quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Por que as vacas e outros ruminantes produzem metano?



Fotógrafo: Igor Terekhov |
Agência: Dreamstime.com
Gás metano causa mais danos do que o dióxido de carbono.

Com o desenvolvimento da agricultura em larga escala, em meados do século 20, a lavoura tornou-se um grande negócio para muitas empresas. As terras ficaram consolidadas em grandes empreendimentos com muitos milhares de animais espalhados em uma grande quantidade de acres.

Inicialmente, as áreas de pasto foram preenchidas com uma variedade de grama e flores que cresciam naturalmente, oferecendo uma dieta diversificada para vacas e outros ruminantes. No entanto, para aperfeiçoar a eficiência da alimentação do gado, muitas dessas pastagens foram replantadas com azevém perene (em inglês). Com a ajuda de fertilizantes artificiais, o azevém perene cresce rapidamente e em enormes quantidades. Sua desvantagem é que ele não oferece o teor nutritivo de outras gramas e evita que outras plantas nutritivas possam se desenvolver. Um comentarista a apelidou de "fast food" das gramas [Fonte: Guardian%20Unlimited" (site em inglês) >Guardian Unlimited].

Essa simples dieta permite que muitas vacas sejam alimentadas, mas isso inibe a digestão. Uma dieta com azevém perene resulta também em uma quantidade significativa de vacas fracas e inférteis que têm de ser abatidas precocemente. É aqui que entra o metano. A grama difícil de ser digerida fermenta nos estômagos das vacas onde interage com micróbios e produz gás. Os detalhes exatos do processo ainda estão sendo estudados e mais informações podem fazer com que os cientistas consigam reduzir a produção de metano das vacas.


Um estudo da Universidade de Bristol comparou três tipos de pastos cultivados naturalmente com pastos de azevém cultivado com fertilizantes químicos. Carneiros foram alimentados com cada tipo de pastagem. A carne dos carneiros alimentados com pasto natural tinha menos gordura saturada (em inglês), mais ácidos graxos omega-3 (em inglês), mais vitamina E (em inglês) e níveis mais altos de ácido linoleico conjugado (CLA), uma "gordura benigna" que acredita-se que combata o câncer. A carne desses carneiros foi considerada de qualidade bastante alta e com boa pontuação nos testes de degustação.


Devido à preocupação com as dietas dos ruminantes, muitos pesquisadores estão investigando modos de alterar o que esses animais comem e misturar o melhor dos velhos pastos de gado - gramas e plantas diversificadas, de crescimento natural e ricas em nutrientes - com o melhor das novas - espécies de crescimento rápido e resistentes a pragas hostis. Uma possibilidade é aumentar a capacidade de plantas e flores benéficas, ricas em nutrientes, de crescerem juntamente com gramas de crescimento rápido geralmente usadas nos pastos. Uma outra linha de pesquisa se concentra em plantas que possuam um alto teor de tanino, o qual acredita-se que possa diminuir os níveis de metano em ruminantes e elevar a produção de leite, embora níveis excessivos de taninos possam ser danosos para o crescimento do ruminante.

Um estudo realizado por pesquisadores da Nova Zelândia recomenda o uso de plantas como o cornichão, que têm alto teor de ácido alfa linoleico, o que eleva os níveis de CLA. Plantar legumes e plantas geneticamente preparadas para captar o nitrogênio do ar também intensificará os níveis de nitrogênio do solo, o que é importante para um solo mais rico e plantas mais saudáveis.

Imagem cedida por Alden Pellett/Associated Press
Alguns produtores de laticínios usam sistemas de processamento para colher metano do estrume da vaca.
A energia é usada para movimentar a fazenda enquanto que o excesso é freqüentemente vendido para a rede elétrica local.
Os que acreditam em pastos com espécies misturadas e de crescimento natural, dizem que sua utilização reduzirá os gases estufa, aperfeiçoará a saúde do animal e a qualidade da carne, e reduzirá o uso de fertilizantes artificiais. Tentativas como pílulas para reduzir o metano ou a adição de alho podem ser apenas medidas temporárias que não conseguem resolver alguns dos principais problemas do gado, especialmente a poluição do ar e do solo, desmatamento das florestas, a produção de animais frágeis que deverão ser separados mais tarde e o uso de esteróides e fertilizantes artificiais.
Uma outra possibilidade é capturar o gás metano e usá-lo como energia ou vendê-lo para a rede elétrica. Alguns produtores também extraem metano de resíduos do gado, mas isso não resolve o maior problema do metano que é expelido. Utilizar esse metano significaria capturá-lo no ar, talvez confinando o gado em ambiente fechado ou provendo os animais com focinheiras especiais para que possam inibir a alimentação.

Maior estudo independente já feito confirma aquecimento do planeta
A maior revisão de dados históricos de temperatura já feita até hoje revelou que os mais importantes argumentos usados pelos chamados céticos do clima, os maiores críticos do aquecimento global, não alteram o fato de que o mundo está, mesmo, ficando mais quente.
Cientistas da Universidade da Califórnia, Berkeley, investigaram vários tópicos que, segundo os céticos, alterariam o quadro final que aponta para o aquecimento do planeta. E descobriram que nenhum dos dados tem um efeito significativo na conclusão geral de aumento de temperaturas.
Os cientistas do Projeto Terra compilaram mais de um bilhão de registros de temperatura desde 1800, de 15 fontes diferentes em diversos pontos do mundo, e concluíram que, em média, a temperatura em terra aumentou 1 grau Celsius desde meados dos anos 50.
O número bate com as estimativas sobre aquecimento global a que já tinham chegado os principais grupos que estudam o assunto, como os da Nasa, da Administração Nacional de Atmosfera e Oceanos dos EUA (NOAA, na sigla em inglês) e o Met Office, no Reino Unido.
Jornal O Globo


Encontrado mecanismo que ativa supererupções vulcânicas

Uma supererupção vulcânica acontece na Terra a cada 100 mil anos em média e pode ser uma das maiores catástrofes naturais do planeta, perdendo apenas para o choque de um asteroide de grandes proporções. Os mecanismos que levam um sistema vulcânico aparentemente pouco ativo a uma explosão desta magnitude, no entanto, ainda são pouco compreendidos pelos cientistas.
Agora, no entanto, pesquisadores da Universidade de Oregon, nos EUA, apontam uma combinação da temperatura e do formato da câmara de magma como receita para a possível ocorrência destas supererupções. Segundo Patricia "Trish" Gregg, principal autora da pesquisa, a criação de um anel de rochas em torno da câmara de magma permite que a pressão se acumule por milhares de anos, resultando em uma elevação do teto sobre ela. Eventualmente, falhas no terreno acima entram em colapso e desencadeiam a erupção.
- Você pode comparar isso a rachaduras na casca de um pão enquanto ele infla - diz ela, que apresentou seu modelo esta semana durante reunião anual da Sociedade Americana de Geologia. - A medida que a pressão na câmara da magma aumenta, aparecem rachaduras na superfície para acomodar a expansão, eventualmente se propagando para baixo até a câmara. No caso de vulcões muito grandes, quando as rachaduras penetram fundo o bastante, elas rompem a câmara de magma, o teto dela entra em colapso e ocorre a erupção.
As erupções de super-vulcões podem levar a grandes alterações climáticas, dando início a idades do gelo e outros impactos. Um caso foi a de Huckleberry Ridge, no que é hoje o Parque de Yellowstone, nos EUA, a cerca de 2 milhões de anos, mais de 2 mil vezes mais poderosa que a erupção do Monte Santa Helena em 1980.
- Com exceção do impacto de um meteoro, essas supererupções são a maior ameaça ambiental que nosso planeta pode enfrentar - afirma. - Enormes quantidades de material são expelidas, devastando o meio ambiente e criando uma nuvem de gás e poeira que pode cobrir o globo por muitos anos.


Jornal O Globo

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Para onde vai Cuba?

Para onde vai Cuba?

Único país socialista das Américas, à deriva no mundo, sem acesso à internet, Cuba fez do turismo sua tábua de salvação, mas isso já não basta. O governo quer implantar uma economia de mercado, demitir 500 mil funcionários e acabar com a Libreta de Abastecimiento, a caderneta que raciona a alimentação subsidiada dos cubanos desde 1962. É hora de mudança na ilha revolucionária

Texto e fotos: Silvia e Heitor Reali, de Havana

O tempo está suspenso em Havana, onde todos aguardam as reformas que serão anunciadas, em abril, no congresso do Partido Comunista. Tudo indica que será referendado o plano do presidente Raúl Castro para reestruturar a economia ineficiente mediante a demissão de 500 mil funcionários públicos, a abertura de pequenos negócios privados em 178 atividades, a abolição da Libreta de Abastecimiento e a libertação de dezenas de prisioneiros políticos. Os ares são de mudança. Há ansiedade na ilha. Uma visita a Cuba revela mais nuvens escuras no horizonte do que mar azul, ritmos caribenhos e sonhos revolucionários.

A Libreta de Abastecimiento em ação numa venda em Havana. Embaixo, os táxis-cocos. Na página oposta, operária de fábrica de charutos.

"Como se pode viver com um salário médio de US$ 20 ao mês (R$ 32)?", dispara Ivone T., uma jovem estudante de medicina, em Havana. Apesar das conquistas socialistas na educação e na saúde públicas, nos últimos anos a penúria cresceu de tal forma que hoje quase toda a renda familiar cubana é dedicada à alimentação racionada pelas cotas mensais de gêneros registradas na Libreta. A caderneta é um documento fundamental da vida cubana, mas as rações mensais só garantem 12 dias de comida. Para complementar a dieta, só há uma saída: "Vire-se." Para Ivone, a ilha caiu na armadilha da esperança fantasiosa. "Acreditamos muito em mañana, no futuro que justificaria os sacrifícios do dia a dia, e só nos restou a sobrevivência", afirma. Uma jornada por onde pulsa o coração de Havana, longe dos roteiros turísticos, revela feridas na alma cubana.

Cereja de bolo

O táxi-coco, uma espécie de lambreta com três rodas e teto, próprio para transportar turistas, é o veículo ideal para percorrer a capital. A viatura roda a 40 quilômetros por hora, permitindo observar os detalhes arquitetônicos, sentir a brisa e o aroma da maresia. É bom ver tudo de perto. Um roteiro alternativo ao turismo oficial poderia começar pela zona tranquila e silenciosa do Parque Metropolitano, no lado oposto à Havana Vieja. Banhada pelo Rio Almendares, a área abriga uma vegetação de hera que sobe pelas árvores, se espalha pelos galhos, criando verdadeiros mantos verdes. É fácil pressentir "entidades" misteriosas no cenário, pois o Parque Metropolitano é o palco de rituais da santeria, a umbanda cubana, cultuadora de Santa Bárbara, São Judas e a Virgem da Caridade do Cobre, a padroeira de Havana (Oxum, nos cultos sincretistas).

Quase toda a renda familiar cubana é gasta com a alimentação racionada pelas cotas de produtos da Libreta de abastecimiento

Daniel C. é motorista de um desses táxis-cocos. Vivaz, inteligente, rápido nas respostas, ao nos aproximarmos dos bairros de Kholy, Miramar e Siboney, onde vivem os militares, os políticos e El Comandante Fidel, avisa de forma categórica: "Não fotografem nada daqui para a frente, senão vamos passar oito horas desagradáveis na polícia." Ao entrarmos no bairro de Vedado, antigo reduto dos cubanos ricos que fugiram ao se deflagrar a revolução, lembramo-nos de uma passagem do livro Memórias da Filha de Fidel, escrito por Alina Castro, a filha ilegítima de El Comandante, hoje dissidente em Miami. Alina conta que havia dólares emparedados em muitas casas, pois os moradores imaginavam voltar assim que o regime caísse. Várias foram demolidas, mas não se encontrou nenhum money.


Sacada de hotel em Havana. Embaixo, um dos inúmeros músicos de rua. Acima, as montanhas de calcário do Vale dos Vinales, o terroir das melhores plantações de fumo do mundo.


Saindo dos bairros chiques o asfalto desaparece e surgem casas simples, com pequenos jardins. Não há cachorros. "A comida não dá nem para nós", ironiza Daniel. Com o anunciado fim da Libreta de Abastecimiento a insegurança aumentou na ilha. Não se sabe como será feita a parca distribuição de alimentos. Sem a Libreta, restam as bancas e mercadinhos com nomes sugestivos como La Fortuna, La Generosa, La Speranza, que quase não têm o que oferecer, e as lojas especiais reservadas aos turistas e a quem paga o peso conversible (igual ao dólar), devidamente abastecidas de produtos importados. Só quem recebe dinheiro de parentes no exterior pode encarar esses gastos, ou quem exerce atividades ilegais. Um quilo de carne de porco custa 27 pesos no mercado privado.

A paisagem continua a mudar e o ar torna-se poluído, tomado pela fumaça de ônibus em estado lastimável. Os raros táxis-cocos que passam pela periferia transitam sob o olhar desconfiadíssimo dos moradores. Aqui, as oficinas mecânicas são capazes de restaurar um Chevrolet 1949 como se fosse uma obra de arte. Daniel para na casa do irmão, que nos prepara um forte, aromático e encorpado café cubano. Percebemos casas em lenta construção, em geral dependentes do dinheiro enviado por familiares na Flórida, ímã dos que preferem enfrentar peripécias no mar, equilibrados em um pneu de trator, chutando tubarões, a ficar na ilha. A propósito, para reconhecer as mudanças positivas em curso, em janeiro o presidente Barack Obama, dos Estados Unidos, facilitou a licença para qualquer residente enviar remessas trimestrais de US$ 500 a Cuba.

Após um banquete de simpatia e de cultura sem censura, no final da excursão o visitante não deve se surpreender nem se decepcionar se alguém lhe oferecer sem constrangimento "a cereja do bolo". "Qual é?", perguntamos ingenuamente. "Depende. É cara, porque embolso 30%", admite Daniel, sem rodeio. "A escolha é sua: uma bela jovem ou um rapaz sarado. To have fun, entiendes?" Na surpresa se aprende que a "cereja do bolo" não é malandragem, é puro desespero de causa - questão de sobrevivência.

É a quarta vez que visitamos Cuba. Conhecemos seus extremos e paradoxos, da harmonia ao caos. Percorremos a ilha de ponta a ponta, de Vuelta Abajo, no extremo oeste, a Santiago de Cuba, na ponta leste. Em Vuelta vimos o Vale de Vinãles, berço das plantações de tabaco envolvidas pelas mongotes, montanhas calcárias iguais às do Vietnã, que sustentam um solo e uma umidade únicos - o terroir, como dizem os aficionados. Elas contribuem para a excepcional qualidade das folhas responsáveis pelos melhores charutos do mundo. Santiago faz limite com a Sierra Maestra, local de decisivas batalhas da revolução cubana. Conhecemos também a cidade de Santa Clara, onde está o monumento dedicado a Che Guevara.

Os mecânicos cubanos são capazer de restaurar um Chevrolet 1949 como se fosse uma obra de arte. Na página ao lado, acima, a joia barroca da Praça da Catedral, em Havana; abaixo, um pouco da musicalidade dos cubanos.


Já passamos por Sancti Spiritus e Cienfuegos - fundada por franceses - e pela histórica e bela Trinidad. Visitamos Camaguey, Holguin e Matanzas, terra natal da abastada família de Andy Garcia, que emigrou para os EUA e virou astro de cinema. Garcia apareceu em público vestindo uma guayabera, a tradicional camisa cubana de linho, com pregas verticais e quatro bolsos, usada para fora da calça, e converteu-a em peça cult. Mergulhamos entre peixes coloridos de baías transparentes e, por supuesto, regalamo-nos com o legendário rum dos divinos mojitos - a caipirinha cubana feita com limão e hortelã. Na famosa praia de Varadero sentimos a fúria dos furacões que em setembro atormentam a ilha.

Dessa vez, entretanto, há outros tormentos. As feridas estão expostas num passeio a pé por Havana. A escassez de bens de consumo obriga as pessoas, cada vez mais, a importunar os turistas para adquirir jeans, camisetas, tênis, xampus e assim por diante. Cansamos de ser abordados por http://www.blogger.com/img/blank.gif alguém "boa-pinta", muy simpático, muy amigo, que oferece charutos puros e rum produzido em fundo de quintal - ou se prostitui. No mercado negro circulam até produtos furtados nos hotéis. Isso sem contar os músicos passando chapéu. "Entonces, usted yá ès cubana", diz Esteban, um desempregado com quem puxamos conversa na Praça do Teatro, "Usted siente y conosce el país mucho más que los cubanos". Não é verdade. Cuba barroca, surreal e miserável é tão vibrante quanto indecifrável.


As ruas de Havana parecem as de Salvador, na Bahia, congeladas em 1950. Abaixo, a vida de rei dos turistas na Praia de Varadero. Na página oposta, os famosos cortiços de Havana, nos quais não há energia elétrica na maior parte do dia.

Vocação natural

Não é de hoje que os turistas afluem. Depois de 1898, quando os EUA apoiaram a independência do país da Espanha, os norte-americanos entraram com os dois pés na ilha e a converteram em seu quintal. Reflexo dessa situação, o beisebol acabou eleito o esporte preferido dos cubanos. Com a revolução de 1959, a elite cubana, proprietária de engenhos e de fábricas de rum, abandonou os palacetes à beira-mar. A revolução restaurou a dignidade do país e abriu as portas para uma multidão que subdividiu quartos, seccionou andares, repartiu sacadas, fechou varandas, emendou "puxadinhos", improvisou paredes e implantou todo tipo de rede de "gatos". Assim sugiram as quarterias, os cortiços que se veem por toda parte em estado lastimável. Democratizaram a miséria, mas não socializaram a riqueza.

Em 1990, depois do fim dos tratados econômicos anulados pelo colapso da ex-União Soviética, Fidel converteu o turismo em tábua de salvação. Há motivos de sobra para a ilha ser uma nova Cancún e muito mais, sobretudo no litoral dos cayos de ensueño, no norte, com suas ilhas e ilhotas coralinas bordejadas por uma areia que parece feita do mais puro alabastro moído. Há também a atração das construções em estilo colonial espanhol que durante séculos foram se "acriolando" até se tornarem cubanas.

Pode-se ler Cuba como uma partitura: uma batida afro mesclada ao flamenco espanhol e à contredance francesa

A arquitetura de Havana Vieja ocupa um lugar de destaque. Realmente, não há nada igual nas Américas. Há números que justificam a afirmação: são 40 quadras com 150 edificações dos séculos 16 e 17, 200 do século 18 e 460 do século 19. Nesse leque não estão incluídos interessantes templos, fortalezas e vilas em estilo liberty.

Em pleno centro histórico ergue-se a Praça da Catedral, datada de 1770, rodeada por palácios como o dos Marqueses de Arcos, do conde Lombillo e dos Marqueses de Águas Claras. A igreja é de uma beleza barroca transbordante. Todo o complexo arquitetônico vem sendo caprichosamente restaurado pela Oficina del Historiador, capitaneada pelo historiador Eusebio Leal, desde 1967. Leal sabe que, além de ser o motor do turismo, a arquitetura é preciosa para a alma de Havana.

Os colonizadores espanhóis construíam palacetes, solares, templos e edifícios públicos com a pedra calicia, um coral retirado do mar. Porosa, ela guarda madrepérolas incrustadas, o que explica o misterioso cintilar das paredes à luz do sol no centro histórico - um efeito singular. Para driblar o calor e a luminosidade, as janelas ganharam vitrais coloridos e os pátios internos, refrescantes fontes. Não à toa que, em 1982, o centro histórico foi declarado Patrimônio da Humanidade pela Unesco.

Outra peculiaridade, hipnótica, é a música. É impossível não sentir inveja e admiração pela ginga e o requebro das mulheres e homens que rodopiam com o mambo, a rumba, o bolero, o chá-chá-chá, o danzón, a guajira e o guaguancó. Na vitalidade da dança, nas ruas, nos salões, cabarés ou teatros, está uma das essências da cubanidad. Pode-se ler Cuba como se lê uma partitura: uma pulsação da matriz afro, regida pelos tambores de Xangô, mesclada ao flamenco espanhol e à contredance trazida pelos latifundiários franceses, fugidos do Haiti. A música e a dança nutrem a alma do povo, já que o corpo mal se mantém. Elas garantem a alegria de viver e permitem aos cubanos fabricar outra realidade, uma vez que não conseguem conhecer o próprio país.

Sabe usted por que? Porque viajar é um privilégio inacessível. Está reservado aos gringos. A não ser que se trabalhe como guia de viagem, garçom, camareira ou cozinheira. Em todo lugar ouve-se a ladainha: "el cubano no está autorizado... no se puede... no passe..." Parece haver entusiasmo apenas nos empregos dos setores dolarizados da economia. Mas isso não é compartilhado. Faltam possibilidades de desenvolvimento para as cidades do interior e as praias também ganharem com o turismo.

Após 20 anos de reinado absoluto, o turismo não salvou a Revolução e o futuro tornou-se mais sombrio. Como os cubanos receberão as reformas e as demissões em massa num país onde mais de 90% das pessoas são funcionários do Estado? Nem a entrega de terras ociosas, nem as novas propostas ao congresso do PC, ou mesmo a libertação de presos políticos, diminuem as filas em frente às embaixadas para aqueles que se recusam a deixar a vida em compasso de espera. Uma frase da blogueira Yoani Sánchez - que no ano passado foi impedida de vir ao Brasil para o lançamento de seu livro De Cuba, com Carinho - resume tudo: "As reformas de Raúl estão sendo vistas com tanta falta de entusiasmo que não convencem nem os compatriotas a ficar na ilha."

Revista Planeta