanto o material ascende, ele carrega consigo todos os tipos de
elementos que não se encontram normalmente na superfície, ou em proximidade
relativamente imediata. Exemplo disso é uma rocha ígnea denominada peridotito,
composta, sobretudo, por cristais de olivina e, vez por outra, diamantes,
encontrados em uma de cada 100 chaminés. O material que sobe por essas chaminés
percorre uma distância de, aproximadamente, 200 km. Uma dessas chaminés fez de
Johanesburgo, na África do Sul, a capital mundial da mineração de diamantes. Mas
é possível que existam outras, ainda maiores, que apenas não conhecemos ou
descobrimos. Ainda.
Os geólogos sabem que, em algum lugar no nordeste do estado norte-americano
de Indiana, existem pontos de referência para uma ou um grupo de chaminés de
proporções gigantescas. Em diversos lugares dessa região foram encontrados
diamantes de até 20 quilates, mas o local de origem até agora é um enigma. Como
escreve o autor de livros técnicos da área, John McPhee, essa chaminé (ou
chaminés) poderia estar enterrada embaixo de uma camada de detritos de geleiras,
como a cratera de Manson, em Iowa, ou estar localizada sob a região dos Grandes
Lagos.
Os técnicos concordam que o mundo sob os nossos pés é constituído de quatro
camadas: uma crosta externa de rochas, um manto de material rochoso e viscoso,
um núcleo externo líquido e um núcleo interno sólido. Sabemos que na superfície
predominam os silicatos, relativamente leves, característica que impede que os
apontemos como responsáveis, sozinhos, pela densidade total do planeta.
Conclui-se daí, que lá no interior deva existir algum material mais pesado.
Sabemos também que, em algum lugar no subterrâneo abissal deve existir um
cinturão de elementos metálicos líquidos, que cria o campo magnético da Terra.
Até esse ponto, os cientistas são unânimes. Tudo além disso, as ações recíprocas
entre as camadas, as causas de seus diferentes comportamentos e suas reações
futuras, está eivado de considerável incerteza. E, de um modo bem geral, essas
dúvidas são bastante extensas.
ATÉ MESMO ESSA ÚNICA PARTE que
podemos enxergar, a crosta, é objeto de acirrado debate. Em quase todos os
livros técnicos de Geologia pode-se verificar a afirmação de que abaixo dos
mares, a crosta continental teria entre 5 e 10 km de espessura; embaixo dos
próprios continentes, 40 km, e, debaixo das grandes cordilheiras, até 70 km. O
quadro geral está, contudo, permeado de oscilações misteriosas.
Sob a cordilheira norte-americana de Sierra Nevada, por exemplo, a crosta só
apresenta uma espessura entre 25 e 40 km, o por quê, ninguém sabe. De acordo com
as leis da Geofísica, essa cadeia montanhosa deveria, na realidade, afundar,
como se estivesse assentada sobre areia movediça (e alguns peritos de fato
acreditam que seja assim).
QUANTO À PERGUNTA como e quando a
Terra foi equipada com a crosta, os geólogos estão divididos em duas grandes
opiniões. Uns acreditam que a crosta tenha se formado subitamente, nos
primórdios da existência da Terra; consideram outros que ela surgiu muito mais
tarde, e aos poucos. Esses temas são altamente emotivos. No início da década de
1960, Richard Armstrong, da Universidade de Yale, formulou uma teoria sobre a
formação pré-histórica da crosta, e passou o resto de sua carreira brigando com
os defensores de opiniões divergentes. Armstrong morreu em 1991, de câncer. Mas
pouco antes de sucumbir "ele desfechou um polêmico e derradeiro golpe contra
seus críticos, em uma publicação geocientífica australiana, acusando-os de
'disseminar contos de fadas', afirma um artigo da revista Earth, de 1998. E um
colega comentou: "Ele morreu como um homem amargurado".
A crosta e uma parte do manto externo também são desiguinados em conjunto,
como litosfera (do grego lithos, 'pedra'). Ela "nada" sobre uma camada rochosa
menos rígida, a astenosfera (expressões gregas para 'sem força'), mas esses
conceitos nunca foram plenamente aceitos.
Quando se diz que a litosfera nada sobre a astenosfera, pensa-se, por
exemplo, no movimento oscilante de uma boia que, na realidade, não existe nessa
proporção. Igualmente enganoso é imaginar que rochas possam fluir tão
rapidamente como conhecidamente outros materiais na superfície terrestre. O
ponteiro das horas de um relógio movimenta- se cerca de 10 mil vezes mais rápido
que a camada rochosa "líquida" do manto terrestre.
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SUBTERRÂNEO FRATURADO Dezenas de milhares de
pessoas morreram, em dezembro de 2004, quando a cidade-oásis de Bam, de 2000
anos de idade, no sudeste do Irã, foi destruída por um terremoto que atingiu 6,6
na Escala Richter. O maior edifício de tijolos de barro do mundo, também ruiu.
Diversas falhas na camada rochosa da crosta terrestre dividiram o planalto e as
cordilheiras do país. Bam fica diretamente sobre uma dessas zonas de
fratura |
E ESSES MOVIMENTOS não ocorrem
apenas em direção lateral, no sentido em que as placas da crosta terrestre
derivam sobre a superfície, mas também se manifestam verticalmente, tanto para
cima como para baixo. As rochas sobem e descem sob a influência de um movimento
de revolução, denominado processo de convecção. A conclusão de que esses
movimentos de reviravolta devem existir foi anunciada pela primeira vez no final
do século XVIII, pelo excêntrico físico anglo-americano, conde Von Rumford.
Pouco mais de meio século depois, um reverendo e geólogo inglês, chamado Osmond
Fisher, externou a suspeita de que o interior da Terra poderia ser líquido, e
que seu conteúdo se movia para lá e para cá. Mas até que essa ideia encontrasse
mais adeptos, ainda se passaria muito tempo.
Por volta de 1970, quando os geofísicos finalmente compreenderam o porte
descomunal desses movimentos de revolução que se desenrolam lá embaixo, houve um
choque no mundo científico. Em seu Naked Earth: The New Geophysics
(Terra Nua: a Nova Geofísica), Shawna Vogel escreveu: "Foi como se os
cientistas tivessem passado séculos delimitando entre si as camadas da atmosfera
terrestre troposfera, estratosfera e assim por diante, para então constatarem,
subitamente, que também existe uma coisa como o vento".
A PROFUNDIDADE A QUE CHEGA o
processo de convecção ainda é debatido. Na opinião de alguns peritos, ela começa
algumas centenas de quilômetros abaixo da superfície; outros falam em 3 mil km.
Por isso, só se pode afirmar uma coisa com certeza: quando avançamos rumo ao
centro da Terra, em algum lugar incerto saímos da astenosfera e penetramos o
manto terrestre propriamente dito.
Em vista do fato de que o manto constitui 82% do volume da Terra e 65% de sua
massa, ele ainda atrai sobre si relativamente pouca atenção. Especialmente
porque os processos pelos quais cientistas e leigos se interessam, provavelmente
ocorrem nas grandes profundezas, como o magnetismo, ou mais perto da superfície,
como os terremotos. Sabemos que até uma profundidade de 160 km, o manto é
primordialmente constituído de uma rocha ígnea, chamada peridotito. Mas acerca
do material que existe além dessa esfera, o que reina é a incerteza. Em todo
caso, de acordo com um artigo publicado na revista científica Nature,
aparentemente não se trata de peridotito. Não se sabe muito além disso.
EMBAIXO DO MANTO encontram-se as
duas camadas do núcleo: o interno, sólido, e o externo, líquido. Como é fácil
imaginar, dispomos apenas de conhecimentos indiretos, embora, sobre isso, seja
possível fazer algumas suposições razoáveis. Sabe-se, por exemplo, que no centro
da Terra existe uma pressão tão fenomenalmente enorme, cerca de três milhões de
vezes superior à da superfície, que, inquestionavelmente, qualquer rocha ali se
solidifica.
Além disso, pode-se deduzir, a partir da história da formação terrestre
(entre outros indícios), que o núcleo interno retém muito bem o seu calor.
Embora seja apenas uma suposição, acredita-se que, no decorrer de quatro bilhões
de anos, a temperatura no núcleo diminuiu apenas 100 ºC. Mas a verdade é que
ninguém sabe exatamente qual é a temperatura no centro do planeta. As
estimativas vão de 3.900 a 7.200 ºC, o que seria aproximadamente tão quente
quanto a superfície do Sol.
Em muitos aspectos, sabe-se menos ainda sobre o núcleo externo, mas existe
unanimidade quanto ao seu estado líquido, e também quanto à tese de que é aqui
que o campo magnético da Terra tem origem.
Em 1949, o geofísico britânico Edward Crisp Bullard, da Universidade de
Cambridge, na Inglaterra, propôs a teoria de que essa parte líquida do núcleo
teria um tipo especial de rotação. Tal movimento a transformaria em uma espécie
de dínamo, que gera o campo magnético. De acordo com essa noção, as substâncias
líquidas no interior da Terra, que se movem por convecção, se comportariam, de
certo modo, como a propagação da eletricidade em um fio. O que ocorre em
detalhes nesse processo não se sabe, mas existe uma relativa certeza: ele está
vinculado à rotação do núcleo terrestre em seu estado líquido. Corpos celestes,
que não possuem um núcleo líquido, como a Lua e Marte, simplesmente não têm um
campo magnético, ou têm um extremamente fraco.
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SABE-SE TAMBÉM que a força do
campo magnético é mutável: na época dos dinossauros, ela era três vezes maior
que hoje. Além disso, os cientistas acreditam que a sua direção mude,
aproximadamente, a cada 500 mil anos e só o que não podemos afastar desses
cálculos é uma grande margem de imprevisibilidade. Isso porque a última mudança
de direção teria ocorrido há cerca de 750 mil anos.
Às vezes, a orientação do campo magnético permanece estável durante alguns
milhões de anos, a mais longa dessas fases aparentemente estendeu-se por 37
milhões de anos. Em outros períodos ela se alterou após somente 20 mil anos. Ao
todo, ocorreram cerca de 200 mudanças do gênero nos últimos 100 milhões de anos.
No que diz respeito às causas dessas mudanças, não temos nem ao menos uma
suspeita razoável. Tanto que o fenômeno já foi designado como "a maior pergunta
não respondida das ciências geofísicas".
É possível que estejamos passando exatamente agora por uma alteração dessas.
Nos últimos 100 anos, o campo magnético da Terra já enfraqueceu até 6%. Qualquer
redução desse gênero provavelmente é algo negativo, pois o magnetismo não apenas
faz com que as agulhas das bússolas apontem na direção correta, ele também é
vital para a nossa existência. No espaço sideral existe uma grande quantidade de
radiações cósmicas altamente prejudiciais. Sem a proteção magnética, elas
atravessariam os nossos corpos, tornando ilegíveis grandes parcelas das
informações de nossos DNAs.
Enquanto o campo magnético funcionar, ele mantém as radiações a uma distância
segura da superfície terrestre, prendendo-as nos chamados Cinturões de
Van-Allen, duas zonas no espaço pouco distantes do nosso planeta. Quando apesar
de tudo elas conseguem chegar na atmosfera, seu contacto com partículas das
camadas superiores gera uma reação que produz fenômenos encantadores no céu
noturno - aqueles que conhecemos pelo nome de auroras polares (austral e
boreal).
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O PRÓXIMO TERREMOTO Ccientistas não conseguem
prever quando a Tterra voltará a treme novamente. Mas eles sabem quais regiões
são especialmente ameaçadas - e ali podem ser tomadas algumas medidas de
precaução. Em Ttóquio, as crianças aprendem na escola, através de um simulador
de terremotos móvel, onde se proteger dentro de casa, por exemplo, embaixo de
uma mesa. Ttécnicas de construção resistentes a abalos (aqui uma instalação de
teste, no laboratório de pesquisas da Universidade de Buffalo, EUA) permitem
reduzir drasticamente o número de vítimas |
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Fascinado pelas monumentais forças primitivas no
interior da Terra, o escritor bestseller Bill Bryson empreendeu uma jornada
leiga pelo reino das Ciências Naturais. Seu livro Breve História de Quase Tudo
foi publicado no Brasil, em 2005, pela Editora Companhia das
Letras.
Reportagem da Revista GEO, edição 9, Editora Escala.