quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Pangeia, o retorno. De volta ao futuro???

Pangéia, o retorno
A ciência já sabe: daqui a 250 milhões de anos, a cara do nosso planeta será bem parecida com uma fotografia do passado distante. Bem-vindo ao próximo supercontinente
CAROLINE WILLIAMS E TED NIELD


Você embarcou em sua máquina do tempo. Para o futuro, 250 milhões de anos adiante. A Terra está viva e bem. Os humanos há muito pereceram, mas o planeta continua a ser o lar de formas de vida desconcertantes. Com exceção de alguns poucos fósseis misteriosos, não há nenhuma evidência de que um dia existimos. Para alguém que viveu no século 21, como eu e você, a Terra é quase irreconhecível. Os continentes estão unidos em uma única e gigantesca massa cercada por um oceano global. A maior parte do solo seco é um deserto hostil, enquanto a costa é atacada por tempestades ferozes. Os oceanos são turbulentos na superfície, estagnados nas profundezas e constantemente famintos por oxigênio e nutrientes. Doenças, guerras e colisões de asteróides levaram humanos e muitas outras espécies do passado à extinção. Pronto, voltemos ao presente.

Esse supercontinente do futuro não é o primeiro e não será o último. Geólogos suspeitam que o movimento das massas de terra em nosso planeta é cíclico e que a cada 500 ou 700 milhões de anos elas se juntam. Esse ciclo é três vezes mais longo do que o tempo gasto pelo nosso Sistema Solar para orbitar o centro da galáxia. Isto posto, resta saber o que rege esse fenômeno, e como a vida será na próxima vez que os continentes se encontrarem.

Os continentes se movem graças à circulação do manto terrestre sob as sete grandes placas tectônicas. Quando elas se encontram, uma placa é forçada a ficar sob a outra, em um processo chamado subducção. Ele separa a crosta do outro lado da placa, permitindo que novas camadas de magma cheguem à superfície para preencher a lacuna. Esse processo faz com que a crosta oceânica seja constantemente criada e destruída. Como os continentes são feitos de rocha menos densa do que aquela mais pesada e mais fina da crosta oceânica, que forma o chão marinho, eles passam acima do manto e escapam da subducção.

Como resultado de tudo isso, os continentes mantêm sua forma por centenas de milhões de anos enquanto deslizam vagarosamente pelo planeta. Entretanto, as massas de terra acima da água do mar colidem sempre. E, às vezes, juntam-se para formar um supercontinente.

O mais recente e célebre deles, Pangéia, foi formado há 300 milhões de anos e sucumbiu 100 milhões de anos depois, quando os dinossauros surgiram. Cerca de 1,1 bilhão de anos atrás, outro supercontinente, Rodínia, formou-se e fragmentou-se 250 milhões de anos depois. Com toda certeza, eles não foram os únicos - a lista inclui Pannotia, Columbia (ou Nuna), Kenorland e Ur (veja "Passado e futuro dos supercontinentes"). O problema é que ninguém sabe ao certo quantos deles existiram porque a formação de um supercontinente tende a destruir evidências de seu antecessor. Se há um ponto sobre o qual todos concordam é que existiram dois deles contendo toda, ou quase isso, a terra do planeta: Pangéia e Rodínia.

MAPAS-MÚNDI
Há 250 milhões de anos, havia Pangéia, um supercontinente que cobria o globo de norte a sul. Daqui a outros 250 milhões de anos, os continentes se juntarão mais uma vez. Eis três hipóteses a respeito do futuro de nosso planeta.


No meio do caminho
Neste exato momento, vivemos a metade de um ciclo. O Oceano Pacífico está gradualmente se fechando, a crosta oceânica afunda nas zonas de subducção do Pacífico Norte, um sulco do Atlântico Central está alimentando novo solo marinho e as Américas separam-se cada vez mais da Europa e da África. Por falar em África, o continente está se movendo para o norte, em direção ao sul da Europa. A Oceania também caminha para o norte, rumo ao Sudeste Asiático. Os continentes movem-se cerca de 15 milímetros por ano, velocidade similar ao crescimento das unhas de um ser humano.

Adiante o relógio em algum ponto entre 50 e 100 milhões de anos e será fácil ter uma idéia básica de como tudo será. Se olharmos ainda mais para o futuro, descobriremos que as mudanças não se resumem ao movimento contínuo dos continentes. Christopher Scotese, da Universidade do Texas, em Arlington, compara o problema a dirigir em uma estrada. "Você pode ter um palpite de onde estará em 5 ou 10 minutos, mas sempre há acidentes. As pessoas mudam de faixas ou a estrada pode ter um desvio inesperado. Se algo assim acontecer, você terá de fazer uma escolha." Há duas maneiras de os continentes como os conhecemos se juntarem. Se o Oceano Atlântico continuar a se expandir, as Américas em algum momento irão trombar com a Ásia. Por outro lado, uma zona de subducção pode se abrir no Atlântico e trazer o solo marinho de volta, forçando a Europa e a América a ficarem juntas novamente. Isso, essencialmente, recriaria a Pangéia.

Em 1992, o geólogo Chris Hatnady, da Universidade da Cidade do Cabo (África do Sul), aceitou o desafio de projetar o próximo supercontinente. Segundo ele, enquanto o Atlântico continua a aumentar, "as Américas seguem em sentido horário, ao redor de um eixo a noroeste da Sibéria, parecendo destinadas a juntar-se com a margem leste do futuro supercontinente", o qual é chamado de Amásia pelo geólogo Paul Hoffman, da Universidade de Harvard (EUA). Nessa visão do futuro, a Oceania continuará seu caminho para o norte, e a África ficará mais ou menos no mesmo lugar. Enquanto isso, a Antártica permanecerá no Pólo Sul. "Ela não está ligada a nenhuma zona de subducção. Portanto, não existe razão para qualquer movimento", afirma Hoffman.

Roy Livermore, da Universidade de Cambridge (Inglaterra), chegou a conclusão parecida. No fim dos anos 1990, ele criou sua própria versão de Amásia, um futuro supercontinente que chamou de Novopangéia. "Tomei a liberdade de abrir uma nova fenda entre o Oceano Índico e o Atlântico Norte", diz. "Sabemos que a Grande Fenda [complexo de falhas tectônicas na costa da África] é ativo, então o projetamos abrindo um pequeno oceano no futuro. A África oriental e a ilha de Madagáscar movem-se através do Oceano Índico para colidir com a Ásia. A Oceania já teria colidido com o sudeste da Ásia." Além disso, uma cadeia de montanhas terá surgido no mar que seguirá junto à zona de subducção ao sul da Índia.

No futuro de Livermore, todos os continentes atuais estão unidos. "Eu não acredito que a Antártica permanecerá no Pólo", diz. Para tanto, ele supõe que uma nova zona de subducção será aberta para levar tudo embora. "A beleza disso é que ninguém nunca poderá provar que estou errado", afirma o geólogo.

PASSADO E FUTURO DOS SUPERCONTINENTES
Os geólogos já sabem que pelo menos dois deles já existiram no passado, Pangéia e Rodínia. Evidências concretas da existência de outros supercontinentes são controversas, já que a nascimento de um praticamente elimina os sinais de seus antecessores. Eis algumas das suspeitas dos cientistas.
UR ; cerca de 3 bilhões de anos atrás
Kenorland; 2,5 bilhões de anos atrás
COLUMBIA (ou NUNA); cerca de 1,9 bilhões de anos atrás
RONDÍNIA; cerca de 900 milhões de anos atrás
PANNOTIA ; 600 milhões de anos atrás
PANGÉIA ; 300 milhões de anos atrás
HOJE
PRÓXIMO SUPERCONTINENTE; 250 milhões de anos no futuro

Isso pode ser verdade, mas outros pesquisadores discordam. Scotese gastou muito de sua carreira reconstruindo o passado da Terra e agora aplica esse conhecimento para projetar os continentes no futuro. Ele não o vê como Hoffman e Livermore. Como eles, Scotese prevê que nos próximos 50 milhões de anos a África continuará indo para o norte, fechando o Mediterrâneo e impulsionando uma cadeia montanhosa do tamanho do Himalaia ao sul da Europa. A Austrália irá girar e colidir com Bornéu e o sul da China. Mas, segundo ele, tudo irá mudar 200 milhões de anos mais tarde. A subducção começa do lado ocidental do Atlântico. A abertura pára e o Atlântico começa a encolher, unindo novamente a maior parte das grandes áreas de terra, enquanto a América do Norte tromba com o continente Euro-Africano. Originalmente, Scotese chamou o supercontinente resultante de Pangéia Última, mas recentemente o renomeou de Pangéia Próxima. "O nome Última me incomodava porque dá a idéia de ser o supercontinente derradeiro", diz Scotese. "Esse processo irá continuar por outros bilhões de anos."

O geólogo diz que uma nova zona de subducção no Atlântico poderia ser aberta se uma pequena zona já existente, como uma parte da Fossa de Porto Rico (Caribe), se espalhar até a costa americana como resultado da mudança das tensões no planeta. Sob as condições certas, ele diz, a crosta poderia começar a quebrar ao longo de sua linha, sinalizando o começo do fim para a Dorsal Meso-Atlântica. Hoje ela fica no meio do caminho entre a Europa e as Américas, mas, "se estivéssemos para começar a subducção no Atlântico ocidental ou no Atlântico oriental, a Dorsal seria forçada a se mover em direção à zona de subducção", diz. "Ela seria reduzida e teríamos um oceano com uma zona de subducção e sem a fenda. Isso significa que o Atlântico seria fechado rapidamente."

No momento, não há nada que mostre qual dos modelos está correto. Mas todos concordam que a vida em qualquer um deles será bem difícil. "Supercontinentes criam extremos", diz Paul Valdes, climatologista da Universidade de Bristol (Inglaterra). Podemos dizer como era o clima da Pangéia graças a evidências geológicas como as posições dos depósitos sensíveis ao clima, entre eles os de carvão, originados em condições quentes e úmidas. Esse tipo de evidência pode ser usado para construir modelos de computador capazes de prever o clima do futuro. Os modelos resultantes sugerem que supercontinentes estão propensos a mudanças violentas nas estações do ano.

"Em Pangéia, as latitudes tropicais poderiam ser bem quentes, talvez acima de 44°C. Latitudes medianas teriam verões muito quentes e invernos muito frios, com temperaturas chegando a 20°C ou 30°C negativos, com muita neve", diz Valdes. "Tudo derreteria nos verões seguintes, causando grandes inundações." Apesar disso, vastas áreas no interior ficariam secas, porque as nuvens de chuva não teriam como avançar para terras mais internas. Em climas tão extremos, apenas uma pequena porção do supercontinente seria capaz de sustentar formas de vida. Em Pangéia, segundo Valdes, as terras com melhores condições ficavam em uma zona estreita logo depois dos trópicos. A vastidão do supercontinente futuro também provocará climas extremos. Monções se formarão por causa das diferenças de temperatura entre terra e oceano. "Se você tem uma grande massa de terra, ela aquece e estimula uma megamonção", diz Valdes.



Se abrigar vulcões em atividade, o novo supercontinente será castigado por furacões extremos
Devastação no ar
Pior: se o supercontinente abrigar vulcões em atividade, teremos uma atmosfera rica em dióxido de carbono e um planeta mais aquecido. Águas superficiais mais quentes poderiam formar furacões extremos. Com milhares de quilômetros de diâmetro e cerca de 50% mais fortes do que os mais destruidores furacões de hoje em dia, eles iriam devastar a paisagem com ventos de mais de 400 km/h.

A vida também será difícil nos oceanos. O sistema global de condução das correntes, que atualmente mantém a oxigenação e o estoque de nutrientes, dependerá do tamanho e do formato da bacia oceânica, além da posição dos continentes. Mova-os e esses condutores poderão desaparecer. O resultado será desastroso: as águas se tornarão estratificadas e com pouco oxigênio, e muito pouco da vida marinha será capaz de sobreviver.

As costas cheias de recifes perto do equador ainda serão férteis, mas a vida não será fácil mesmo ali. Quando os continentes se juntarem, haverá uma redução drástica da área de mares rasos. Muito provavelmente, essa diminuição levará à extinção em massa de espécies colocadas no mesmo ambiente e forçadas a competir. Algo parecido também acontecerá em terra. A formação de Pangéia é freqüentemente responsabilizada por uma das maiores mortandades de todos os tempos, a extinção Permiana, em parte devido à redução de hábitat disponível.

Entretanto, a vida é pródiga ao tirar o melhor de novas situações. Há 290 milhões de anos, quando a Pangéia se formou e as calotas polares derreteram, surgiram alguns dos ecossistemas mais misteriosos até hoje. Florestas densas de árvores Glossopteris (do grego "glossa", "língua", porque as suas folhas tinham esse formato) cresceram a mais de 25 metros de altura na costa sul do Mar de Tétis (surgido com a separação de Pangéia) e avançaram para o interior a 20 graus do Pólo Sul.

Apesar de serem sustentadas por um verão de luz fraca, essas árvores eram capazes de sobreviver por meses na escuridão do inverno. Toda a vegetação próxima à costa era fustigada por monções poderosas e chuvas barulhentas vindas do Mar de Tétis, com nuvens escuras obstruindo o já enfraquecido sol. Quando o inverno se aproximava, as folhas da Glossopteris caíam graças à falta de oxigênio. Não é surpresa que análises de anéis de crescimento fossilizados mostraram que a Glossopteris crescia freneticamente enquanto podia.

De qualquer maneira, os humanos não estarão aqui para ver esse futuro. O próximo supercontinente ainda não passa de um punhado de especulações, mas já tem lições valiosas para nos passar. Até podemos ficar cada vez mais espertos, mas a Terra continuará sua jornada pelo Cosmos. Com ou sem a nossa presença por aqui.
Revista Galileu

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

A nova divisão internacional do mundo


A nova divisão internacional do mundo

Marcio Pochmann

Até a metade do século XVIII, o espaço geográfico que compreende os países asiáticos respondia pela maior parte da produção mundial, tendo em vista a combinação de sua grande dimensão populacional e territorial. Com o surgimento da primeira Revolução Industrial (motor a vapor, ferrovias e tear mecânico), a partir de 1750, o centro dinâmico do mundo deslocou-se para o Ocidente, especialmente para a Inglaterra, que rapidamente se transformou na grande oficina de manufatura do mundo por conta de sua original industrialização.

A divisão internacional do trabalho, que resultou do movimento de deslocamento da estrutura da produção e exportação na manufatura inglesa em relação aos produtos primários exportados pelo resto do mundo, sofreu modificações importantes somente com o avanço da segunda Revolução Industrial (eletricidade, motor a combustão e automóvel) no último quartel do século XIX. Naquela época, a onda de industrialização retardatária em curso nos Estados Unidos e Alemanha, por exemplo, protagonizou as principais disputas em torno da sucessão da velha liderança inglesa. A sequência de duas grandes guerras mundiais (1914 e 1939) apontou não apenas para o fortalecimento estadunidense como permitiu consolidar o novo deslocamento do centro dinâmico mundial da Europa (Inglaterra) para a América (EUA).

Com a Guerra Fria (1947 – 1991), prevaleceu a polarização mundial entre o bloco de países liderados pelos Estados Unidos e pela antiga União Soviética. Na década de 1970, com a crise capitalista impulsionada pela elevação dos preços de matéria-prima e petróleo, a economia dos EUA apresentou sinais de enfraquecimento, simultaneamente ao fortalecimento da produção e exportação japonesa e alemã. Especialmente com a adoção das políticas neoliberais pelos EUA, o mundo novamente voltou a se curvar ao poder norte-americano, sobretudo nos anos 1990, com o desmoronamento soviético que favoreceu o exercício unipolar da dinâmica econômica mundial.


A manifestação da grave crise global desde 2008 tornou mais claro o conjunto de sinais da decadência relativa dos Estados Unidos. A ineficácia das políticas neoliberais e o poder concentrado e centralizado das grandes corporações transnacionais adonaram-se do Estado em grande parte dos países desenvolvidos, sendo responsável pela adoção de políticas caracterizadas como “socialismo dos ricos”. Enquanto os trabalhadores pagam com a perda de seus empregos e a precarização das ocupações, os grandes grupos econômicos se ajustam com grandes somas do orçamento público, este, incapaz de recuperar a dinâmica produtiva, priorizando a financeirização da riqueza.

Simultaneamente, percebe-se o reaparecimento da multicentralidade geográfica mundial com um novo deslocamento do centro dinâmico da América (EUA) para a Ásia (China). Ao mesmo tempo, países de grande dimensão geográfica e populacional voltaram a assumir maior responsabilidade no desenvolvimento mundial, como no caso da China, Brasil, Índia, Rússia e África do Sul, que já respondem atualmente pela metade da expansão econômica do planeta. São cada vez mais chamados de “países baleia”, que procuram exercer efeitos sistêmicos no entorno de suas regiões, fazendo avançar a integração supra-regional, como no caso do Mercosul e Asean, que se expandem com maior autonomia no âmbito das relações Sul-Sul. Não sem motivos, demandam reformulações na ordem econômica global (reestruturação do padrão monetário, exercício do comércio justo, novas alternativas tecnológicas, democratização do poder e sustentabilidade ambiental).

Uma nova divisão internacional do trabalho se vislumbra associada ao desenvolvimento das forças produtivas assentadas na agropecuária, mineração, indústria e construção civil nas economias “baleia”. Também ganham importância as políticas de avanço do trabalho imaterial conectado com a forte expansão do setor de serviços. Essa inédita fase do desenvolvimento mundial tende a depender diretamente do vigor dos novos países que emergiram cada vez mais distantes dos pilares anteriormente hegemônicos do pensamento único (equilíbrio de poder nos Estados Unidos, sistema financeiro internacional intermediado pelo dólar e assentado nos derivativos, Estado mínimo e mercados desregulados), atualmente desacreditados.

Nestes termos, percebe-se que a reorganização mundial desde a crise global em 2008 vem se apoiando numa nova estrutura de funcionamento que exige coordenação e liderança mais ampliada. Os “países baleia” podem contribuir muito para isso, tendo em vista que o tripé da nova expansão econômica global consiste na alteração da partilha do mundo derivada do policentrismo, associado à plena revolução da base técnico-científica da produção e do padrão de consumo sustentável ambientalmente.

A conexão dessa totalidade nas transformações mundiais requer o resgate da cooperação e integração supranacional em novas bases. A começar pela superação da antiga divisão do trabalho entre países assentada na reprodução do passado (menor custo de bens e serviços associado ao reduzido conteúdo tecnológico e valor agregado dependente do uso trabalho precário e da execução em longas jornadas sub-remuneradas). Com isso, o desenvolvimento poderia ser efetivamente global, evitando combinar a riqueza de alguns com a pobreza de outros.

As decisões políticas de hoje tomadas pelos países de grandes dimensões territoriais e populacionais podem asfaltar, inexoravelmente, o caminho do amanhã voltado à constituição de um novo padrão civilizatório global. Quem sabe faz acontecer, como se pode observar pelas iniciativas brasileiras recentes. Todavia, elas ainda precisam ser crescentemente aprimoradas, avançando no enfrentamento dos problemas de ordem emergencial, como valorização cambial e elevada taxa de juros, que comprometem a competitividade, para as ações estratégicas que atuam sobre a nova divisão internacional do trabalho.
Revista Fórum

domingo, 18 de dezembro de 2011

Mobilidade versus carrocentrismo: Que futuro queremos?


Artigo de Ricardo Abramovay, professor titular do Departamento de Economia da FEA, do Instituto de Relações Internacionais da USP e pesquisador do CNPq e da Fapesp. Publicado hoje na Folha.

Ampliar espaços de circulação para automóveis individuais é enxugar gelo, como já bem perceberam os responsáveis pelas mais dinâmicas cidades
Automóveis individuais e combustíveis fósseis são as marcas mais emblemáticas da cultura, da sociedade e da economia do século 20.

A conquista da mobilidade é um ganho extraordinário, e sua influência exprime-se no próprio desenho das cidades. Entre 1950 e 1960, nada menos que 20 milhões de pessoas passaram a viver nos subúrbios norte-americanos, movendo-se diariamente para o trabalho em carros particulares. Há hoje mais de 1 bilhão de veículos motorizados. Seiscentos milhões são automóveis.

A produção global é de 70 milhões de unidades anuais e tende a crescer. Uma grande empresa petrolífera afirma em suas peças publicitárias: precisamos nos preparar, em 2020, para um mundo com mais de 2 bilhões de veículos.

O realismo dessa previsão não a faz menos sinistra. O automóvel particular, ícone da mobilidade durante dois terços do século 20, tornou-se hoje o seu avesso.

O desenvolvimento sustentável exige uma ação firme para evitar o horizonte sombrio do trânsito paralisado por três razões básicas.

Em primeiro lugar, o automóvel individual com base no motor a combustão interna é de uma ineficiência impressionante. Ele pesa 20 vezes a carga que transporta, ocupa um espaço imenso e seu motor desperdiça entre 65% e 80% da energia que consome.

É a unidade entre duas eras em extinção: a do petróleo e a do ferro. Pior: a inovação que domina o setor até hoje consiste muito mais em aumentar a potência, a velocidade e o peso dos carros do que em reduzir seu consumo de combustíveis.

Em 1990, um automóvel fazia de zero a cem quilômetros em 14,5 segundos, em média. Hoje, leva nove segundos; em alguns casos, quatro.

O consumo só diminuiu ali onde os governos impuseram metas nesta direção: na Europa e no Japão.

Foi preciso esperar a crise de 2008 para que essas metas, pela primeira vez, chegassem aos EUA. Deborah Gordon e Daniel Sperling, em "Two Billion Cars" (Oxford University Press), mostram que se trata de um dos menos inovadores segmentos da indústria contemporânea: inova no que não interessa (velocidade, potência e peso) e resiste ao que é necessário (economia de combustíveis e de materiais).

Em segundo lugar, o planejamento urbano acaba sendo norteado pela monocultura carrocentrista. Ampliar os espaços de circulação dos automóveis individuais é enxugar gelo, como já perceberam os responsáveis pelas mais dinâmicas cidades contemporâneas.

A consequência é que qualquer estratégia de crescimento econômico apoiada na instalação de mais e mais fábricas de automóveis e na expectativa de que se abram avenidas tentando dar-lhes fluidez é incompatível com cidades humanizadas e com uma economia sustentável. É acelerar em direção ao uso privado do espaço público, rumo certo, talvez, para o crescimento, mas não para o bem-estar.

Não se trata - terceiro ponto - de suprimir o automóvel individual, e sim de estimular a massificação de seu uso partilhado. Oferecer de maneira ágil e barata carros para quem não quer ter carro já é um negócio próspero em diversos países desenvolvidos, e os meios da economia da informação em rede permitem que este seja um caminho para dissociar a mobilidade da propriedade de um veículo individual.

Eficiência no uso de materiais e de energia, oferta real de alternativas de locomoção e estímulo ao uso partilhado do que até aqui foi estritamente individual são os caminhos para sustentabilidade nos transportes. A distância com relação às prioridades dos setores público e privado no Brasil não poderia ser maior.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Vazamento de Petróleo na Bacia de Campos, Rio de Janeiro

 Bacia de Campos - Imagem capturada na Internet (Fonte: Último Segundo)

Graves danos ambientais, riscos à biodiversidade marinha, mentiras, dados incompatíveis com a situação real, perdas econômicas, negligência na segurança por parte da multinacional responsável... Esta é uma sinopse do vazamento de óleo (petróleo) que ocorre, desde o dia 08 de novembro, em um dos poços no Campo de Frade, na Bacia de Campos (RJ), litoral norte do estado, considerada a principal província petrolífera do país.
O referido poço situa-se a 370 Km do litoral do Rio de Janeiro e a uma profundidade aproximada de 1,2 mil metros.

 Imagem capturada na Internet (Fonte: Último Segundo)

Além do dano ambiental, em termos de poluição das águas e à biodiversidade marinha, o óleo pode chegar às praias de Ubatuba (SP), Arraial do Cabo e de Angra dos Reis (ambas no Rio de Janeiro) em duas semanas a um mês, segundo Carlos Minc, Secretário Estadual do Ambiente do Rio de Janeiro.
O que mais irritou as autoridades brasileiras e, sobretudo, à Agência Nacional do Petróleo (ANP) foi o fato da Chevron, empresa multinacional estadunidense, que tem a concessão para explorar petróleo no Campo de Frade ter mentido sobre as reais causas que provocaram o vazamento e ter ocultado informações e imagens sobre o mesmo.
De acordo com a primeira versão da referida multinacional, o vazamento de petróleo se deu em uma falha geológica, ou seja, sem a influência da atuação da petroleira. Mas, o próprio IBAMA (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente) e a Agência Nacional do Petróleo (ANP) já comprovaram que o vazamento ocorreu por problemas no poço.
E a respeito disso, a empresa contratada - pela Chevron - para realizar os serviços de perfuração do poço foi a Transocean, a mesma que operava a plataforma da BP no Golfo do México, no ano passado, quando houve aquele grande vazamento de petróleo.
Carlos Minc afirmou que a pressão utilizada na perfuração (pela Transocean) foi além da determinada, ou seja, em desacordo com as características geológicas do fundo do mar da região.
De acordo com a legislação brasileira, a Chevron – por ter a concessão de exploração de petróleo na região – se torna a responsável pelos erros cometidos pelas companhias contratadas por ela, estando sujeita a vários tipos de multas e penalidades.
O Secretário do Ambiente, Carlos Minc, decidiu que vai descredenciar a Transocean para qualquer atividade de perfuração no estado, assim como declarou que vai solicitar ao presidente do IBAMA que a mesma medida se estenda em todo o território nacional com relação à atuação da referida empresa.
Inclusive, a própria Chevron corre o risco de ser proibida de operar no Brasil, por determinação da Agência Nacional do Petróleo (ANP), devido à tentativa de ocultar informações precisas e imagens sobre o vazamento de petróleo.
O presidente da Chevron no Brasil, George Buck, afirmou que a companhia assumiu a total responsabilidade pelo acidente, alegando que houve uma subavaliação da pressão no reservatório de petróleo.
Conforme era previsto, além da multa do IBAMA - em R$ 50 milhões - por danos ambientais na costa (este valor pode subir para R$ 60 milhões), a empresa Chevron foi notificada das multas emitidas pela Agência Nacional do Petróleo (ANP), que é na ordem de R$ 100 milhões e por parte do governo estadual, também, estabelecida em R$ 100 milhões.
A Chevron já recebeu as autuações e declarou que vai analisar o assunto e decidir por quais medidas tomar.
O total de vazamento de petróleo ainda é uma questão polêmica, pois há divergências entre as informações prestadas tanto pela Chevron, pela ANP e pela ONG americana SkyTruth. A primeira confirmou, na 6ª feira passada (18/11), que o vazamento era equivalente a 882 barris. A Agência Nacional do Petróleo (ANP), por sua vez, avaliou em entre 1 400 a 2 310 barris, enquanto a ONG americana SkyTruth estimou um saldo bem maior, de 15 mil barris.
Um barril de petróleo equivale a cerca de 159 litros do referido óleo.
Embora menor, o vazamento ainda continua. O poço recebeu cimentação na 5ªfeira passada (17/11), mas este continuou a apresentar derramamento de óleo. Está prevista, para esta semana, mais cinco etapas de cimentação no referido poço.

Fontes de Consulta
. Diário Democrático
. Exame.Com
. Jornal O Globo (impresso/várias edições)
. Revista Veja
. Último Segundo

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Por que as vacas e outros ruminantes produzem metano?



Fotógrafo: Igor Terekhov |
Agência: Dreamstime.com
Gás metano causa mais danos do que o dióxido de carbono.

Com o desenvolvimento da agricultura em larga escala, em meados do século 20, a lavoura tornou-se um grande negócio para muitas empresas. As terras ficaram consolidadas em grandes empreendimentos com muitos milhares de animais espalhados em uma grande quantidade de acres.

Inicialmente, as áreas de pasto foram preenchidas com uma variedade de grama e flores que cresciam naturalmente, oferecendo uma dieta diversificada para vacas e outros ruminantes. No entanto, para aperfeiçoar a eficiência da alimentação do gado, muitas dessas pastagens foram replantadas com azevém perene (em inglês). Com a ajuda de fertilizantes artificiais, o azevém perene cresce rapidamente e em enormes quantidades. Sua desvantagem é que ele não oferece o teor nutritivo de outras gramas e evita que outras plantas nutritivas possam se desenvolver. Um comentarista a apelidou de "fast food" das gramas [Fonte: Guardian%20Unlimited" (site em inglês) >Guardian Unlimited].

Essa simples dieta permite que muitas vacas sejam alimentadas, mas isso inibe a digestão. Uma dieta com azevém perene resulta também em uma quantidade significativa de vacas fracas e inférteis que têm de ser abatidas precocemente. É aqui que entra o metano. A grama difícil de ser digerida fermenta nos estômagos das vacas onde interage com micróbios e produz gás. Os detalhes exatos do processo ainda estão sendo estudados e mais informações podem fazer com que os cientistas consigam reduzir a produção de metano das vacas.


Um estudo da Universidade de Bristol comparou três tipos de pastos cultivados naturalmente com pastos de azevém cultivado com fertilizantes químicos. Carneiros foram alimentados com cada tipo de pastagem. A carne dos carneiros alimentados com pasto natural tinha menos gordura saturada (em inglês), mais ácidos graxos omega-3 (em inglês), mais vitamina E (em inglês) e níveis mais altos de ácido linoleico conjugado (CLA), uma "gordura benigna" que acredita-se que combata o câncer. A carne desses carneiros foi considerada de qualidade bastante alta e com boa pontuação nos testes de degustação.


Devido à preocupação com as dietas dos ruminantes, muitos pesquisadores estão investigando modos de alterar o que esses animais comem e misturar o melhor dos velhos pastos de gado - gramas e plantas diversificadas, de crescimento natural e ricas em nutrientes - com o melhor das novas - espécies de crescimento rápido e resistentes a pragas hostis. Uma possibilidade é aumentar a capacidade de plantas e flores benéficas, ricas em nutrientes, de crescerem juntamente com gramas de crescimento rápido geralmente usadas nos pastos. Uma outra linha de pesquisa se concentra em plantas que possuam um alto teor de tanino, o qual acredita-se que possa diminuir os níveis de metano em ruminantes e elevar a produção de leite, embora níveis excessivos de taninos possam ser danosos para o crescimento do ruminante.

Um estudo realizado por pesquisadores da Nova Zelândia recomenda o uso de plantas como o cornichão, que têm alto teor de ácido alfa linoleico, o que eleva os níveis de CLA. Plantar legumes e plantas geneticamente preparadas para captar o nitrogênio do ar também intensificará os níveis de nitrogênio do solo, o que é importante para um solo mais rico e plantas mais saudáveis.

Imagem cedida por Alden Pellett/Associated Press
Alguns produtores de laticínios usam sistemas de processamento para colher metano do estrume da vaca.
A energia é usada para movimentar a fazenda enquanto que o excesso é freqüentemente vendido para a rede elétrica local.
Os que acreditam em pastos com espécies misturadas e de crescimento natural, dizem que sua utilização reduzirá os gases estufa, aperfeiçoará a saúde do animal e a qualidade da carne, e reduzirá o uso de fertilizantes artificiais. Tentativas como pílulas para reduzir o metano ou a adição de alho podem ser apenas medidas temporárias que não conseguem resolver alguns dos principais problemas do gado, especialmente a poluição do ar e do solo, desmatamento das florestas, a produção de animais frágeis que deverão ser separados mais tarde e o uso de esteróides e fertilizantes artificiais.
Uma outra possibilidade é capturar o gás metano e usá-lo como energia ou vendê-lo para a rede elétrica. Alguns produtores também extraem metano de resíduos do gado, mas isso não resolve o maior problema do metano que é expelido. Utilizar esse metano significaria capturá-lo no ar, talvez confinando o gado em ambiente fechado ou provendo os animais com focinheiras especiais para que possam inibir a alimentação.

Maior estudo independente já feito confirma aquecimento do planeta
A maior revisão de dados históricos de temperatura já feita até hoje revelou que os mais importantes argumentos usados pelos chamados céticos do clima, os maiores críticos do aquecimento global, não alteram o fato de que o mundo está, mesmo, ficando mais quente.
Cientistas da Universidade da Califórnia, Berkeley, investigaram vários tópicos que, segundo os céticos, alterariam o quadro final que aponta para o aquecimento do planeta. E descobriram que nenhum dos dados tem um efeito significativo na conclusão geral de aumento de temperaturas.
Os cientistas do Projeto Terra compilaram mais de um bilhão de registros de temperatura desde 1800, de 15 fontes diferentes em diversos pontos do mundo, e concluíram que, em média, a temperatura em terra aumentou 1 grau Celsius desde meados dos anos 50.
O número bate com as estimativas sobre aquecimento global a que já tinham chegado os principais grupos que estudam o assunto, como os da Nasa, da Administração Nacional de Atmosfera e Oceanos dos EUA (NOAA, na sigla em inglês) e o Met Office, no Reino Unido.
Jornal O Globo


Encontrado mecanismo que ativa supererupções vulcânicas

Uma supererupção vulcânica acontece na Terra a cada 100 mil anos em média e pode ser uma das maiores catástrofes naturais do planeta, perdendo apenas para o choque de um asteroide de grandes proporções. Os mecanismos que levam um sistema vulcânico aparentemente pouco ativo a uma explosão desta magnitude, no entanto, ainda são pouco compreendidos pelos cientistas.
Agora, no entanto, pesquisadores da Universidade de Oregon, nos EUA, apontam uma combinação da temperatura e do formato da câmara de magma como receita para a possível ocorrência destas supererupções. Segundo Patricia "Trish" Gregg, principal autora da pesquisa, a criação de um anel de rochas em torno da câmara de magma permite que a pressão se acumule por milhares de anos, resultando em uma elevação do teto sobre ela. Eventualmente, falhas no terreno acima entram em colapso e desencadeiam a erupção.
- Você pode comparar isso a rachaduras na casca de um pão enquanto ele infla - diz ela, que apresentou seu modelo esta semana durante reunião anual da Sociedade Americana de Geologia. - A medida que a pressão na câmara da magma aumenta, aparecem rachaduras na superfície para acomodar a expansão, eventualmente se propagando para baixo até a câmara. No caso de vulcões muito grandes, quando as rachaduras penetram fundo o bastante, elas rompem a câmara de magma, o teto dela entra em colapso e ocorre a erupção.
As erupções de super-vulcões podem levar a grandes alterações climáticas, dando início a idades do gelo e outros impactos. Um caso foi a de Huckleberry Ridge, no que é hoje o Parque de Yellowstone, nos EUA, a cerca de 2 milhões de anos, mais de 2 mil vezes mais poderosa que a erupção do Monte Santa Helena em 1980.
- Com exceção do impacto de um meteoro, essas supererupções são a maior ameaça ambiental que nosso planeta pode enfrentar - afirma. - Enormes quantidades de material são expelidas, devastando o meio ambiente e criando uma nuvem de gás e poeira que pode cobrir o globo por muitos anos.


Jornal O Globo

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Para onde vai Cuba?

Para onde vai Cuba?

Único país socialista das Américas, à deriva no mundo, sem acesso à internet, Cuba fez do turismo sua tábua de salvação, mas isso já não basta. O governo quer implantar uma economia de mercado, demitir 500 mil funcionários e acabar com a Libreta de Abastecimiento, a caderneta que raciona a alimentação subsidiada dos cubanos desde 1962. É hora de mudança na ilha revolucionária

Texto e fotos: Silvia e Heitor Reali, de Havana

O tempo está suspenso em Havana, onde todos aguardam as reformas que serão anunciadas, em abril, no congresso do Partido Comunista. Tudo indica que será referendado o plano do presidente Raúl Castro para reestruturar a economia ineficiente mediante a demissão de 500 mil funcionários públicos, a abertura de pequenos negócios privados em 178 atividades, a abolição da Libreta de Abastecimiento e a libertação de dezenas de prisioneiros políticos. Os ares são de mudança. Há ansiedade na ilha. Uma visita a Cuba revela mais nuvens escuras no horizonte do que mar azul, ritmos caribenhos e sonhos revolucionários.

A Libreta de Abastecimiento em ação numa venda em Havana. Embaixo, os táxis-cocos. Na página oposta, operária de fábrica de charutos.

"Como se pode viver com um salário médio de US$ 20 ao mês (R$ 32)?", dispara Ivone T., uma jovem estudante de medicina, em Havana. Apesar das conquistas socialistas na educação e na saúde públicas, nos últimos anos a penúria cresceu de tal forma que hoje quase toda a renda familiar cubana é dedicada à alimentação racionada pelas cotas mensais de gêneros registradas na Libreta. A caderneta é um documento fundamental da vida cubana, mas as rações mensais só garantem 12 dias de comida. Para complementar a dieta, só há uma saída: "Vire-se." Para Ivone, a ilha caiu na armadilha da esperança fantasiosa. "Acreditamos muito em mañana, no futuro que justificaria os sacrifícios do dia a dia, e só nos restou a sobrevivência", afirma. Uma jornada por onde pulsa o coração de Havana, longe dos roteiros turísticos, revela feridas na alma cubana.

Cereja de bolo

O táxi-coco, uma espécie de lambreta com três rodas e teto, próprio para transportar turistas, é o veículo ideal para percorrer a capital. A viatura roda a 40 quilômetros por hora, permitindo observar os detalhes arquitetônicos, sentir a brisa e o aroma da maresia. É bom ver tudo de perto. Um roteiro alternativo ao turismo oficial poderia começar pela zona tranquila e silenciosa do Parque Metropolitano, no lado oposto à Havana Vieja. Banhada pelo Rio Almendares, a área abriga uma vegetação de hera que sobe pelas árvores, se espalha pelos galhos, criando verdadeiros mantos verdes. É fácil pressentir "entidades" misteriosas no cenário, pois o Parque Metropolitano é o palco de rituais da santeria, a umbanda cubana, cultuadora de Santa Bárbara, São Judas e a Virgem da Caridade do Cobre, a padroeira de Havana (Oxum, nos cultos sincretistas).

Quase toda a renda familiar cubana é gasta com a alimentação racionada pelas cotas de produtos da Libreta de abastecimiento

Daniel C. é motorista de um desses táxis-cocos. Vivaz, inteligente, rápido nas respostas, ao nos aproximarmos dos bairros de Kholy, Miramar e Siboney, onde vivem os militares, os políticos e El Comandante Fidel, avisa de forma categórica: "Não fotografem nada daqui para a frente, senão vamos passar oito horas desagradáveis na polícia." Ao entrarmos no bairro de Vedado, antigo reduto dos cubanos ricos que fugiram ao se deflagrar a revolução, lembramo-nos de uma passagem do livro Memórias da Filha de Fidel, escrito por Alina Castro, a filha ilegítima de El Comandante, hoje dissidente em Miami. Alina conta que havia dólares emparedados em muitas casas, pois os moradores imaginavam voltar assim que o regime caísse. Várias foram demolidas, mas não se encontrou nenhum money.


Sacada de hotel em Havana. Embaixo, um dos inúmeros músicos de rua. Acima, as montanhas de calcário do Vale dos Vinales, o terroir das melhores plantações de fumo do mundo.


Saindo dos bairros chiques o asfalto desaparece e surgem casas simples, com pequenos jardins. Não há cachorros. "A comida não dá nem para nós", ironiza Daniel. Com o anunciado fim da Libreta de Abastecimiento a insegurança aumentou na ilha. Não se sabe como será feita a parca distribuição de alimentos. Sem a Libreta, restam as bancas e mercadinhos com nomes sugestivos como La Fortuna, La Generosa, La Speranza, que quase não têm o que oferecer, e as lojas especiais reservadas aos turistas e a quem paga o peso conversible (igual ao dólar), devidamente abastecidas de produtos importados. Só quem recebe dinheiro de parentes no exterior pode encarar esses gastos, ou quem exerce atividades ilegais. Um quilo de carne de porco custa 27 pesos no mercado privado.

A paisagem continua a mudar e o ar torna-se poluído, tomado pela fumaça de ônibus em estado lastimável. Os raros táxis-cocos que passam pela periferia transitam sob o olhar desconfiadíssimo dos moradores. Aqui, as oficinas mecânicas são capazes de restaurar um Chevrolet 1949 como se fosse uma obra de arte. Daniel para na casa do irmão, que nos prepara um forte, aromático e encorpado café cubano. Percebemos casas em lenta construção, em geral dependentes do dinheiro enviado por familiares na Flórida, ímã dos que preferem enfrentar peripécias no mar, equilibrados em um pneu de trator, chutando tubarões, a ficar na ilha. A propósito, para reconhecer as mudanças positivas em curso, em janeiro o presidente Barack Obama, dos Estados Unidos, facilitou a licença para qualquer residente enviar remessas trimestrais de US$ 500 a Cuba.

Após um banquete de simpatia e de cultura sem censura, no final da excursão o visitante não deve se surpreender nem se decepcionar se alguém lhe oferecer sem constrangimento "a cereja do bolo". "Qual é?", perguntamos ingenuamente. "Depende. É cara, porque embolso 30%", admite Daniel, sem rodeio. "A escolha é sua: uma bela jovem ou um rapaz sarado. To have fun, entiendes?" Na surpresa se aprende que a "cereja do bolo" não é malandragem, é puro desespero de causa - questão de sobrevivência.

É a quarta vez que visitamos Cuba. Conhecemos seus extremos e paradoxos, da harmonia ao caos. Percorremos a ilha de ponta a ponta, de Vuelta Abajo, no extremo oeste, a Santiago de Cuba, na ponta leste. Em Vuelta vimos o Vale de Vinãles, berço das plantações de tabaco envolvidas pelas mongotes, montanhas calcárias iguais às do Vietnã, que sustentam um solo e uma umidade únicos - o terroir, como dizem os aficionados. Elas contribuem para a excepcional qualidade das folhas responsáveis pelos melhores charutos do mundo. Santiago faz limite com a Sierra Maestra, local de decisivas batalhas da revolução cubana. Conhecemos também a cidade de Santa Clara, onde está o monumento dedicado a Che Guevara.

Os mecânicos cubanos são capazer de restaurar um Chevrolet 1949 como se fosse uma obra de arte. Na página ao lado, acima, a joia barroca da Praça da Catedral, em Havana; abaixo, um pouco da musicalidade dos cubanos.


Já passamos por Sancti Spiritus e Cienfuegos - fundada por franceses - e pela histórica e bela Trinidad. Visitamos Camaguey, Holguin e Matanzas, terra natal da abastada família de Andy Garcia, que emigrou para os EUA e virou astro de cinema. Garcia apareceu em público vestindo uma guayabera, a tradicional camisa cubana de linho, com pregas verticais e quatro bolsos, usada para fora da calça, e converteu-a em peça cult. Mergulhamos entre peixes coloridos de baías transparentes e, por supuesto, regalamo-nos com o legendário rum dos divinos mojitos - a caipirinha cubana feita com limão e hortelã. Na famosa praia de Varadero sentimos a fúria dos furacões que em setembro atormentam a ilha.

Dessa vez, entretanto, há outros tormentos. As feridas estão expostas num passeio a pé por Havana. A escassez de bens de consumo obriga as pessoas, cada vez mais, a importunar os turistas para adquirir jeans, camisetas, tênis, xampus e assim por diante. Cansamos de ser abordados por http://www.blogger.com/img/blank.gif alguém "boa-pinta", muy simpático, muy amigo, que oferece charutos puros e rum produzido em fundo de quintal - ou se prostitui. No mercado negro circulam até produtos furtados nos hotéis. Isso sem contar os músicos passando chapéu. "Entonces, usted yá ès cubana", diz Esteban, um desempregado com quem puxamos conversa na Praça do Teatro, "Usted siente y conosce el país mucho más que los cubanos". Não é verdade. Cuba barroca, surreal e miserável é tão vibrante quanto indecifrável.


As ruas de Havana parecem as de Salvador, na Bahia, congeladas em 1950. Abaixo, a vida de rei dos turistas na Praia de Varadero. Na página oposta, os famosos cortiços de Havana, nos quais não há energia elétrica na maior parte do dia.

Vocação natural

Não é de hoje que os turistas afluem. Depois de 1898, quando os EUA apoiaram a independência do país da Espanha, os norte-americanos entraram com os dois pés na ilha e a converteram em seu quintal. Reflexo dessa situação, o beisebol acabou eleito o esporte preferido dos cubanos. Com a revolução de 1959, a elite cubana, proprietária de engenhos e de fábricas de rum, abandonou os palacetes à beira-mar. A revolução restaurou a dignidade do país e abriu as portas para uma multidão que subdividiu quartos, seccionou andares, repartiu sacadas, fechou varandas, emendou "puxadinhos", improvisou paredes e implantou todo tipo de rede de "gatos". Assim sugiram as quarterias, os cortiços que se veem por toda parte em estado lastimável. Democratizaram a miséria, mas não socializaram a riqueza.

Em 1990, depois do fim dos tratados econômicos anulados pelo colapso da ex-União Soviética, Fidel converteu o turismo em tábua de salvação. Há motivos de sobra para a ilha ser uma nova Cancún e muito mais, sobretudo no litoral dos cayos de ensueño, no norte, com suas ilhas e ilhotas coralinas bordejadas por uma areia que parece feita do mais puro alabastro moído. Há também a atração das construções em estilo colonial espanhol que durante séculos foram se "acriolando" até se tornarem cubanas.

Pode-se ler Cuba como uma partitura: uma batida afro mesclada ao flamenco espanhol e à contredance francesa

A arquitetura de Havana Vieja ocupa um lugar de destaque. Realmente, não há nada igual nas Américas. Há números que justificam a afirmação: são 40 quadras com 150 edificações dos séculos 16 e 17, 200 do século 18 e 460 do século 19. Nesse leque não estão incluídos interessantes templos, fortalezas e vilas em estilo liberty.

Em pleno centro histórico ergue-se a Praça da Catedral, datada de 1770, rodeada por palácios como o dos Marqueses de Arcos, do conde Lombillo e dos Marqueses de Águas Claras. A igreja é de uma beleza barroca transbordante. Todo o complexo arquitetônico vem sendo caprichosamente restaurado pela Oficina del Historiador, capitaneada pelo historiador Eusebio Leal, desde 1967. Leal sabe que, além de ser o motor do turismo, a arquitetura é preciosa para a alma de Havana.

Os colonizadores espanhóis construíam palacetes, solares, templos e edifícios públicos com a pedra calicia, um coral retirado do mar. Porosa, ela guarda madrepérolas incrustadas, o que explica o misterioso cintilar das paredes à luz do sol no centro histórico - um efeito singular. Para driblar o calor e a luminosidade, as janelas ganharam vitrais coloridos e os pátios internos, refrescantes fontes. Não à toa que, em 1982, o centro histórico foi declarado Patrimônio da Humanidade pela Unesco.

Outra peculiaridade, hipnótica, é a música. É impossível não sentir inveja e admiração pela ginga e o requebro das mulheres e homens que rodopiam com o mambo, a rumba, o bolero, o chá-chá-chá, o danzón, a guajira e o guaguancó. Na vitalidade da dança, nas ruas, nos salões, cabarés ou teatros, está uma das essências da cubanidad. Pode-se ler Cuba como se lê uma partitura: uma pulsação da matriz afro, regida pelos tambores de Xangô, mesclada ao flamenco espanhol e à contredance trazida pelos latifundiários franceses, fugidos do Haiti. A música e a dança nutrem a alma do povo, já que o corpo mal se mantém. Elas garantem a alegria de viver e permitem aos cubanos fabricar outra realidade, uma vez que não conseguem conhecer o próprio país.

Sabe usted por que? Porque viajar é um privilégio inacessível. Está reservado aos gringos. A não ser que se trabalhe como guia de viagem, garçom, camareira ou cozinheira. Em todo lugar ouve-se a ladainha: "el cubano no está autorizado... no se puede... no passe..." Parece haver entusiasmo apenas nos empregos dos setores dolarizados da economia. Mas isso não é compartilhado. Faltam possibilidades de desenvolvimento para as cidades do interior e as praias também ganharem com o turismo.

Após 20 anos de reinado absoluto, o turismo não salvou a Revolução e o futuro tornou-se mais sombrio. Como os cubanos receberão as reformas e as demissões em massa num país onde mais de 90% das pessoas são funcionários do Estado? Nem a entrega de terras ociosas, nem as novas propostas ao congresso do PC, ou mesmo a libertação de presos políticos, diminuem as filas em frente às embaixadas para aqueles que se recusam a deixar a vida em compasso de espera. Uma frase da blogueira Yoani Sánchez - que no ano passado foi impedida de vir ao Brasil para o lançamento de seu livro De Cuba, com Carinho - resume tudo: "As reformas de Raúl estão sendo vistas com tanta falta de entusiasmo que não convencem nem os compatriotas a ficar na ilha."

Revista Planeta

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Cartografia- A Linguagem dos Mapas.


CARTOGRAFIA: A LINGUAGEM DOS MAPAS


 INTRODUÇÃO

A cartografia envolve as técnicas de criação de mapas, sendo uma ferramenta importante para a geografia. Apresenta desafios, como, por exemplo, representar uma esfera (Terra) sobre um plano (mapa-múndi), ocorrendo distorções. Um segundo desafio é descobrir a ideologia que um mapa esconde, isto é, mapas contêm visões de mundo.

Como a Terra é redonda, o Brasil, por exemplo, pode ser visto de vários ângulos e, o mais importante, todos estão corretos.



Nesta visão, o Brasil está no centro do planeta.




ELEMENTOS PRINCIPAIS DA CARTOGRAFIA

ESCALAS são a relação entre as dimensões apresentadas em um mapa e seus valores reais correspondentes no terreno.

TIPOS

NUMÉRICA – é representada por uma fração e normalmente é dada em centímetro. Exemplo:




No exemplo acima, 1 cm no mapa é, na realidade, 500.000 vezes maior. Para resolver um exercício, normalmente transforma o número em quilômetro, obtendo-se a seguinte relação: 1 cm = 5 km.

GRÁFICA — é representada por uma linha reta graduada, tendo como módulo básico o centímetro. Exemplo:

1: 12.000.000

É NECESSÁRIO SABER FAZER ESTA REDUÇÃO NA ESCALA MÉTRICA

CONTANDO ''ZEROS'' A PARTIR DA ESQUERDA VAMOS PREENCHENDO AS CASA DA ESCALA MÉTRICA

COMO NO EXEMPLO ABAIXO



Nesse caso, 1 cm no mapa equivale 12.000.000 cm ou na realidade a 120 km.

ESTA FÓRMULA AUXILIA NO CÁLCULO



ONDE ''D'' É A DISTÂNCIA NO TERRENO (REAL) ''d'' É A DISTÂNCIA NO MAPA E ''E '' É A ESCALA USADA PARA AMPLIAR OU DIMINUIR UMA ÁREA OU TERRENO

PROJEÇÕES

Projeções envolvem a representação da Terra em um plano, destacando a rede de paralelos e meridianos da esfera terrestre. Utilizam figuras geométricas semelhantes a uma esfera ou aquelas que permitem o seu desenvolvimento, destacando-se o cone, o cilindro e o plano.








Exemplos
I. PROJEÇÃO DE MERCATOR




Nessa projeção, os paralelos e os meridianos são linhas retas que se cortam em ângulos retos, porém as áreas polares mostram tamanho exagerado. É uma projeção conforme, porque tem a vantagem de conservar a forma dos continentes, mas traz a desvantagem de deformar as áreas relativas dos continentes, isto é, a deformação aumenta próximo aos pólos.

Observando a figura acima, a América do Sul aparenta ser menor que a Groenlândia, mas, na realidade, ela tem quase 18 milhões de km2 contra 2 milhões de km2 da Groenlândia. Portanto, é uma projeção cilíndrica conforme, sendo usada na navegação. Questiona-se o eurocentrismo desta projeção.


II. PROJEÇÃO DE PETERS



É uma projeção cilíndrica equivalente, que conserva a proporcionalidade das áreas relativas entre os continentes, mas as formas são distorcidas, destacando-se o alongamento dos continentes.

ELEMENTOS SECUNDÁRIOS DA CARTOGRAFIA

CURVAS DE NÍVEL


As curvas de nível são chamadas de isoípsas e unem pontos de mesma altitude de relevo. Esse conceito apareceu na Holanda, no século XVIII e foi usado para cartografar o fundo do rio Merwede, sendo um sistema matemático baseado em levantamentos geodésicos, no qual o marco zero metro é o mar.

As curvas de nível apresentam as seguintes características:
● Representam tanto a altitude quanto a forma de relevo.
● Quando existem grandes diferenças de altitudes em pequenos espaços, as linhas apresentam-se muito próximas umas das outras; quando o relevo é suave, as diferenças são menores e as linhas apresentam-se mais distanciadas.
● De acordo com a variação da altitude, a equidistância das curvas pode ser de 10, 20, 50 ou 100 metros.






ROSA-DOS-VENTOS


A rosa-dos-ventos é um meio de orientação importante devido à extensão do planeta e serve como vocabulário da geografia, aparecendo no nosso dia-a-dia e principalmente nos vestibulares.




É formada pelos pontos cardeais, colaterais e subcolaterais.
• Cardeais
– norte ou setentrional ou boreal
– sul ou meridional ou austral
– leste ou oriental ou nascente
– oeste ou ocidental ou poente

• Colaterais: ficam entre os pontos cardeais.
– nordeste (NE) – entre o norte e o leste;
– sudeste (SE) – entre o sul e o leste;
– sudoeste (SO) – entre o sul e o oeste;
– noroeste (NO) – entre o norte e o oeste.

• Subcolaterais: ficam entre os pontos cardeais e os colaterais.
NNE = nor-nordeste
ENE = es-nordeste
ESE = es-sudeste
SSE = su-sudeste
SSO = su-sudoeste
OSO = oes-sudoeste
ONO = oes-noroeste
NNO = nor-noroeste

COORDENADAS GEOGRÁFICAS

Conjunto de linhas imaginárias traçadas sobre a superfície terrestre, objetivando localizar qualquer lugar ou ponto.

• Latitude: é a distância em graus de um ponto qualquer da superfície terrestre à linha do Equador, variando de 0° a 90° tanto para o norte como para o sul.

• Longitude: é a distância em graus de um dado ponto da superfície terrestre ao meridiano de origem (Greenwich), variando de 0° a 180° para leste e para oeste.




Para compreender melhor as coordenadas, é fundamental lembrar-se das principais linhas imaginárias.
• Paralelos: círculos menores e paralelos ao Equador (divide a Terra em dois hemisférios).






• Meridianos: são círculos máximos que passam pelos pólos, destacando o principal: Greenwich (divide a Terra em dois hemisférios).