quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Mercosul..."bloqueio" ao Paraguai e entrada da Venezuela.

                                  Imagem capturada na Internet (Fonte: Outras Mídias)

A entrada da Venezuela no Mercosul ainda vai ser assunto, por muito tempo, nos principais veículos de comunicação, não só pela atual conjuntura em que foi ratificada e oficializada a sua adesão, sem a participação do Paraguai, como também pela polêmica existente com relação ao presidente venezuelano, Hugo Chávez, isto é, ao seu regime de governo no âmbito da entidade supranacional e no cenário internacional.

Embora, sua entrada no Mercosul (Mercado Comum do Sul) tenha sido aprovada no mês passado e selada no último dia 31 de julho, o seu ingresso oficial ao bloco econômico ocorrerá somente no próximo dia 13 de agosto. Com o seu ingresso, o Mercosul passa a ter 5 países-membros: Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Venezuela.

O protocolo de adesão da Venezuela ao referido bloco econômico já havia sido assinado, desde 2006, por três dos quatro países-membros do Mercosul, ou seja, Brasil, Argentina e Uruguai. O Paraguai foi o único a discordar do seu ingresso e, por isso, não assinou o protocolo, na época.

Em virtude dos últimos acontecimentos no Paraguai, com o impeachment do então presidente Fernando Lugo, aprovado no dia 22 de junho deste ano, o referido país foi suspenso do Mercosul pelos demais membros do blocoeconômico, que consideraram antidemocrático o processo de cassação do governo, tendo em vista que não foi dado o direito de defesa ao ex-presidente, Fernando Lugo. Esta suspensão estará em vigor até abril de 2013, quando estão previstas as novas eleições no país.

Há quem pensa que a suspensão do Paraguai no Mercosul confere a sua saída do bloco. Não. Ele apenas se encontra suspenso das reuniões, discussões e decisões a serem tomadas pelos outros países-membros do bloco econômico.

Com esta suspensão do Paraguai, os três sócios (Brasil, Argentina e Uruguai) decidiram ratificar a adesão da Venezuela ao bloco comercial e, em consequência dos fatos e de sua posição em relação ao mais novo membro, muitos políticos e até a sociedade civil do Paraguai classificaram ilegal o acordo aprovado e firmado entre eles.

A iniciativa foi brasileira, uma vez que até o final do ano, o Brasil exerce a Presidência Pró-Tempore, isto é, ele ocupa o cargo rotativo da Presidência do Conselho do Mercado Comum, órgão decisório do bloco, cabendo a ele - entre outras funções - organizar e exercer o papel de porta-voz nas reuniões ou foros internacionais.

Daí, o Brasil ter sediado a cúpula extraordinária do Mercosul, em Brasília, no dia 31 de julho, com a participação da Dilma Rousseff como atual gestora, dos representantes dos outros dois sócios do bloco, os presidentes Cristina Kirchner (Argentina) e José Mujica (Uruguai) e o próprio presidente Hugo Chávez para selar a entrada de seu país no bloco.

Compete ao Brasil, ainda, na condição de Presidência Pró-Tempore, agilizar todo o processo formal de sua adesão ao bloco, até o final deste ano e início de 2013, segundo as regras do mesmo, que além do livre comércio conta com a Tarifa Externa Comum, que abrange todo o comércio de produtos com outros países.

De acordo com o artigo 12 do Tratado de Assunção e o artigo 5 do Protocolo de Ouro Preto, cada país-membro do Mercosul deve exercer, de forma rotativa, em ordem alfabética e por um período de 6 meses, a Presidência do Conselho do Mercado Comum.

No mesmo dia do seu ingresso ao Mercosul ter sido acordado, em Brasília, o presidente Hugo Chávez consagrou a solenidade com a compra de produtos dos países-membros presentes. Com o nosso país, ele firmou um contrato de compra de 20 aviões da Embraer (aeronaves do tipo 190AR) em um negócio que pode chegar a 900 milhões de dólares. Com a Argentina, o presidente anunciou uma parceria entre a estatal venezuelana de petróleo PDVSA com a YPF e, com o Uruguai, ele acertou uma linha hídrica entre os dois países e sinalizou possíveis acordos automotivos.



Imagem capturada na Internet (Fonte: Exame.com)


A resistência do Paraguai em aceitar a Venezuela como país-membro do Mercosul também foi compartilhada com o Uruguai, mas este último acabou cedendo graças as pressões do Brasil e da Argentina. De acordo com o ministro da Secretaria de Informação e Comunicação do Paraguai, Martín Sannemann, o problema não é com a Venezuela, enquanto nação, mas a linha política e ideológica de seu atual presidente Hugo Chávez, que concentra todo o poder em suas mãos, não respeitando a democracia e nem os direitos humanos.

Segundo o Diretor-Executivo da Organização Internacional Human Rights Watch, José Miguel Vivanco, tanto o Brasil quanto a Argentina e o Uruguai terão a incumbência de pressionar pela mudança no regime político do presidente Hugo Chávez. Caso contrário, eles estarão violando um dos compromissos essenciais do bloco, estabelecido no Protocolo de Assunção, em 2005, acerca da Promoção e Proteção dos Direitos Humanos no Mercosul,

(...) o governo Chávez sistematicamente debilitou as instituição democráticas,
concentrou poder em suas mãos e anulou as garantias
aos direitos humanos nos últimos 13 anos.
Não há uma única instituição no país capaz de controlar o Executivo
- nem mesmo o Supremo Tribunal de Justiça,
transformado em um "apêndice do governo".
"Todas as instituições estão a serviço da agenda do governo de Chávez,
salvo a sociedade civil e a imprensa independente"...

(Denise Chrispim Marin, correspondente em Washington)


Daí, muitos acreditarem que a adesão da Venezuela ao Mercosul assinala um retrocesso à prática democrática, assim como fere a imagem da entidade supranacional no cenário internacional, seja pela sua entrada ao bloco seja pela não participação do Paraguai na votação. Enquanto outros, por sua vez, conseguem desvencilhar deste embate ideológico e ver – através da sua integração - grandes possibilidades de mudanças no regime de governo de Hugo Chávez, bem como, é claro, da abertura e trocas comerciais favoráveis para todas as partes envolvidas.


Afinal, com a entrada da Venezuela, um grande mercado passa a ser incorporado ao grupo e todo o Mercosul passa a ter acesso a reservas minerais e energéticas. A própria presidente Dilma Rousseff afirmou que, com o ingresso da Venezuela, o Mercosul passará a ser uma potência energética.


Para a Venezuela, especificamente, a sua adesão possibilitará a ampliação e diversificação de sua produção, até então, baseada na exploração de petróleo, além desta se beneficiar do ponto de vista alimentar, uma vez que Brasil, Argentina e Uruguai se configuram ainda como grandes produtores agrícolas. Para o Brasil ampliam-se as negociações comerciais, também, com os produtos industrializados brasileiros.



Imagem capturada na Internet (Fonte: Estadão.Com.Br)


Como podemos perceber, as discussões acerca do ingresso da Venezuela no Mercosul pairam sobre duas vertentes, a política, com opiniões divergentes e polêmicas e, a outra, comercial, objetivo principal da integração dos mercados, cujos benefícios pode tornar o Mercosul como o principal bloco comercial da América do Sul.

Só para se ter uma ideia, com a integração da Venezuela, o Mercosul passa a contar com 270 milhões de habitantes (cerca de 70% da população sul-americana), com um PIB (Produto Interno Bruto) na ordem de US$ 3,3 trilhões (83,2% do PIB da América do Sul) e com um território de cerca de 12,8 milhões Km2.

Segundo especialistas, com a entrada da Venezuela, outros países tenderão a ingressar no bloco econômico, sobretudo, aqueles cujos Chefes de Governo já manifestaram interesse ou aqueles sejam alvos dos próprios países-membros do Mercosul. Entre estes, se encontram: o Equador, a Colômbia, o Chile, o Peru e a Bolívia.





Fronteira Supranacional do Mercosul



. Outras Mídias



Apenas para lembrar que a democracia em risco no Paraguai: O poder contra o povo.




Pensávamos que já havíamos deixado para trás a época dos golpes de estado na America do Sul. Praticamente TODOS os países do continente sul-americano sofreram com golpes que retiraram do poder presidentes legitimamente eleitos pelo povo. Mas parece que a história se repete. Novamente.

Após 28 pedidos de abertura de processos de impeachment pela oposição paraguaia, com uma rapidez de um raio, a Câmara paraguaia aprova um processo contra o Presidente Lugo que, também na correria, terá de apresentar sua defesa em duas horas no Senado(leia AQUI e AQUI).

Na realidade, o que ocorre é que, Lugo, vê com bons olhos os movimentos sociais e está colocando em curso, a revisão dos títulos de propriedades terras no Paraguai, com vistas a desapropriação e assentamento dos chamados "carperos" ou os sem-terra daquele país.

Isso é mal visto pelos conservadores, que são a maioria no parlamento. Estes, também, são apoiados pelos latifundiários onde, os brasileiros, possuem vastas extensões de terra. O fato que desencadeou o processo deu-se em decorrência de um confronto ocoorido no interior do Paraguai, onde sem terras e policiais acabaram mortos.

O julgamento (se é que é um julgamento) se baseia em uma acusação um tanto quanto vaga, a de que Lugo, não leva de maneira satisfatória seu mandato.

Se a moda pega, não fica mais no cargo nenhum preisdente da América do Sul e, eu penso, no mundo. Pois é um argumento subjetivo e inespecífico que depende da visão de cada um. Uma pessoa acha que algo é muito bom... mas outra vai achar completamente o contrário.

Idiossincrasias. A democracia não é feita de rupturas e sim de entendimentos.
Pobre Paraguai.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Os Estados Unidos não é tudo aquilo de bom, não mesmo...


A maioria dos pessoas acredita que os Estados Unidos da América seja um país verdadeiramente livre. Um país em que as pessoas têm acesso a tudo que é oferecido pelo capitalismo e pelo liberalismo. Onde a democracia é um bem de todos os seus cidadãos e que, a justiça é plena e vivida por todos, pobres ou ricos, pretos ou brancos.


Mas a realidade é muito, mas muito, distante disso.

Vejam AQUI e AQUI os dez fatos chocantes sobre os Estados Unidos que, de uma forma inequívoca, colocam esta nação em igualdade com qualquer outro país que seja definido como sendo uma ditadura, ou algo parecido.

1. Maior população prisional do mundo
140612 grafico

Elevando-se desde os anos 80, a surreal taxa de encarceramento dos EUA é um negócio e um instrumento de controle social: à medida que o negócio das prisões privadas alastra-se como uma gangrena, uma nova categoria de milionários consolida seu poder político. Os donos destas carcerárias são também, na prática, donos de escravos, que trabalham nas fábricas do interior das prisões por salários inferiores a 50 cents por hora. Este trabalho escravo é tão competitivo, que muitos municípios hoje sobrevivem financeiramente graças às suas próprias prisões, aprovando simultaneamente leis que vulgarizam sentenças de até 15 anos de prisão por crimes menores como roubar chicletes. O alvo destas leis draconianas são os mais pobres, mas, sobretudo, os negros, que representando apenas 13% da população norte-americana, compõem 40% da população prisional do país.

2. 22% das crianças americanas vive abaixo do limiar da pobreza.


Calcula-se que cerca de 16 milhões de crianças norte-americanas vivam sem “segurança alimentar”, ou seja, em famílias sem capacidade econômica para satisfazer os requisitos nutricionais mínimos de uma dieta saudável. As estatísticas provam que estas crianças têm piores resultados escolares, aceitam piores empregos, não vão à universidade e têm uma maior probabilidade de, quando adultos, serem presos.

3. Entre 1890 e 2012, os EUA invadiram ou bombardearam 149 países.


O número de países nos quais os EUA intervieram militarmente é maior do que aqueles em que ainda não o fizeram. Números conservadores apontam para mais de oito milhões de mortes causadas pelo país só no século XX. Por trás desta lista, escondem-se centenas de outras operações secretas, golpes de Estado e patrocínio de ditadores e grupos terroristas. Segundo Obama, recipiente do Nobel da Paz, os EUA conduzem neste momente mais de 70 operações militares secretas em vários países do mundo. O mesmo presidente criou o maior orçamento militar norte-americano desde a Segunda Guerra Mundial, superando de longe George W. Bush.

4. Os EUA são o único país da OCDE que não oferece qualquer tipo de subsídio de maternidade.


Embora estes números variem de acordo com o Estado e dependam dos contratos redigidos por cada empresa, é prática corrente que as mulheres norte-americanas não tenham direito a nenhum dia pago antes ou depois de dar à luz. Em muitos casos, não existe sequer a possibilidade de tirar baixa sem vencimento. Quase todos os países do mundo oferecem entre 12 e 50 semanas pagas em licença maternidade. Neste aspecto, os Estados Unidos fazem companhia à Papua Nova Guiné e à Suazilândia.

5. 125 norte-americanos morrem todos os dias por não poderem pagar qualquer tipo de plano de saúde.


Se não tiver seguro de saúde (como 50 milhões de norte-americanos não têm), então há boas razões para temer ainda mais a ambulância e os cuidados de saúde que o governo presta. Viagens de ambulância custam em média o equivalente a 1300 reais e a estadia num hospital público mais de 500 reais por noite. Para a maioria das operações cirúrgicas (que chegam à casa das dezenas de milhar), é bom que possa pagar um seguro de saúde privado. Caso contrário, a América é a terra das oportunidades e, como o nome indica, terá a oportunidade de se endividar e também a oportunidade de ficar em casa, torcendo para não morrer.

( Nós vemos por aqui as ínúmeras reclamações, e com razão, sobre os problemas enfrentados por que precisa do SUS - Sistema Único de Saúde mas, se levarmos em conta que, nos EUA, nada há... o SUS é um paraíso.)


6. Os EUA foram fundados sobre o genocídio de 10 milhões de nativos. Só entre 1940 e 1980, 40% de todas as mulheres em reservas índias foram esterilizadas contra sua vontade pelo governo norte-americano.


Esqueçam a história do Dia de Ação de Graças com índios e colonos partilhando placidamente o mesmo peru em torno da mesma mesa. A História dos Estados Unidos começa no programa de erradicação dos índios. Tendo em conta as restrições atuais à imigração ilegal, ninguém diria que os fundadores deste país foram eles mesmos imigrantes ilegais, que vieram sem o consentimento dos que já viviam na América. Durante dois séculos, os índios foram perseguidos e assassinados, despojados de tudo e empurrados para minúsculas reservas de terras inférteis, em lixeiras nucleares e sobre solos contaminados.

Em pleno século XX, os EUA iniciaram um plano de esterilização forçada de mulheres índias, pedindo-lhes para colocar uma cruz num formulário escrito em idioma que não compreendiam, ameaçando-as com o corte de subsídios caso não consentissem ou, simplesmente, recusando-lhes acesso a maternidades e hospitais. Mas que ninguém se espante, os EUA foram o primeiro país do mundo oficializar esterilizações forçadas como parte de um programa de eugenia, inicialmente contra pessoas portadoras de deficiência e, mais tarde, contra negros e índios.

7. Todos os imigrantes são obrigados a jurar não ser comunistas para poder viver nos EUA.


Além de ter que jurar não ser um agente secreto nem um criminoso de guerra nazista, vão lhe perguntar se é, ou alguma vez foi membro do Partido Comunista, se tem simpatias anarquista ou se defende intelectualmente alguma organização considerada terrorista. Se responder que sim a qualquer destas perguntas, será automaticamente negado o direito de viver e trabalhar nos EUA por “prova de fraco carácter moral”.

8. O preço médio de uma licenciatura numa universidade pública é 80 mil dólares.


O ensino superior é uma autêntica mina de ouro para os banqueiros. Virtualmente, todos os estudantes têm dívidas astronômicas, que, acrescidas de juros, levarão, em média, 15 anos para pagar. Durante esse período, os alunos tornam-se servos dos bancos e das suas dívidas, sendo muitas vezes forçados a contrair novos empréstimos para pagar os antigos e assim sobreviver. O sistema de servidão completa-se com a liberdade dos bancos de vender e comprar as dívidas dos alunos a seu bel prazer, sem o consentimento ou sequer o conhecimento do devedor. Num dia, deve-se dinheiro a um banco com uma taxa de juros e, no dia seguinte, pode-se dever dinheiro a um banco diferente com nova e mais elevada taxa de juro. Entre 1999 e 2012, a dívida total dos estudantes norte-americanos cresceu à marca dos 1,5 trilhões de dólares, elevando-se assustadores 500%.

9. Os EUA são o país do mundo com mais armas: para cada dez norte-americanos, há nove armas de fogo.


Não é de se espantar que os EUA levem o primeiro lugar na lista dos países com a maior coleção de armas. O que surpreende é a comparação com outras partes do mundo: no restante do planeta, há uma arma para cada dez pessoas. Nos Estados Unidos, nove para cada dez. Nos EUA podemos encontrar 5% de todas as pessoas do mundo e 30% de todas as armas, algo em torno de 275 milhões. Esta estatística tende a se elevar, já que os norte-americanos compram mais de metade de todas as armas fabricadas no mundo.

10. Há mais norte-americanos que acreditam no Diabo do que os que acreditam em Darwin.


A maioria dos norte-americanos são céticos. Pelo menos no que toca à teoria da evolução, já que apenas 40% dos norte-americanos acreditam nela. Já a existência de Satanás e do inferno soa perfeitamente plausível a mais de 60% dos norte-americanos. Esta radicalidade religiosa explica as “conversas diárias” do ex-presidente Bush com Deus e mesmo os comentários do ex-pré-candidato republicano Rick Santorum, que acusou acadêmicos norte-americanos de serem controlados por Satã.

Pois aqui vemos um pouco do que não vemos. Quer dizer, nos é vendida a imagem do EUA como sendo um país livre e igualitário, onde há oportunidades para todos. Mas a realidade é bem diferente.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

A Política Sul-americana.




Samuel Pinheiro Guimarães (*)
ESTADOS UNIDOS, VENEZUELA E PARAGUAI
A política externa norte-americana na América do Sul sofreu as consequências totalmente inesperadas da pressa dos neogolpistas paraguaios em assumir o poder, com tamanha voracidade que não podiam aguardar até abril de 2013, quando serão realizadas as eleições, e agora articula todos os seus aliados para fazer reverter a decisão de ingresso da Venezuela. A questão do Paraguai é a questão da Venezuela, da disputa por influência econômica e política na América do Sul. O artigo é de Samuel Pinheiro Guimarães.
Samuel Pinheiro Guimarães – Especial para a Carta Maior
1. Não há como entender as peripécias da política sul-americana sem levar em conta a política dos Estados Unidos para a América do Sul. Os Estados Unidos ainda são o principal ator político na América do Sul e pela descrição de seus objetivos devemos começar.
2. Na América do Sul, o objetivo estratégico central dos Estados Unidos, que apesar do seu enfraquecimento continuam sendo a maior potência política, militar, econômica e cultural do mundo, é incorporar todos os países da região à sua economia. Esta incorporação econômica leva, necessariamente, a um alinhamento político dos países mais fracos com os Estados Unidos nas negociações e nas crises internacionais.
3. O instrumento tático norte-americano para atingir este objetivo consiste em promover a adoção legal pelos países da América do Sul de normas de liberalização a mais ampla do comércio, das finanças e investimentos, dos serviços e de “proteção” à propriedade intelectual através da negociação de acordos em nível regional e bilateral.
4. Este é um objetivo estratégico histórico e permanente. Uma de suas primeiras manifestações ocorreu em 1889 na I Conferência Internacional Americana, que se realizou em Washington, quando os EUA, já então a primeira potência industrial do mundo, propuseram a negociação de um acordo de livre comércio nas Américas e a adoção, por todos os países da região, de uma mesma moeda, o dólar.
5. Outros momentos desta estratégia foram o acordo de livre comércio EUA-Canadá; o NAFTA (Área de Livre Comércio da América do Norte, incluindo além do Canadá, o México); a proposta de criação de uma Área de Livre Comércio das Américas – ALCA e, finalmente, os acordos bilaterais com o Chile, Peru, Colômbia e com os países da América Central.
6. Neste contexto hemisférico, o principal objetivo norte-americano é incorporar o Brasil e a Argentina, que são as duas principais economias industriais da América do Sul, a este grande “conjunto” de áreas de livre comércio bilaterais, onde as regras relativas ao movimento de capitais, aos investimentos estrangeiros, aos serviços, às compras governamentais, à propriedade intelectual, à defesa comercial, às relações entre investidores estrangeiros e Estados seriam não somente as mesmas como permitiriam a plena liberdade de ação para as megaempresas multinacionais e reduziria ao mínimo a capacidade dos Estados nacionais para promover o desenvolvimento, ainda que capitalista, de suas sociedades e de proteger e desenvolver suas empresas (e capitais nacionais) e sua força de trabalho.
7. A existência do Mercosul, cuja premissa é a preferência em seus mercados às empresas (nacionais ou estrangeiras) instaladas nos territórios da Argentina, do Brasil, do Paraguai e do Uruguai em relação às empresas que se encontram fora desse território e que procura se expandir na tentativa de construir uma área econômica comum, é incompatível com objetivo norte-americano de liberalização geral do comércio de bens, de serviços, de capitais etc que beneficia as suas megaempresas, naturalmente muitíssimo mais poderosas do que as empresas sul-americanas.
8. De outro lado, um objetivo (político e econômico) vital para os Estados Unidos é assegurar o suprimento de energia para sua economia, pois importam 11 milhões de barris diários de petróleo sendo que 20% provêm do Golfo Pérsico, área de extraordinária instabilidade, turbulência e conflito.
9. As empresas americanas foram responsáveis pelo desenvolvimento do setor petrolífero na Venezuela a partir da década de 1920. De um lado, a Venezuela tradicionalmente fornecia petróleo aos Estados Unidos e, de outro lado, importava os equipamentos para a indústria de petróleo e os bens de consumo para sua população, inclusive alimentos.
10. Com a eleição de Hugo Chávez, em 1998, suas decisões de reorientar a política externa (econômica e política) da Venezuela em direção à América do Sul (i.e. principal, mas não exclusivamente ao Brasil), assim como de construir a infraestrutura e diversificar a economia agrícola e industrial do país viriam a romper a profunda dependência da Venezuela em relação aos Estados Unidos.
11. Esta decisão venezuelana, que atingiu frontalmente o objetivo estratégico da política exterior americana de garantir o acesso a fontes de energia, próximas e seguras, se tornou ainda mais importante no momento em que a Venezuela passou a ser o maior país do mundo em reservas de petróleo e em que a situação do Oriente Próximo é cada vez mais volátil.
12. Desde então desencadeou-se uma campanha mundial e regional de mídia contra o Presidente Chávez e a Venezuela, procurando demonizá-lo e caracterizá-lo como ditador, autoritário, inimigo da liberdade de imprensa, populista, demagogo etc. A Venezuela, segundo a mídia, não seria uma democracia e para isto criaram uma “teoria” segundo a qual ainda que um presidente tenha sido eleito democraticamente, ele, ao não “governar democraticamente”, seria um ditador e, portanto, poderia ser derrubado. Aliás, o golpe já havia sido tentado em 2002 e os primeiros lideres a reconhecer o “governo” que emergiu desse golpe na Venezuela foram George Walker Bush e José María Aznar.
13. À medida que o Presidente Chávez começou a diversificar suas exportações de petróleo, notadamente para a China, substituiu a Rússia no suprimento energético de Cuba e passou a apoiar governos progressistas eleitos democraticamente, como os da Bolívia e do Equador, empenhados em enfrentar as oligarquias da riqueza e do poder, os ataques redobraram orquestrados em toda a mídia da região (e do mundo).
14. Isto apesar de não haver dúvida sobre a legitimidade democrática do Presidente Chávez que, desde 1998, disputou doze eleições, que foram todas consideradas livres e legítimas por observadores internacionais, inclusive o Centro Carter, a ONU e a OEA.
15. Em 2001, a Venezuela apresentou, pela primeira vez, sua candidatura ao Mercosul. Em 2006, após o término das negociações técnicas, o Protocolo de adesão da Venezuela foi assinado pelos Presidentes Chávez, Lula, Kirchner, Tabaré e Nicanor Duarte, do Paraguai, membro do Partido Colorado. Começou então o processo de aprovação do ingresso da Venezuela pelos Congressos dos quatro países, sob cerrada campanha da imprensa conservadora, agora preocupada com o “futuro” do Mercosul que, sob a influência de Chávez, poderia, segundo ela, “prejudicar” as negociações internacionais do bloco etc. Aquela mesma imprensa que rotineiramente criticava o Mercosul e que advogava a celebração de acordos de livre comércio com os Estados Unidos, com a União Européia etc, se possível até de forma bilateral, e que considerava a existência do Mercosul um entrave à plena inserção dos países do bloco na economia mundial, passou a se preocupar com a “sobrevivência” do bloco.
16. Aprovado pelos Congressos da Argentina, do Brasil, do Uruguai e da Venezuela, o ingresso da Venezuela passou a depender da aprovação do Senado paraguaio, dominado pelos partidos conservadores representantes das oligarquias rurais e do “comércio informal”, que passou a exercer um poder de veto, influenciado em parte pela sua oposição permanente ao Presidente Fernando Lugo, contra quem tentou 23 processos de “impeachment” desde a sua posse em 2008.
17. O ingresso da Venezuela no Mercosul teria quatro consequências: dificultar a “remoção” do Presidente Chávez através de um golpe de Estado; impedir a eventual reincorporação da Venezuela e de seu enorme potencial econômico e energético à economia americana; fortalecer o Mercosul e torná-lo ainda mais atraente à adesão dos demais países da América do Sul; dificultar o projeto americano permanente de criação de uma área de livre comércio na América Latina, agora pela eventual “fusão” dos acordos bilaterais de comércio, de que o acordo da Aliança do Pacifico é um exemplo.
18. Assim, a recusa do Senado paraguaio em aprovar o ingresso da Venezuela no Mercosul tornou-se questão estratégica fundamental para a política norte americana na América do Sul.
19. Os líderes políticos do Partido Colorado, que esteve no poder no Paraguai durante sessenta anos, até a eleição de Lugo, e os do Partido Liberal, que participava do governo Lugo, certamente avaliaram que as sanções contra o Paraguai em decorrência do impedimento de Lugo, seriam principalmente políticas, e não econômicas, limitando-se a não poder o Paraguai participar de reuniões de Presidentes e de Ministros do bloco.
Feita esta avaliação, desfecharam o golpe. Primeiro, o Partido Liberal deixou o governo e aliou-se aos Colorados e à União Nacional dos Cidadãos Éticos – UNACE e aprovaram, a toque de caixa, em uma sessão, uma resolução que consagrou um rito super-sumário de “impeachment”.
Assim, ignoraram o Artigo 17 da Constituição paraguaia que determina que “no processo penal, ou em qualquer outro do qual possa derivar pena ou sanção, toda pessoa tem direito a dispor das cópias, meios e prazos indispensáveis para apresentação de sua defesa, e a poder oferecer, praticar, controlar e impugnar provas”, e o artigo 16 que afirma que o direito de defesa das pessoas é inviolável.
20. Em 2003, o processo de impedimento contra o Presidente Macchi, que não foi aprovado, levou cerca de 3 meses enquanto o processo contra Fernando Lugo foi iniciado e encerrado em cerca de 36 horas. O pedido de revisão de constitucionalidade apresentado pelo Presidente Lugo junto à Corte Suprema de Justiça do Paraguai sequer foi examinado, tendo sido rejeitado in limine.
21. O processo de impedimento do Presidente Fernando Lugo foi considerado golpe por todos os Estados da América do Sul e de acordo com o Compromisso Democrático do Mercosul o Paraguai foi suspenso da Unasur e do Mercosul, sem que os neogolpistas manifestassem qualquer consideração pelas gestões dos Chanceleres da UNASUR, que receberam, aliás, com arrogância.
22. Em consequência da suspensão paraguaia, foi possível e legal para os governos da Argentina, do Brasil e do Uruguai aprovarem o ingresso da Venezuela no Mercosul a partir de 31 de julho próximo. Acontecimento que nem os neogolpistas nem seus admiradores mais fervorosos – EUA, Espanha, Vaticano, Alemanha, os primeiros a reconhecer o governo ilegal de Franco – parecem ter previsto.
23. Diante desta evolução inesperada, toda a imprensa conservadora dos três países, e a do Paraguai, e os líderes e partidos conservadores da região, partiram em socorro dos neogolpistas com toda sorte de argumentos, proclamando a ilegalidade da suspensão do Paraguai (e, portanto, afirmando a legalidade do golpe) e a inclusão da Venezuela, já que a suspensão do Paraguai teria sido ilegal.
24. Agora, o Paraguai procura obter uma decisão do Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul sobre a legalidade de sua suspensão do Mercosul enquanto, no Brasil, o líder do PSDB anuncia que recorrerá à justiça brasileira sobre a legalidade da suspensão do Paraguai e do ingresso da Venezuela.
25. A política externa norte-americana na América do Sul sofreu as consequências totalmente inesperadas da pressa dos neogolpistas paraguaios em assumir o poder, com tamanha voracidade que não podiam aguardar até abril de 2013, quando serão realizadas as eleições, e agora articula todos os seus aliados para fazer reverter a decisão de ingresso da Venezuela.
26. Na realidade, a questão do Paraguai é a questão da Venezuela, da disputa por influência econômica e política na América do Sul e de seu futuro como região soberana e desenvolvida.
(*) Embaixador