quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Migrações pendulares


Populações se deslocam todos os dias
Ronaldo Decicino*
As migrações em território brasileiro - ou seja, os deslocamentos populacionais - podem ocorrer de forma permanente ou temporária, e estão associadas, desde o tempo da colonização, a fatores econômicos. Por exemplo, quando terminou o ciclo da cana-de-açúcar no Nordeste e teve início o ciclo do ouro, em Minas Gerais, houve um grande deslocamento de pessoas e um intenso processo de urbanização no novo centro econômico do país.

Na verdade, qualquer região que receba investimentos produtivos, públicos ou privados, que aumentem a oferta de emprego, receberá também pessoas dispostas a preencherem os novos postos de trabalho.

Surgimento das metrópoles
Um outro exemplo pode ser encontrado no período que vai de meados da década de 1950 até o final dos anos 70, quando se acelerou o processo de industrialização nas grandes cidades e houve intensa concentração de terras no campo, nas mãos de poucos proprietários. Durante aqueles anos o Brasil sofreu um intenso êxodo rural, ou seja, a saída de pessoas do campo em direção às cidades.

Como essas cidades não receberam investimentos públicos em obras de infra-estrutura urbana - como habitação, saneamento básico, saúde, educação, transportes coletivos, lazer, etc. -, elas passaram a crescer desordenadamente, sobretudo ao redor dos bairros industriais, criando grandes bairros periféricos, bolsões de pobreza onde eram erguidas favelas e apareciam loteamentos clandestinos.

Esse processo levou ao surgimento das metrópoles - como, por exemplo, a Grande São Paulo: conjuntos de cidades interligadas, onde ocorre um deslocamento diário de pessoas entre os municípios.

Deslocamentos pendulares
Assim, o aparecimento desses conglomerados de cidades deu origem a um novo tipo de movimento migratório: um movimento diário, que podemos chamar de deslocamentos pendulares: pessoas que residem em um município e trabalham ou estudam em outro, deslocando-se diariamente.

Esses deslocamentos se ampliam e tornam-se mais complexos a cada dia, devido ao surgimento e à consolidação de novos pólos secundários de atração populacional. A incorporação de novas áreas residenciais, a busca por emprego ou serviços e a oferta de transportes mais eficientes em alguns pontos das metrópoles: todos esses elementos favorecem a consolidação desse fenômeno.

No Brasil, com base nos resultados do Censo de 2000, tínhamos 7,4 milhões de pessoas trabalhando ou estudando fora do município de residência.

Essas migrações diárias ou pendulares não se caracterizam, contudo, como verdadeiras migrações (no sentido clássico do termo), pois não são realizadas com o intuito de uma mudança definitiva.

Exemplos de migrações pendulares
1. Deslocamento de pessoas que deixam o interior nordestino nos períodos de seca para trabalhar no litoral, regressando ao local de origem após terminar o problema climático ou o trabalho sazonal.

2. Viagens de residentes em cidades-dormitório, realizadas por pessoas que moram em uma determinada cidade e trabalham em outra.

3. Deslocamentos de fins de semana e de férias, com objetivos de lazer e descanso. Esse fluxo é conhecido como commuting e é o principal fator de congestionamentos nas estradas que partem das grandes metrópoles em direção às praias ou às regiões campestres.

4. Deslocamentos de bóias-frias, ou seja, de trabalhadores que se deslocam, diariamente, de suas residências em direção às fazendas onde trabalham, e, à tarde, regressam às suas casas. Há também o chamado movimento sazonal, em que os bóias-frias podem atuar nas diferentes áreas do país, nas diversas épocas de colheita, transformando-se assim nos chamados trabalhadores volantes.

Como podemos ver, as migrações pendulares diferenciam-se do conceito puro de migração, pois não há, nesse fenômeno, uma mudança permanente. Mas são fluxos populacionais significativos em determinadas áreas e ocorrem sob diferentes formas, tornando-se cada vez mais comuns nas grandes cidades.
*Ronaldo Decicino é professor de geografia do ensino fundamental e médio da rede privada.
http://educacao.uol.com.br/

Despoluição da Baía de Guanabara vira esgoto


Em 20 anos, despoluição da Baía de Guanabara vira esgoto

Manuela Alegria
Anunciado com pompa durante a Rio-92, programa já torrou US$ 1,17 bilhão e a baía continua imunda.
RIO – O Dia Mundial da Água – data criada pela ONU e comemorada amanhã, 22 de março – tinha tudo para transformar este ano a Baía de Guanabara no cenário de uma festa especial. A três meses da Rio+20, a conferência sobre o desenvolvimento sustentável que deve atrair ao Rio de Janeiro mais de 100 chefes de Estado, a Cidade Maravilhosa poderia mostrar ao mundo a recuperação de sua baía, banhada por dezenas de rios, originalmente cercada por manguezais e antigo hábitat de golfinhos e tartarugas marinhas.
Anunciado há 20 anos, durante a Rio-92, o Programa de Despoluição da Baía de Guanabara começou a ser executado em 1995, foi prorrogado oficialmente sete vezes e, após consumir mais de US$ 1 bilhão, continua inacabado. Hoje, apenas 36% de todo o esgoto gerado nos 15 municípios do entorno é tratado. Um dos maiores símbolos da beleza natural do Rio no passado, a baía recebe em média 10 mil litros por segundo de esgoto sem tratamento. Duas décadas depois, o cartão-postal do Rio de Janeiro continua lindo – mas seu odor é fétido.
Nenhuma das quatro estações construídas ao longo do projeto, que ficou conhecido pela sigla PDBG, está operando plenamente. O programa passou por seis governos desde a assinatura do contrato com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em 1994. Inicialmente, a previsão para conclusão da primeira fase de obras era de cinco anos, chegando a 51% de esgoto tratado. Além do fiasco e do atraso, há questionamentos sobre a qualidade do tratamento. Outra crítica comum é de que tenha havido um desvio do conceito original, mais amplo. Na prática, ficou restrito ao saneamento básico, sem um plano ambiental.
Recursos. O PDBG consumiu US$ 1,17 bilhão em recursos do BID, da Agência de Cooperação Internacional do Japão (JICA) e do governo do Estado. O primeiro desembolso ocorreu no fim de 1994, ano de implantação do Plano Real, e o dólar teve grande variação no período de contrato: chegou a valer R$ 4 em 2002.
Até hoje o esgoto não chega à estação de tratamento de São Gonçalo, inaugurada no fim do governo Marcello Alencar (1995-1998) – faltaram as redes. A estação da Pavuna, projetada para tratar 1.500 litros por segundo, recebe menos de 200. Na de Sarapuí, com a mesma capacidade, são tratados de 600 a 900 litros/segundo.
A maior delas, a de Alegria, projetada para 5.000 l/s, opera com metade disso. As estações da Pavuna, de Sarapuí e de Alegria foram inauguradas no governo de Anthony Garotinho (1999-2002), e o atual governador, Sérgio Cabral Filho, reinaugurou as duas últimas, com tratamento secundário.
No contrato, estavam previstos 1.248 km de redes coletoras de esgoto e 178 mil ligações domiciliares. Foram executados apenas 603 km de redes e 54 mil ligações até novembro de 2006, segundo o último relatório do BID. De acordo com a Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae), foram instalados 697 km de redes coletoras desde 2007, início da atual gestão – o número de ligações domiciliares, também solicitado pela reportagem, não foi informado.
Denúncias. “Os principais problemas do PDBG foram a falta de transparência, de articulação com os municípios, de regulação da Cedae e, principalmente, a fraude cavalar de fazer as estações sem a rede”, afirma o secretário de Ambiente do Rio, Carlos Minc. Autor de uma série de denúncias de irregularidades em obras do programa enquanto era deputado estadual pelo PT, Minc conseguiu em novembro de 2011 a aprovação no BID de um novo empréstimo de US$ 452 milhões para melhorar a coleta do esgoto despejado na baía.
O PDBG estava tão queimado que o programa mudou de nome para Saneamento Ambiental dos Municípios do Entorno da Baía de Guanabara (PSAM).
Minc afirma que o volume de esgoto tratado no início do governo Cabral, em 2007, era de 20% e chegará a 40% ainda neste semestre. “A nossa meta é chegar a 2014 com 65% e na Olimpíada (em 2016) com 80%”, diz.
O presidente da Cedae, Wagner Victer, apresenta números um pouco diferentes. “Quando entramos (em 2007), era pouco mais de 15% e hoje estamos em quase 50%. Vamos chegar a 80% da baía em 4 anos.” A meta apresentada pelo BID junto com o novo financiamento foi mais conservadora: 80% até 2018.
Um símbolo dos erros do programa é o que ocorreu com a estação de Paquetá. Fora de uso por muito tempo, ficou deteriorada, e o governo desistiu de colocá-la em funcionamento.
“Chegamos à conclusão de que era mais barato passar os tubos por baixo d’água e levar o esgoto para a estação de São Gonçalo”, diz Minc. Mas a de São Gonçalo precisa ser refeita. “Ela foi inaugurada três ou quatro vezes e não funciona até hoje”, conta a engenheira Dora Negreiros, que participou da concepção do PDBG e preside o Instituto Baía de Guanabara.
Lixo. Minc afirma que estações de tratamento ficaram secas por até 13 anos “porque a grana para essas obras vinha de fora”. “Já a grana para fazer redes, conexões, era do Fecam (fundo estadual), que ia para tudo, menos para saneamento e ambiente. Rede é debaixo da terra, o que dá voto é estação. São elefantes brancos, monumentos à incompetência, ao descaso, à ilusão.”
Para Victer, os maiores problemas hoje são o lixo – um dos alvos (e fracassos) do programa original – e o fato de algumas empresas não quererem se conectar à rede de esgoto. “Vamos acabar com todos os lixões do entorno da baía este ano”, promete Minc.
A recuperação ambiental da baía é um dos compromissos assumidos pelo governo para a realização da Olimpíada de 2016.
Publicado originalmente no Estadao.com
Revista Meio Ambiente