domingo, 29 de julho de 2012

Entendendo o interior da Terra III

Islândia: Um Laboratório Natural para conhecer a Dinâmica Interna e Externa da Terra

Localização da Islândia - Imagem capturada na Internet (Fonte:luventicus.org)

Vamos conhecer um pouco acerca da geografia e da dinâmica ambiental da Islândia..
A República da Islândia não é uma nação qualquer. Com uma área de cerca de 103.000 Km², este país europeu, insular (ilha), localizado a noroeste da Europa, no oceano Atlântico Norte, firma-se como a nação com maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), ou seja, com o mais elevado nível de qualidade de
vida do mundo (0,968 - Dados de 2006, publicados em 2008).
Um país, cuja dinâmica ambiental é bastante perceptível através da complexa relação de forças antagônicas da matureza, ora sob as influências das forças exógenas ora sob as influências das forças endógenas da Terra. Precipatação nival (neve) e convecção do magma na superfície, interagindo, numa combinação incessante.
Devido a isso, muitos consideram a Islândia como um rico laboratório natural, capaz de oferecer elementos e de apresentar fenômenos que possam subsidiar a compreensão da dinâmica interna da Terra e, principalmente, acerca da tectônica de placas.
A ilha tem sua origem ligada ao movimento divergente (afastamento) de duas placas, isto é, entre as placas Euroasiática e a Norte-americana. E, sobretudo, à formação da Dorsal Meso-Atlântica, que é uma cordilheira vulcânica submarina, construída pelos diversos derrames de lavas (empilhamento de lavas). Ela se estende do oceano Atlântico ao oceano Glacial Ártico. A Islândia, na verdade, se encontra posicionada no centro desta cordilheira, entre os limites das placas citadas. Ela corresponde ao ponto da cordilheira emerso.


Imagem capturada na Internet (Google)


Imagem capturada na Internet (Google)


Maior detalhe - Imagem capturada na Internet - Fonte: CPRM

Imagem capturada na Internet - Fonte: CPRM

Daí, a ocorrência de muitos vulcões (Hekla, Eldgjá, Laki, Eldfell etc.), fontes de águas quentes (geotermais) e gêiseres em sua área territorial (102 819 km²).
A força geotérmica presente no país, bem como a sua rede hidrográfica, com diversos rios e cachoeiras em seu território possibilita um maior aproveitamento da água e da energia produzida por estes.
Com uma população em torno de 322. 691 habitantes, a densidade demográfica na Islândia , como é de se esperar, é baixa, com cerca de 3 hab/Km² (dados de 2009). Sua capital é Reykjavík, onde há maior concentração populacional, é considerada a mais setentrional do mundo.
Assim como em outras regiões da zona Polar Ártica, o clima representa um obstáculo à ocupação humana.
O planalto central é a região que apresenta as temperaturas mais baixas. Em geral, as temperaturas nas costas são mais elevadas, mas há uma significativa diferença entre as costas norte e sul. Sob a influência da corrente quente do Golfo, a costa sul é mais quente e úmida (a corrente ameniza o clima). Em razão disso, a neve é mais comum no norte do que no sul.
Aliado a estas características climáticas, não podemos esquecer a instabilidade gerada por sua localização sobre a Dorsal Meso Atlântica.
As imagens abaixo foram capturadas através do IBGEpaíses@
Fenda entre as placas (movimento divergente) - Foto: Bjartur Snorranson

Reykjavík (Capital) - Fonte: www.icetourist.is

Reykjavík (Capital) - Foto: Elisa Locci

Islândia - Foto: Erikur Kristjansson

Islândia - Fonte: MDD


Gêiser - Fonte: www.icetourist.is


Islândia, próximo à cidade de Hvergerai - Fonte: www.icetourist.is


Aurora Boreal - Fonte: www.icetourist.is


Uma matéria muito interessante e enriquecedora acerca da Islândia foi produzida pelo History Channel (Como Nasceu Nosso Planeta). Como o documentário é extenso, vocês podem encontrá-lo em partes, no site YouTube, em 5 vídeos.
Vale a pena assistir para conhecer, mais profundamente, este país onde as forças da natureza pulsam e se manifestam diariamente. Confiram através dos acessos abaixo:

http://www.youtube.com/watch?v=NvTPoOxAusw

http://www.youtube.com/watch?v=xVAfjaso1IM&feature=relmfu

http://www.youtube.com/watch?v=zt5IPeRRKCE&feature=relmfu

http://www.youtube.com/watch?v=EgMLQvljST0&feature=relmfu

http://www.youtube.com/watch?v=ULoVSSuCsZg&feature=relmfu

Fontes:

Cuba sem Fidel Castro


O início do fim
José Flávio Sombra
PhD pela Universidade de Birmingham, Inglaterra, é professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB).

O gesto de renúncia do líder cubano Fidel Castro, depois de quase meio século no poder, não é isolado e solitário. É gesto calculado e compõe moldura mais ampla das transformações mais abrangentes que ocorrem naquele país caribenho. Corresponde ao movimento desencadeado há quase dois anos, quando de sua licença por motivos médicos. Inicia-se uma transição: do fim do regime político que emergiu no contexto da Guerra Fria para uma nova tessitura política de adaptação ao mundo no qual vivemos.

A renúncia tem significado relevante e não pode ser classificada apenas como ato cosmético ou pantomímico. Em primeiro lugar, tem impacto na vida dos cubanos que habitam a ilha. Fidel é líder carismático, apesar dos reparos que muitos cubanos podem fazer ao papel de liderança vertical imposta pela Revolução Cubana. Sua saída formal da gestão do Estado foi, aos milímetros, calculada para não matar o totem, mantendo-o como força espiritual de uma transição espinhosa que se avizinha.

A transição de regime fica refém do líder carismático e do grupo político que a maneja, na lógica da mudança de dentro para fora, igualmente pacífica e adaptativa aos novos tempos. Há uma liderança jovem, de funcionários do Estado e das empresas públicas cubanas, que percorreram o mundo nos últimos anos e acompanham as transformações globais. Sabem que não há sobrevivência econômica do regime atual sem aggiornamento político. É em favor dessas lideranças, fiéis a Fidel e criadas nas últimas décadas do regime, que a transição se fará. E na migração de poder político carismático para o estamento burocrático, a figura de Fidel segue tendo um peso expressivo na balança.

Em segundo lugar, há sinalização valiosa da renúncia para o vizinho complicado, os Estados Unidos. Indica Fidel às lideranças de Washington que a transição deverá ser conduzida com capacidade decisória nacional, sem intervenções ou defecções políticas que contaminem as relações Cuba-Estados Unidos além do nível que elas já alcançaram em outros tempos.

A maneira em torno da qual o cronograma de transferência gradual do poder se faz em Cuba sugere a máxima geiseliana da transição gradual. É também forma de administrar, em parte, os contenciosos com os Estados Unidos. É deixar claro ao gigante que o pequeno não quer desafio à sua soberania e à sua capacidade de conduzir, a bom termo, não apenas a transição de agora, mas seu próprio futuro como nação adaptada ao século 21. Reconcilia-se, assim, o ideário romântico e nacionalista cubano, um vetor histórico da ilha, mesmo antes da Revolução Cubana, com os desafios do futuro da cooperação necessária com os Estados Unidos.

Para completar o quadro, o gesto realiza-se no momento da elucidação dos pontos de vista dos candidatos às prévias republicanas e democratas na luta pela Casa Branca. Sugere Fidel ao futuro vencedor da contenda nos Estados Unidos, e para seu eleitorado, que há uma possibilidade de avançar agenda mais cooperativa, desde que o embargo seja reconsiderado.

Em terceiro lugar, e finalmente, há uma forte sinalização para a sociedade internacional no gesto do longevo líder cubano. No início do novo século, no qual uma revolução subterrânea encerrou, em parte, os sonhos solidários do século 20 (do qual o socialismo fez parte, no leque de proposições filosóficas, políticas e econômicas), Fidel rende-se à necessidade de maior adaptação às regras do jogo internacional e à economia política da globalização.

Normalizar relações com a comunidade internacional, sair do isolamento auto-imposto pelas circunstâncias duras da Guerra Fria, avançar uma agenda no campo da liberalização política, encaminhar melhor o espinhoso tema dos direitos humanos, aceitar melhor as polarizações políticas legítimas internas, são aspectos da nova agenda internacional de Cuba. A nova diplomacia cubana, mais jovem e encarnada em rósea idéia de revisão dos velhos paradigmas, confere esperança à transição que se inicia nos dias de hoje na ilha caribenha.

Acompanhar a transição cubana nos próximos tempos é exercício de futurologia incerto. Mas certas verdades já se fazem notar: os ganhos sociais e cidadãos acumulados não serão jogados na lixeira da história, mas redesenhados na forma da inclusão da ilha no sistema democrático moderno, na sociedade global, mas a manter o patrimônio do “ser cubano”. Este “ser”, ao explicitar forma de agir e desafiar o grande, tem todas as condições de ser recriado na ilha não mais apenas de Fidel.
http://www.secom.unb.br/artigos/at0208-02.htm 

Yellowstone, o supervulcão.


No noroeste dos Estados Unidos existe um vulcão, que dificilmente é reconhecível como tal simplesmente devido ao seu tamanho descomunal. Se esse monstro despertasse, toda a humanidade seria afetada. Ficção científica? Não. Pesquisadores já registram sinais preocupantes
Por Ute Eberle
YELLOWSTONE os visitantes ficam fascinados com a bizarra paisagem do Parque Nacional. Micróbios amantes do calor conferem à nascente Grand Prismatic Spring suas cores irreais. A fonte geotérmica é aquecida por um gigantesco braseiro que pode explodir a qualquer momento

Um dia após o Natal, em 26 de dezembro de 2008, os aparelhos sismológicos ao redor do Parque Nacional de Yellowstone, no noroeste dos Estados Unidos, subitamente enlouquecem. Em geral, eles registram, no máximo, 3.000 minitremores por ano, mas agora são 500 em uma semana.

Somente poucas pessoas visitam o Parque Nacional nesses dias escuros de inverno, embora a maioria dos abalos seja tão sutil que os visitantes nem os percebam. É apenas um ronco, lá no fundo da Terra. Mas os instrumentos captam o grande murmúrio e enviam os dados 500 quilômetros mais para o sul, até a Universidade de Utah, onde geólogos os avaliam o mais rápido possível.

Uma parte do trabalho deles pode ser acessada publicamente pela Internet e, assim, não tarda até que os primeiros e-mails nervosos cheguem até Jake Lowenstern, o encarregado das pesquisas sismológicas no parque. A ameaça de perigo é grande? Surgem boatos de evacuação da reserva. Eles são infundados? Para onde se poderia fugir?

Três milhões de pessoas visitam anualmente o Parque Nacional mais antigo dos Estados Unidos. Elas fotografam os bisões e cervos Wapiti, que perambulam por lá, e sonham em avistar ursos pardos, lobos e linces. Mas todas vêm, principalmente, por causa dos gêiseres, os fervilhantes buracos de lama, as fontes termais escaldantes.

Mais de 10 mil pontos no parque borbulham, soltam colunas de vapor e fedem, ou lançam enormes jatos de água, que brotam da terra, até 100 m de altura. A paisagem é tão surreal e hostil, que uma pessoa imediatamente pensa no Inferno e no Juízo Final, admitiu um pioneiro do século XIX.

ELE NÃO IMAGINOU o quanto se aproximou da verdade com isso, pois em Yellowstone cochila um monstro de proporções Bíblicas.

Oito quilômetros abaixo dos pés dos visitantes situa-se uma das mais gigantescas câmaras de magma do mundo, com uma extensão de 2.500 Km2 quadrados, 8 Km de espessura e cheia de uma mistura de gases, rochas sólidas e líquidas, a mais de 800 ºC. Em resumo: Yellowstone nada mais é do que um vulcão gigantesco. Mas não um comum. Aqui, procura-se em vão por um cone e, à primeira vista, nem uma cratera parece existir. Durante muito tempo, foram apenas os depósitos de cinzas, de mais 1 m de altura, e o constante borbulhar de lagos quentes que chamaram a atenção dos geólogos. Ao longo dos anos eles mediram e analisaram as rochas, até que fotos tiradas por satélites confirmaram o que era difícil perceber do chão: vastas áreas do parque, bem como regiões além dele, ao todo 4000 Km2, formam a cratera de um vulcão.

Melhor dizendo: a cratera de um supervulcão.

Sua erupção mais violenta até hoje ocorreu há 2,1 milhões de anos. Naquela época, ele cuspiu folgados 2.500 Km3 de rochas e lava incandescente (chamada magma, enquanto ainda se encontra no interior da Terra). Isso corresponde a um cubo, com uma aresta de 13,5 Km de comprimento. Maior que o Monte Everest. Material suficiente para enterrar um país do tamanho da Alemanha 7 m abaixo do chão.

O vulcão entrou novamente em erupção há 1,3 milhão de anos, e depois há 640 mil anos. Nas duas ocasiões espalhou cerca de metade de toda essa lava e dessas cinzas pela paisagem. Desde então, 80 erupções menores encheram a rotina desse lugar de tal forma, que a maioria dos visitantes de Yellowstone nem se dá conta de estar dentro de um vulcão.

A última explosão (inofensiva, em comparação com as três supererupções) ocorreu há 70 mil anos. Entretanto, não são apenas tremores como o de dezembro de 2008 que mostram claramente que o gigante ainda está ativo. No dia 17 de agosto de 1959, a terra no parque tremeu tão violentamente, que 28 pessoas morreram, 19 delas em um fenomenal deslizamento de terra. Um deslocamento tão potente, que os corpos das vítimas nunca foram encontrados. E, em 1989, uma explosão hidrotérmica detonou blocos de rochas pelo ar, em altitudes de até 60 m.

Medições mostram que o terreno do parque se ergue e afunda, como a caixa torácica de um gigante que respira. Por ano as vezes se levanta em 9 mm passando a 14. Há pouco chegou até seis cm, o máximo desde o início das avaliações sistemáticas.

Para os geólogos, é inquestionável que o vulcão Yellowstone explodirá novamente. A questão é: quando, e com que frequência?

Vulcões são pontos onde a camada externa de nosso planeta se rompe, e seu interior, em forma de magma incandescente, brota para fora. Em escala mundial, existem mil regiões desse gênero (e, provavelmente, há muito mais nas profundezas dos oceanos).


ALGUNS VULCÕES irrompem a cada 20 min, como na ilha italiana de Stromboli. Outros ficam adormecidos durante milênios, mas subitamente devastam tudo à sua volta em uma única e descomunal explosão, como o monstro do Parque de Yellowstone. E há sempre o nascimento de novas montanhas de fogo.

Pesquisadores definem a intensidade de uma erupção em uma escala de zero a nove (na qual cada ponto equivale a uma potência de dez vezes mais que a anterior), e como é avaliada nesse sistema, depende, consequentemente, de dois fatores: da quantidade de material expelido, bem como da altura da coluna de fumaça.

ANTES QUE OCORRA UMA ERUPÇÃO, o magma derretido geralmente se acumula em uma câmara magmática, muitos quilômetros abaixo da superfície terrestre. Esse material viscoso normalmente contém gases letais, entre eles ácido sulfídrico ou dióxido de carbono, mas devido à sua consistência ele não consegue ascender imediatamente. Dessa forma, cria-se uma enorme pressão embaixo da superfície terrestre, capaz de erguer o chão dezenas de metros, até que a crosta rochosa não consiga mais resistir à sua força.

Quando a camada superior se rompe, os gases são liberados e o magma espuma e borbulha para fora como de uma garrafa de refrigerante sacudida. Muitas vezes, fragmentos de rochas são lançados ao ar com fúria descomunal, a velocidades de centenas de quilômetros por hora.

Paralelamente à lava, montanhas de fogo frequentemente liberam rios piroclásticos de gases escaldantes e partículas rochosas incandescentes, que descem pelos flancos vulcânicos com a dinâmica de um furacão. Foi o que aconteceu em 79 d.C., na erupção do Vesúvio, quando cinzas e lava incandescentes cobriram a cidade de Pompeia.

Quando as erupções derretem neve ou quando chove muito forte, podem-se formar também imensos lahares (lahar significa avalanche, em javanês), rios escaldantes de cinzas e lama, com a consistência de concreto molhado. Rios de lava, lahares, fluxos piroclásticos, gases tóxicos, tsunamis e outras consequências de erupções vulcânicas já custaram a vida de milhões de pessoas.

Muitas dessas erupções ricas em efeitos colaterais registraram uma intensidade entre três e seis, na escala eruptiva. Em 1985, o vulcão colombiano Nevado del Ruiz, por exemplo, lançou um total de 0,01 Km3 de material, uma erupção de classe três. Naquela época, os lahares mataram cerca de 25.000 pessoas.

NA ERUPÇÃO DO MONTE SANTA HELENA, nos EUA, em 1980, 1 Km3 de cinzas e lava explodiram montanha afora: cinco pontos na escala de intensidade. E, em 1883, quando o Krakatoa, ao sul da ilha de Sumatra, na Indonésia, voou pelos ares, cuspindo 20 Km3 de detritos do interior da Terra, ocorreu uma rara erupção de classe seis. Foram registradas 36 mil mortes.

Mas isso é apenas um centésimo do potencial de uma supererupção.

De acordo com a definição mais corrente, uma explosão com a magnitude de uma uma supererupção lançaria pelos ares pelo menos 1000 km3 de material de uma só vez, atingindo uma intensidade de classe oito. E isso ocorre quando, bem perto da superfície, há um acúmulo de magma viscoso enriquecido com gases em quantidade excepcional.

Mas o que uma supererupção provocaria hoje?

Se o vulcão embaixo de Yellowstone explodisse novamente com a mesma fúria de há 2,1 milhões de anos, é provável que poucas pessoas, em um raio de 100 km da cratera, sobrevivessem. Até carros seriam lerdos demais para escapar da velocidade dos rios piroclásticos, de até 400 km/h.

A uma distância de 200 km, ainda choveria cinzas, em precipitação tão espessa quanto a de uma nevasca. O céu escureceria de tal maneira que durante dias, ou até semanas, a região ficaria mergulhada em noite ou penumbra, inclusive ao meio-dia. As cinzas bloqueariam os encanamentos sanitários, os celulares não funcionariam mais, e todos os geradores ficariam selados, como colados. Muitos rios deixariam de fluir, entupidos com lama de cinzas.

E a 300 km de distância, a camada de cinzas ainda chegaria à altura dos joelhos, as casas correriam risco de desabar na próxima chuva devido ao peso da mistura de água com cinzas sobre seus telhados. O material lançado durante a erupção vulcânica cobriria os campos e as lavouras das Grandes Planícies, o celeiro dos EUA. Animais domésticos morreriam; e, desprovidos da adequada proteção respiratória, incontáveis seres humanos também.

O inverno vulcânico duraria vários anos, e arruinaria colheitas em países distantes. A consequência disso seria a fome em proporções mundiais. Direta ou indiretamente, mais de um bilhão de pessoas poderia morrer em uma supererupção, presumem pesquisadores e analistas de catástrofes.

Geólogos já encontraram vulcões com potencial eruptivo de 1000 km3 na Argentina, no Chile, no Iêmen e na Nova Zelândia, entre outros. Porém nenhum na Europa. Nem os campos inflamáveis perto de Nápoles, na Itália, têm o potencial para uma erupção de classe oito.

O maior supervulcão descoberto por pesquisadores até agora, e o único com potencial eruptivo de classe nove, fica no sudoeste do Estado do Colorado, EUA. Depósitos de cinzas evidenciam que, há cerca de 28 milhões de anos, 5.000 km3 de magma voaram pelos ares, diretamente da Caldeira La Garita, duas vezes mais que na mais violenta explosão da montanha de fogo de Yellowstone.

Muitos desses vulcões estão ativos até hoje, mas felizmente as supererupções são raras. Segundo cálculos recentes da Sociedade Geológica de Londres, o mundo só tem de contar com uma catástrofe natural desse gênero a cada 100 mil anos. Por outro lado, essa probabilidade mantém-se cinco vezes maior que o impacto de um gigantesco meteorito, que ameaçaria toda a civilização. "A longo prazo, uma supererupção é inevitável escrevem os geólogos, ela pode acontecer em 10 mil anos, ou amanhã, e, no pior caso, ameaçará toda a nossa espécie".

O ser humano não tem como impedir um cataclismo desses. Nem ao menos é certo que possamos prever uma supererupção de forma precisa. Será que o vulcão tremeria e se deformaria durante meses antes de uma explosão, como muitos geólogos acreditam? Ou tudo aconteceria tão rápido que não seria possível tomar nenhuma medida preventiva, como a evacuação de uma vasta área?

Ao menos em Yellowstone a situação parece ter se acalmado novamente, por enquanto. Depois de 813 consideráveis abalos sísmicos, no início de janeiro de 2009 o vulcão silenciou seus rugidos. Agora ele voltou a estremecer normalmente. O gigante adormeceu.

O que ninguém sabe é por quanto tempo.

OS QUATRO TIPOS DE MONTANHAS DE FOGO
Conforme a composição do magma, surgem vulcões diferentes


ONDE NASCEM OS VULCÕES
Montanhas de fogo surgem em todo lugar aonde o magma quente chega à superfície terrestre

Revista GEO

Entendendo o interior da Terra II




Cientistas demonstram que no interior da Terra existem jorros de lava muito profundos. Eles nascem no núcleo e sobem até a base dos continentes e oceanos.
por Flávio Dieguez
A gigantesca coluna de rochas fluidas e ardentes sobe direto do núcleo quentíssimo do planeta até bater no teto, ou seja, nas camadas duras e frias da crosta terrestre. Aí, ativa vulcões, deforma massas rochosas, cria montanhas, ergue planaltos e faz arquipélagos inteiros brotarem no meio do mar. Até este ano, os movimentos subterrâneos de lava mais profundos que se conheciam eram os que aconteciam até 500 quilômetros de profundidade, apenas. Mas diversas pesquisas recentes comprovaram que também existem, lá embaixo, torrentes rochosas muito mais profundas, batizadas de superplumas.
Uma delas, localizada sob a África, nasce 3 000 quilômetros abaixo da superfície, no núcleo da Terra. Em março, ela foi mapeada pelos sismologistas americanos Jeroen Ritsema e Hendrik van Hijst, do Instituto de Tecnologia da Califórnia, nos Estados Unidos. Eles confirmaram medidas anteriores, menos precisas, realizadas no ano passado pelos geofísicos Norman Sleep, da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, e Cynthia Ebinger, da Universidade de Londres, na Inglaterra. “As superplumas têm papel decisivo para a Geologia”, disse Sleep à SUPER. “Além da que observamos sob a África, parece haver uma outra debaixo do Oceano Pacífico, na região do Havaí.”
Para o cientistas, esses rios de lava são engrenagens que mantêm o planeta ativo, geologicamente, e não morto como a Lua e Marte. Nesse esquema, a camadas internas do planeta funcionam como um depósito de calor, pois estão aquecidas a cerca de 3 000 graus Celsius, na sua parte mais profunda. Essa energia flui o tempo todo para a superfície, em grande parte acompanhando a ascensão das superplumas até a base dos continentes e oceanos. Na crosta, finalmente, o ardor interno toma a forma de abalos sísmicos, explosões vulcânicas e outros desastres que, apesar das conseqüências terríveis que acarretam, também representam forças criativas da Terra, remodelando sem cessar as suas paisagens.

fdieguez@abril.com.br
Algo mais
O calor interno da Terra é produzido pela desintegração de urânio, tório e potássio radioativos. A descoberta foi do físico inglês de origem neozelandesa Ernest Rutherford (1871-1937), descobridor do núcleo atômico.
Trancos põem continentes em marcha
A descoberta dos jorros gigantes de lava revela uma força nova em ação no interior da Terra. Chamados de superplumas, eles podem ser responsáveis por boa parte dos movimentos que animam o interior do planeta. Essa é a avaliação do geofísico inglês Alessandro Forte, da Universidade Ontário Ocidental, em Londres, Inglaterra. “Acredito que elas causam pelo menos metade da agitação interna do planeta”, disse ele à revista americana Science.
O problema mais importante que os esguichos incandescentes vão ajudar a resolver, nos próximos anos, diz respeito ao deslocamento das placas tectônicas, nome que se dá aos grandes blocos rochosos em que se divide a crosta terrestre. Rígidos e frios, eles flutuam sobre o manto – uma camada de rochas quentes e amolecidas situadas imediatamente abaixo da superfície – sempre em movimento.

Qual é o motor dessa correria?
A teoria atual diz que as placas se mexem porque sempre têm uma extremidade mais grossa do que a outra. Como essa ponta é mais pesada e tende a afundar, ela arrasta o resto do bloco rochoso no processo. Avalia-se agora que, apesar de esse mecanismo explicar o vaivém dos fragmentos da crosta, não é o único responsável pela ação.
Terremotos úteis
Metade da tarefa ficaria por conta das superplumas. Como estão subindo lá do fundo, elas tendem a empurrar os continentes e os leitos oceânicos para cima. Só que, ao se elevar, os blocos também tendem a escorregar para um lado ou para outro, deslizando pela superfície.
No caso da África, o tranco a estaria levando na direção do Oceano Índico e para longe da América do Sul, já que os dois continentes estão se distanciando à taxa de uns 2 ou 3 centímetros por ano. Quando puderem calcular os efeitos exatos das superplumas, os cientistas esperam ter uma idéia mais nítida sobre como funciona o planeta.
Antes, porém, precisam desenhar um mapa mais detalhado do interior da Terra. Por ironia, a melhor maneira de fazer o mapeamento é analisar as ondas de choque criadas pelos terremotos (veja o infográfico à direita). No futuro, os dados fornecidos por essas catástrofes naturais vão ajudar a prever, com segurança, quando e onde elas vão ocorrer, salvando moradores e evitando os prejuízos.
Para saber mais
História da Geologia, Gabriel Gohau, Publicações Europa-América, 1987, Portugal.
Na internet:
http://www.seismo.unr.edu
Esboço inacabado de uma ilha
A Ferradura, como todas as outras ilhas do Arquipélago do Havaí, foi criada por um vulcão submarino. Ela é das menores, com pouco mais de 2 quilômetros de extensão

Fervura no subsolo americano
Rochas tórridas, a 3 quilômetros de profundidade, esquentam a água que espirra pelo gêiser Midway, nos Estados Unidos
Um amazonas de pedra derretida
Um jato colossal de rochas quentes e fluidas é descoberto sob a crosta africana.
Deformação geográfica

Boa parte do relevo africano situa-se a uma altitude de mais de 1 000 metros acima do nível do mar. Essa região fica 0,5 quilômetro acima da média dos planaltos do mundo e está pontilhada de vulcões, entre os quais o vulcão Kilimanjaro, com 5 895 metros de altura.
Sob pressão
A elevação do continente se deve à força de uma superpluma, um rio de lava que atravessou os subterrâneos da Terra há 45 milhões de anos e agora está esquentando e pressionando a crosta.
Origem profunda
Pela primeira vez se tem um quadro do que acontece perto do núcleo.
Um coração liquefeito

Com um raio de 3 500 quilômetros e temperatura de 3 700 graus Celsius, esta massa de ferro líquido constitui o núcleo do planeta. É da sua superfície que a superpluma parte para o alto.

Até este ano não se sabia nada sobre movimentos de lava abaixo de 500 quilômetros. Imaginava-se que ela subia por etapas até a superfície.

As superplumas sugerem que há um fluxo contínuo de rochas pelo interior do planeta. Elas sobem do núcleo até o topo e, depois de esfriar, voltam para o fundo.
Arquipélago em obras
Um imenso esguicho de lava construiu as ilhas havaianas, uma a uma.
Há 5,5 milhões de anos, a pressão subterrânea ergueu o leito do mar e criou vulcões submarinos. Do acúmulo de lava nasceu Kauai, a porção mais antiga do território havaiano.

Aos poucos, a força da torrente profunda empurrou a crosta para a esquerda e Kauai se acalmou. Mas, aí, o calor interno começou a levantar outra ilha, Oahu.

Esse processo repetiu-se a cada 1,2 milhões de anos, em média, gerando também as ilhas de Maui e do Havaí, que dá nome ao arquipélago. Ele ainda está em ação.
Radiografia interna
Ondas de choque criadas por tremores revelam o interior do planeta.
Sismógrafos espalhados pelo mundo estão sempre registrando os abalos e, ao mesmo tempo, as ondas lançadas por eles através do planeta.

Cronometra-se a passagem de cada onda em vários pontos da superfície, pois ela pode se atrasar se houver movimentos de lava em seu caminho.

O resultado de muitas medidas mostra onde há rochas se deslocando. É uma espécie de radiografia interna da Terra.
Chapa quente
Um resto de calor subterrâneo ativa os gêiseres do Parque de Yellowstone, nos Estados Unidos.
Existem aqui cerca de 10 000 fontes de água quente. O solo, instável, fica 1 centímetro mais alto, ao longo do ano. Depois desce de novo.

A causa é um jato de lava que pode ser o resto de uma superpluma. Há 200 milhões de anos ela teria erguido a crosta e agora está morna, quase extinta.

O subsolo contém milhares de fraturas que a água da chuva enche regularmente. A temperatura chega aos 200 graus Celsius.

Revista Superinteressante

Círculo de Fogo ou Anel de Fogo do Pacífico.


O Círculo de Fogo do Pacífico (ou Anel de Fogo) é uma área formada no fundo do oceano por uma grande série de arcos vulcânicos e fossas oceânicas, coincidindo com as extremidades de uma das maiores placas tectônicas do planeta.
A região, de cerca de 40 mil km de extensão, tem formato de ferradura e circunda a bacia do Pacífico, abrangendo toda a costa do continente americano, além do Japão, Filipinas, Indonésia, Nova Zelândia e ilhas do Pacífico Sul.
Esta é a área de maior atividade sísmica do mundo. Somente o Japão responde por cerca de 20% dos tremores de magnitude igual ou superior a 6 registrados na Terra. Em média, os sismógrafos captam algum tipo de abalo no Círculo de Fogo a cada cinco minutos.
Além disso, mais da metade dos vulcões ativos no mundo, acima do nível do mar, estão localizados nesta área.
Alguns dos piores desastres naturais já registrados ocorreram em países localizados no Círculo de Fogo. Um deles foi o tsunami de dezembro de 2004, que matou 230 mil pessoas em 14 países no Oceano Índico, após um tremor de magnitude 9,1.
Outros dois desastres famosos na área ocorreram no Chile: o primeiro, em 1960, foi um terremoto de magnitude 9,5 - o pior já registrado na história - que matou 2 mil pessoas; outro tremor, em 2010, deixou 800 mortos e cerca de 20 mil desabrigados.
Placas tectônicas
Nos anos 1960, cientistas desenvolveram a noção de placas tectônicas, o que explica as localizações dos vulcões e outros eventos geológicos de grande escala.
De acordo com a teoria, a superfície da Terra é feita de uma "colcha de retalhos" de enormes placas rígidas, com espessura de 80 km, que flutuam devagar por cima do âmago quente e líquido do planeta.
As placas mudam de tamanho e posição ao longo do tempo, movendo entre um e dez centímetros por ano - velocidade equivalente ao crescimento das unhas humanas.
O fundo do oceano está sendo constantemente modificado, com a criação de novas crostas feitas da lava expelida do centro da Terra e que se solidifica no contato com a água fria. Assim, as placas tectônicas se movem, gerando intensa atividade geológica em suas extremidades.
Três coisas podem ocorrer com as placas: elas podem se afastar umas das outras, deixando espaço para criar mais "chão" no fundo do mar; podem se aproximar, fazendo uma encobrir a outra; ou podem "roçar" umas nas outras, sem causar muito distúrbio.
Essas placas que se "roçam" causam tremores de menor intensidade, como ocorre geralmente na Falha de San Andreas, localizada na região de San Francisco (Estados Unidos). Essas falhas também podem criar escarpas ou falésias no fundo do mar.
No entanto, quando uma placa se move e é forçada para dentro da Terra, ela encontra altas temperaturas e pressões que são capazes de parcialmente derreter a rocha sólida, formando o magma que é expelido pelos vulcões.
As atividades nestas zonas de divisa entre placas tectônicas são as mesmas que dão origem aos terremotos de grande magnitude.
Mapa do Círculo de Fogo do Pacífico (ou Anel de Fogo)

Entendendo o interior da Terra


Nos últimos 15 anos houve um notável progresso nas pesquisas sobre o que acontece no interior do nosso planeta, mas os cientistas ainda esperam novos avanços. Deles poderão surgir, por exemplo, maneiras de prever terremotos ou de programar o uso sustentável dos recursos naturais
Cratera com lava no Parque Nacional dos Vulcões, no Havaí.
A sociedade tem grande interesse nos progressos feitos pelos cientistas no estudo do interior da Terra. A expectativa se explica: há necessidades urgentes de fornecimento de água, recursos minerais, proteção contra desastres naturais e controle ambiental. A área teve enormes avanços nos últimos 15 anos, particularmente em termos de técnicas de visualização remota, mas ainda é preciso ir além.

De qualquer modo, o que foi obtido nos últimos anos merece destaque. Nesse período, os geólogos começaram a compreender a geosfera em termos mais mensuráveis (quantitativos). Técnicas sísmicas mais avançadas levaram a um melhor conhecimento da estrutura tridimensional do manto (camada de rochas em estado sólido ou pastoso que representa 80% do interior do planeta, entre a crosta e o núcleo da Terra) e da litosfera (a região mais exterior da Terra, composta pela crosta terrestre e pela camada de placas tectônicas do manto). Pode-se descrever, em termos numéricos, como funcionam as profundezas do sistema Terra; ao mesmo tempo, a análise quantitativa de bacias em que os sedimentos se acumulam permitiu ligar o interior do planeta ao registro das alterações gravadas nesses sedimentos ao longo do tempo.

Formas melhores de "ver" através da rocha possibilitaram aos geocientistas compreender a estrutura da litosfera e de que modo a pressão exercida pelos movimentos das placas tectônicas a leva a deformar-se. Progressos recentes na datação permitiram descobrir a velocidade desses processos, com a precisão necessária para distinguir entre as diferentes forças que moldam a paisagem.

A modelagem da forma como o relevo muda ao longo das eras atingiu um estágio em que se podem reunir, no tempo e no espaço, estudos relativos à deposição de sedimentos e à sua erosão. Numa escala muito menor, técnicas de detecção que utilizam ondas sísmicas ou eletromagnéticas possibilitam o exame de problemas de arquitetura sedimentar (a maneira como diferentes sedimentos se estruturam).

A maneira como as rochas são erodidas em certas áreas da crosta terrestre e redepositadas em outras - e, ainda, como o interior plástico da Terra reage às correspondentes mudanças de pressão - recebe o nome de transferência de massa. Esse tópico se apresenta como uma nova fronteira nas atuais Ciências da Terra - ou seja, a tentativa de compreender quantitativamente tais processos.

O passo essencial rumo a uma abordagem em quatro dimensões (envolvendo, simultaneamente, espaço e tempo) precisa da modelagem dos processos da geosfera, de forma a incorporar dados em escalas menores com as técnicas atuais, de elevada qualidade, de visualização sísmica. É preciso explorar a Terra para obter uma imagem de alta resolução da estrutura e dos processos do seu interior.

Esse estudo passará por alguns temas-chave, apresentados a seguir.

Relevo - O relevo terrestre resulta da interação entre os processos que ocorrem no interior, na superfície e na atmosfera. Ele influencia a sociedade, não apenas em termos dos processos lentos da mudança da paisagem, mas também através do clima. Sua evolução (mudanças de nível nos continentes, na água doce e no mar) pode afetar seriamente a vida humana, animal e vegetal. Quando há uma subida dos níveis de água doce ou do mar, ou quando o continente sofre subsidência (afundamento abrupto ou gradativo da superfície), aumenta o risco de cheias, afetando diretamente ecossistemas locais e aglomerados humanos. Por outro lado, a queda dos níveis de água doce e o levantamento do continente podem levar a um maior risco de erosão ou mesmo de desertificação.

Essas alterações provêm tanto de processos naturais como de atividades humanas, embora a contribuição absoluta e relativa de cada fator ainda seja mal compreendida. O estado atual e o comportamento do Sistema Terra na superfície são consequência de processos que ocorrem em escalas de tempo bem abrangentes. Eles incluem:

>>Efeitos tectônicos a longo prazo no levantamento, na subsidência e nos sistemas fluviais;
>>Efeitos residuais das épocas glaciais nos movimentos da crosta terrestre (o peso do gelo acumulado pressiona a crosta, que leva milhares de anos para recuperar-se depois do degelo);
>>Alterações climáticas e ambientais ao longo dos últimos milênios;
>>Os poderosos impactos antropogênicos do século 20.

Compreender o atual estado do Sistema Terra, tanto para predizer o futuro quanto para programar o uso sustentável dele, implica entender melhor esse espectro de processos (operando simultaneamente, mas em diferentes escalas de tempo). O desafio para as Ciências da Terra é descrever o estado do sistema, monitorar suas alterações, prever sua evolução e, em parceria com outras ciências, avaliar diferentes modelos para seu uso sustentável por parte dos seres humanos.

A investigação deverá concentrar-se na interação entre a tectônica ativa, a evolução do relevo e as alterações do nível do mar a elas relacionadas, assim como o desenvolvimento do padrão de drenagem dos rios. Isso significa desenvolver uma estratégia integrada de observação e análise que enfatize as mudanças em grande escala em zonas vulneráveis do globo.

Atividades vulcânicas, com a emissão de gases, remodelam constantemente as características ambientais da crosta terrestre.

Atividades vulcânicas, com a emissão de lava , remodelam constantemente as características ambientais da crosta terrestre.
Geoprevisão - A crescente pressão que estamos fazendo sobre o ambiente nos torna cada vez mais vulneráveis. Temos necessidade urgente de "sistemas de geoprevisão" cientificamente avançados que possam, de forma precisa, localizar recursos no subsolo e prever a altura e a magnitude de terremotos, erupções vulcânicas e a subsidência de terrenos. A concepção desses sistemas coloca um desafio científico multidisciplinar bem grande. A previsão dos processos que ocorrem na Terra também condiciona a previsão em outras ciências, como as oceanográficas e as atmosféricas.

Prever o comportamento dos sistemas geológicos requer um amplo entendimento dos processos e dados de alta qualidade. Espera-se que ocorra progresso nas previsões quantitativas relativas à interface entre a modelagem e a observação. É aqui que as hipóteses científicas são confrontadas com a realidade observável. Na sua versão mais avançada, a sequência integrada "observação, modelagem, quantificação dos processos, otimização e previsão" é levada a cabo de forma periódica (tanto no espaço como no tempo) e os resultados obtidos são vitais para a criação de novos desenvolvimentos conceituais.

Observar o presente - A informação sobre a atual estrutura do subsolo e do interior da Terra é um aspecto fundamental da ciência relativa à geosfera. Esse aspecto diz respeito ao estudo dos processos ativos e dos que já terminaram, mas que podem ter contribuído para as estruturas atuais. O estudo dos processos ativos é importante porque as observações a eles relacionadas (que envolvem, por exemplo, a atividade sísmica, a deformação superficial e o campo gravitacional da Terra) podem ser realizadas (e utilizadas) como condicionantes da modelagem desses processos. A compreensão relativa aos processos adquirida com esses exercícios é muito valiosa, pois permite guiar a reconstrução de processos passados.

Reconstruir o passado - Embora tenha mudado continuamente ao longo do tempo, a geosfera ainda possui vestígios da sua evolução inicial. Revelar os papéis desempenhados pelos processos litosféricos internos e externos no controle das taxas de erosão e da sedimentação representa um grande desafio.

A cobertura sedimentar da litosfera fornece um registro em alta resolução das mudanças ambientais, assim como da deformação e da transferência de massa à superfície e a diferentes profundidades da crosta, da litosfera e do manto. Nas últimas décadas, a análise sedimentar de bacias tem estado na vanguarda na integração dos componentes sedimentares e litosféricos dos campos (anteriormente separados) da geologia e da geofísica.

Um grande objetivo é integrar a tectônica ativa, os processos superficiais e a dinâmica da litosfera na reconstrução do antigo relevo das bacias e de suas áreas circundantes. Uma abordagem integrada é igualmente importante, considerando-se o papel social que essas bacias desempenham na localização de recursos, como hidrocarbonetos. Além disso, uma vez que a maioria das pessoas mora atualmente dentro ou perto de bacias sedimentares (em zonas costeiras e deltas), tanto as populações como os aglomerados onde elas vivem permanecem vulneráveis a riscos geológicos colocados pela atividade do sistema Terra.

Chaminés vulcânicas no fundo do oceano criam ecossistemas únicos, repletos de formas de vida que não existem em nenhum outro lugar, como essas estrelas-do-mar
Deformação da litosfera - A forma como as rochas do manto terrestre "fluem" exerce controle sobre a espessura e a resistência das placas litosféricas, a extensão do acoplamento entre os movimentos das placas e o fluxo no interior da Terra e o padrão e a taxa de convecção na astenosfera (região de 700 quilômetros de profundidade que fica abaixo da litosfera), assim como sobre processos mais localizados. A fim de compreender o comportamento dinâmico da parte exterior da geosfera, é essencial um conhecimento detalhado da forma como "fluem" diferentes zonas do manto.

Modelagem e validação de processos - A modelagem dos processos da geosfera é um estágio transitório entre a modelagem cinemática (relativa aos movimentos mecânicos no interior do planeta) e a dinâmica. Esse desenvolvimento não pode ocorrer sem a interação com subdisciplinas relativas à estrutura e à cinemática da Terra ou à reconstrução de processos geológicos. A informação estrutural é um pré-requisito para a modelagem dos processos da geosfera. De modo semelhante, a informação sobre movimentos horizontais e verticais, tanto atuais como passados, é utilizada para formular e verificar hipóteses relativas a processos dinâmicos. Inversamente, os resultados obtidos a partir da modelagem motivam e conduzem a pesquisa na observação do presente e na reconstrução do passado.


As movAs movimentações originárias do fundo da Terra trazem à tona substâncias que podem ser fonte de saúde, como a lama desse vulcão colombiano extinto.

Desafios e desenvolvimentos - Apesar do grande sucesso da teoria da tectônica de placas nas Ciências da Terra, ainda existem problemas fundamentais no que diz respeito à evolução dos continentes e a seu papel na dinâmica da litosfera e do manto. O processo de crescimento dos continentes, sua espessura e a associação dinâmica com o manto são tópicos a que uma série de subdisciplinas precisa prestar atenção.

Questões igualmente importantes ainda por resolver se referem ao mecanismo de controle da tectônica continental e a seus efeitos nos movimentos verticais, na dinâmica topográfica e na formação de bacias sedimentares. Nesse aspecto, é vital a dinâmica da separação dos continentes, de que forma as placas mergulham por baixo de outras, como as montanhas se erguem e são desgastadas pela erosão e seus efeitos na evolução da plataforma continental e nos processos de fronteira entre oceanos e continentes. Igualmente importantes são as taxas e as escalas em que esses processos operam.

Para quantificar os processos essenciais envolvidos no estudo da geosfera, é essencial associar forças internas e externas. O trabalho feito sobre as estruturas e os processos da crosta, a dinâmica da topografia e as bacias sedimentares registra progressos em escalas cada vez mais reduzidas.

Um Ano Internacional dedicado ao planeta

A União Internacional das Ciências Geológicas (IUGS), que representa cerca de 250 mil geocientistas de 117 países, proclamou um Ano Internacional do Planeta Terra 2007-2009 com o subtítulo "Ciências da Terra para a Sociedade". Os propósitos salientam a relação entre a humanidade e o planeta, e demonstram quanto os geocientistas são importantes na criação de um futuro equilibrado e sustentável.

Proclamado através da ONU, o Ano Internacional foi considerado atividade central pela Divisão das Ciências da Terra da Unesco. Ele também é apoiado por organizações congêneres da IUGS, como a União Internacional de Geodesia e Geofísica (IUGG) e a União Geográfica Internacional (IGU), além do Conselho Internacional para a Ciência (ICSU).

Pelas diretrizes da ONU para a proclamação de anos internacionais, os assuntos elegíveis devem corresponder a uma "preocupação prioritária de direitos políticos, sociais, econômicos, culturais, humanitários ou humanos", envolvendo "todos os países (ou a maioria deles), independentemente do sistema econômico e social", e deve "contribuir para o desenvolvimento da cooperação internacional na resolução de problemas globais", dando especial atenção aos temas que afetam os países em desenvolvimento.


Autores: Sierd Cloetingh (ISES, Holanda), com Rolf Emmermann (GFZ, Alemanha), John Ludden (CNRS, França), Hans Thybo (Copenhague, Dinamarca), Mark Zoback (Stanford, EUA) e Frank Horvath (ELTE, Hungria).

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Petrobras - O custo Lula

Carlos Alberto Sardenberg

Há menos de três anos, em 17 de setembro de 2009, o então presidente Lula apresentou-se triunfante em uma entrevista ao jornal “Valor Econômico”.

Entre outras coisas, contou, sem meias palavras, que a Petrobras não queria construir refinarias e ainda apresentara um plano pífio de investimentos em 2008.

“Convoquei o conselho” da empresa, contou Lula. Resultado: não uma, mas quatro refinarias no plano de investimentos, além de previsões fantásticas para a produção de óleo.

Em 25 de junho último, a Petrobras informa oficialmente aos investidores que, das quatro, apenas uma refinaria, Abreu e Lima, de Pernambuco, continua no plano com data para terminar. E, ainda assim, com atraso, aumento de custo e sem o dinheiro e óleo da PDVSA de Chávez.

Todas as metas de produção foram reduzidas. As anteriores eras“irrealistas”, disse a presidente da companhia, Graça Foster, acrescentando que faria uma revisão de processos e métodos. Entre outros equívocos, revelou que equipamentos eram comprados antes de os projetos estarem prontos e aprovados.

Nada se disse ainda sobre os custos disso tudo para a Petrobras. Graça Foster informou que a refinaria de Pernambuco começará a funcionar em novembro de 2014, com 14 meses de atraso em relação à meta anterior, e custará US$ 17 bilhões, três bi a mais. Na verdade, as metas agora revistas já haviam sido alteradas. O equívoco é muito maior.

Quando anunciada por Lula, a refinaria custaria US$ 4 bilhões e ficaria pronta antes de 2010. Como uma empresa como a Petrobras pode cometer um erro de planejamento desse tamanho? A resposta é simples: a estatal não tinha projeto algum para isso, Lula decidiu, mandou fazer e a diretoria da estatal improvisou umas plantas. Anunciaram e os presidentes fizeram várias inaugurações.

O nome disso é populismo. E custo Lula. Sim, porque o resultado é um prejuízo para os acionistas da Petrobras, do governo e do setor privado, de responsabilidade do ex-presidente e da diretoria que topou a montagem.

Tem mais na conta. Na mesma entrevista, Lula disse que mandou o Banco do Brasil comprar o Votorantim, porque este tinha uma boa carteira de financiamento de carros usados e era preciso incentivar esse setor.

O BB comprou, salvou o Votorantim e engoliu prejuízo de mais de bilhão de reais, pois a inadimplência ultrapassou todos os padrões. Ou seja, um péssimo negócio, conforme muita gente alertava. Mas como o próprio Lula explicou:“Quando fui comprar 50% do Votorantim, tive que me lixar para a especulação.”

Quem escapou de prejuízo maior foi a Vale. Na mesma entrevista, Lula confirmou que estava, digamos, convencendo a Vale a investir em siderúrgicas e fábricas de latas de alumínio.

Quando os jornalistas comentam que a empresa talvez não topasse esses investimentos por causa do custo, Lula argumentou que a empresa privada tem seu primeiro compromisso com o nacionalismo.

A Vale topou muita coisa vinda de Lula, inclusive a troca do presidente da companhia, mas se tivesse feito as siderúrgicas estaria quebrada ou perto disso. Idem para o alumínio, cuja produção exige muita energia elétrica, que continua a mais cara do mundo.

Ou seja, não era momento, nem havia condições de fazer refinarias e siderúrgicas. Os técnicos estavam certos. Lula estava errado. As empresas privadas foram se virando, mas as estatais se curvaram.

Ressalva: o BNDES, apesar das pressões de Brasília, não emprestou dinheiro para a PDVSA colocar na refinaria de Pernambuco. Ponto para seu corpo técnico.

Quantos outros projetos e metas do governo Lula são equivocados? As obras de transposição do Rio São Francisco estão igualmente atrasadas e muito mais caras. O projeto do trem-bala começou custando R$ 10 bilhões e já passa dos 35 bi.

Assim como se fez a revisão dos planos da Petrobras, é urgente uma análise de todas as demais grandes obras. Mas há um outro ponto, político. A presidente Dilma estava no governo Lula, em posições de mando na área da Petrobras. Graça Foster era diretora da estatal. Não é possível imaginar que Graça Foster tenha feito essa incrível autocrítica sem autorização de Dilma.

Ora, será que as duas só tomaram consciência dos problemas agora? Ou sabiam perfeitamente dos erros então cometidos, mas tiveram que calar diante da força e do autoritarismo de Lula? De todo modo, o custo Lula está aparecendo mais cedo do que se imaginava. Inclusive na política.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

A URGÊNCIA DA UNIÃO SUL-AMERICANA





A América do Sul terá que unir-se com urgência, para que não se torne território aberto à disputa feroz pelos seus recursos naturais, no futuro que se apressa a chegar. Ao lado da África, a América Latina sempre foi vista como um território de todos, menos de seus próprios habitantes.
Mauro Santayana (*)
Não há mais espaço para a dúvida: a América do Sul terá que unir-se com urgência, para que não se torne território aberto à disputa feroz pelos seus recursos naturais, no futuro que se apressa a chegar. Ao lado da África, a América Latina sempre foi vista como um território de todos, menos de seus próprios habitantes. Em nome da Fé e da Civilização, espanhóis e portugueses, holandeses e franceses, aqui chegaram para ocupar e dominar as civilizações existentes, como as andinas.
Nesse aspecto, o Brasil é uma exceção importante: os indígenas brasileiros ainda se encontravam no neolítico, ao contrário dos habitantes da cordilheira, senhores de uma cultura respeitável. Isso parece pouco, mas não é. Dos europeus que tentaram a conquista, os ibéricos tiveram mais êxito, não só na América do Sul, mas também em grande parte da América do Norte, até a chegada em massa dos seus rivais britânicos. O que nos interessa, no entanto, é esse continente em suas razões geográficas, políticas, econômicas e culturais. E não “subcontinente”, como muitos insistem em nos considerar.
Geograficamente, nós constituímos uma realidade própria. Ainda que o istmo do Canadá una o Hemisfério Ocidental, e que grande parte da América do Sul política se encontre ao norte do Equador, e nela considerável parcela do Brasil, da Colômbia à Terra do Fogo somos uma realidade geográfica e histórica bem identificada. Sempre foi do interesse dos colonizadores que vivêssemos, brasileiros e hispano-americanos, bem separados uns dos outros.
Mesmo durante os 60 anos em que as coroas de Portugal e da Espanha estiveram unidas, a administração colonial se manteve separada e os contatos se limitavam às autoridades. Nossos povos não se conheciam, a não ser nos raros pontos fronteiriços.
Ao desdenhar os nossos povos, o arrogante Kissinger disse que nada de importante ocorreu no Hemisfério Sul. Ele, em sua visão preconceituosa e imperialista, se esqueceu de que a descoberta e conquista da América foram o fato mais importante de toda a História do Ocidente.
Essa importância começa com a viagem de Colombo, em 1492, mais arriscada do que a ida do homem à Lua. Os astronautas que desceram no satélite da Terra foram precedidos de sondas e exaustivos cálculos matemáticos; da metalurgia de novas ligas metálicas para as aeronaves, de todos os cuidados. Os navegantes do fim do século XV só contavam com sua coragem a fim de vencer o Mar Oceano em frágeis caravelas.
Devemos a Napoleão o surgimento da América do Sul como realidade política. Antes dele e da invasão da Península Ibérica por suas tropas, a América do Sul era assunto britânico, por intermédio de Lisboa e de Madri. A vitória de Waterloo confirmou a presença britânica no continente até a Primeira Guerra Mundial.
Éramos, segundo Hegel, em seu Curso de Filosofia da História, entre 1818 e 1822, uma região em constantes rebeliões chefiadas por caudilhos militares, enquanto a América do Norte, sob a razão protestante, anunciava uma nova civilização. Mas insinuava certo otimismo:
“A América é, portanto, a terra do porvir, onde, nos tempos futuros se manifestará, talvez, no antagonismo da América do Norte com a América do Sul, o ponto de gravidade da História Universal. É uma terra de sonho para todos aqueles que se encontram cansados do bric-à-brac da Velha Europa. Napoleão teria dito: Esta velha Europa me entedia.”
E continua: “A América deve se separar do solo sobre o qual se passou, até agora, a história universal”.
Estamos no momento exato de separar-nos da velha Europa, coisa que os Estados Unidos só serão capazes de fazer quando os hispano-americanos se tornarem a etnia predominante naquele país. A hora é, portanto, da América do Sul. E o primeiro movimento necessário nessa direção é o fortalecimento do Mercosul.
Essa constatação foi a tônica do primeiro encontro sobre “Crise, Estado e Desenvolvimento: Desafios e Perspectivas para a América do Sul”, promovido pela Representação Brasileira no Parlasul, por iniciativa do Senador Roberto Requião, sexta-feira passada, no Senado, de que participaram o Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, Alto Representante Brasileiro no Mercosul, o Professor Carlos Lessa e este colunista. Temos que nos apressar, e negociar com o espírito de solidariedade efetiva, a quebra de barreiras internas no continente, base necessária aos acordos políticos.
Nesse sentido, é interessante a proposta ousada da Argentina, de estabelecimento de uma tarifa comum, de 35% por cento, para a entrada de produtos estrangeiros no Mercosul, e abolição total das tarifas no espaço do acordo aduaneiro.
A História mostra – e o exemplo mais importante é o da Alemanha – que a união política necessita de uma união aduaneira prévia. Ainda em 1834, a Prússia iniciou esse processo de união aduaneira (Zollverein) com os numerosos estados alemães, o que possibilitou a união política quase 50 anos depois.
Mas uma união aduaneira exige mais do que interesses econômicos, para se tornar uma união política. Exige certa identidade étnica, espírito de solidariedade e semelhante visão do mundo, o que ocorria na Alemanha, antes e depois de Bismarck, e que não existe na Europa de hoje. Temos, na América do Sul, não obstante a identidade cultural própria de nossos povos, certa identidade étnica, história mais ou menos comum de países que foram colônias, continuidade geográfica e espírito de solidariedade.
Pressionados pela crise que provocaram, os governantes dos países nórdicos sentem-se tentados a nova aventura de conquista, econômica, política e, se for preciso, militar, da América do Sul. Pelo que fizeram e estão fazendo nos países produtores de petróleo, podemos prever o que se encontram dispostos a fazer em busca das matérias primas e dos nossos territórios que cobiçam. Para que não sejamos dominados neste século, como advertia Perón em 1945, temos que nos unir, logo, sem tergiversações menores, e respeitando-nos como povos rigorosamente iguais.
O problema, mais do que ideológico, é geopolítico. É o do nosso espaço, que eles consideram vital para eles. Nosso dever, na História, é o de resistir e construir nova forma de convívio, criador e solidário, no espaço que ocupamos há meio milênio.
(*) Carta Maior 

quarta-feira, 4 de julho de 2012

As veias abertas do Paraguai II


Sem-teto de Curuguaty protestam contra a matança de onze camponeses na semana passada


A princípio, não sou contrário que as pessoas possuam bens. Penso, por outro lado, que se as pessoas têm direito a possuirem bens, todos devem ter este direito.

A terra, como sendo o maior bem e, como se sabe, está na mão de pouquíssimos afortunados, é a causa primeira das desigauldades sociais. Pois muito poucos possuem terras.

A luta que se dá entorno da posse de terras, gera grandes e sangrentos conflitos sociais. Milhões de pessoas no mundo, lutam por um pedaço, que seja, de terra para viverem. Enquanto que, os grandes latifúndios, gera grandes riquezas para poucos afortunados.

No Brasil, desde a famigerada Lei de Terras (lei nº 601 de 18 de setembro de 1850), que estabelecia a compra como a única forma de acesso à terra e abolia, em definitivo, o regime de sesmarias. Junto com o código comercial, é a lei mais antiga ainda em vigor no Brasil. Esta lei foi promulgada para impedir que os negros, que seriam libertos anos mais tarde, pudessem ter terras e competir com os seus algozes. Assim, se deu o início da segregação ao acesso a propriedade de terras pela posse. A posse, que vigorou até 1850, que ocupava uma área, produzia e vivia nela, obtinha o seu título e se tornava proprietário dela.

De lá para cá, o processo de concentração fundiária, se intensificou. Os excluídos de organizaram e passaram a pressionar para que se realizasse uma redistribuição de terras, a Reforma Agrária. Os países que se diz, desenvolvidos, todos eles, de alguma forma, fizeram em algum monento de sua história a redistribuição de terras.

No Brasil, os proprietários têm, até mesmo, no Congresso Nacional, a sua "bancada ruralista" que defende os interesses dos latifundiários. Projetos que beneficiariam a redistribuição de terras e, até mesmo uma verdadeira reforma agrária, logicamente não passam no Congresso, pois são barradas.

Falo isso para intriduzir ao que hoje acontece no Paraguai. Pois no vizinho país, também, a situação é a maesma, ou pior. O Paraguai é um país com maiores desigualdades do que o Brasil. E, consequentemente, a concentração de terras é muito mais acentuada e cruel.

Em uma matéria da BBC (leia AQUI), a recente crise fundiária que provocou a morte de carperos (sem terras) e políciais, foi estopim para a derrubada de Lugo e expõe a situação fundiária paraguaia, principamente, dos "brasiguaios", que desde os anos 1960, ocupam grandes áreas no país, muitas, ilegalmente. Pois mesmo que eles tenha os títulos de terra, obtidos legalmente, ocupam e reividicam terras lindeiras, disputadas, também, pelos carpeiros.

Dessa verdadeira luta de classes, sugiu a possibilidade, arquitetada pela direita, pelos proprietários, pela mídia e pelos representantes destes no congresso, liderados por Lino Oviedo (que já havia liderado uma tentativa frustrada de golpe de estado contra Juan Carlos Wasmosy em 1996) contra Fernado Lugo, que via com bons olhos e, até mesmo, apoiava a reforma agrária no Paraguai.

O golpe:

Uma juíza (leia AQUI) determinou uma ordem de busca e apreensão a pedido do empresário colorado Blas M. Riquelme, para resguardar sua suposta propriedade privada. A ação é coordenada pela promotoria e termina com a morte de 18 campesinos e policiais. No lugar, que depois a própria imprensa indicaria que eram terras públicas usurpadas por Blas M. Riquelme, havia menos de 50 pessoas no momento do massacre.

O resto é história. Nesse mesmo dia, Fernando Lugo substituiu Carlos Filizzola (da Frente Guasú) no Ministério do Interior pelo colorado, ex- Procurador Geral do Estado, Rubén Candia Amarilla, responsável por mais de 1000 denúncias de movimentos sociais e vinculado a Camilo Soares, ex- Secretário de Emergência Nacional, acusado por malversação e membro do primeiro círculo de Fernando Lugo. Na segunda-feira, 18 de junho, a Frente Guasú expressou seu desacordo com dita designação, junto com o Partido Liberal Radical Autêntico (partido de Federico Franco e Francisco Rivas) e, para mais desconcerto, a própria Associação Nacional Republicana, Partido Colorado, criticou sua nomeação.

Na quinta-feira, 21 de junho, a Câmara de Deputados aprovou a abertura de um processo político contra Fernando Lugo. No dia seguinte, 22 de junho, o Senado aprovou em tempo recorde o afastamento do presidente.

Outra coisa importante para se entender um pouco o de ocorre hoje e, talvez, sempre ocorreu no Paraguai, é entender a sua história. Um país poderoso, derrotado e aniqulado em uma sangrenta guerra com o apoio interessado da Inglaterra, onde, Argentina, Brasil e Uruguai, se uniram, e formaram a Tríplice Aliança, para defender os interesses do império na Guerra do Paraguai.

Nunca mais o Paraguai se reergueu.

E, com uma recente, frágil e incipiente democracia, é campo fértil para os golpes... muitos já ocorreram. 

domingo, 1 de julho de 2012

As veias abertas do Paraguai




Monumento a Solano López,
em Assunção / Foto: Herbert Carvalho


País vizinho discute com o Brasil energia e compra de terras

HERBERT CARVALHONo bicentenário de sua independência, comemorado em 2011, o Paraguai amarga um ressentimento em relação aos demais sócios do Mercosul, que não consegue alcançar em matéria de superação da pobreza. Apesar de ter batido o recorde de crescimento econômico na região, com a impressionante expansão de 14,5% de seu produto interno bruto em 2010, apresentou no ano passado um PIB per capita de US$ 4,7 mil, muito inferior aos da Argentina (US$ 14,5 mil), do Uruguai (US$ 13,2 mil) e do Brasil (US$ 10,1 mil).

Esses três países, não por acaso, são os mesmos que se aliaram há quase 150 anos para mutilar o território e dizimar a população de uma nação que ousou ser igualitária, coesa e soberana num continente então marcado pelo escravismo, por lutas fratricidas e pela submissão a potências estrangeiras. A Guerra do Paraguai (1864-1870), como a chamam os vencedores, ou da Tríplice Aliança, no dizer dos vencidos – a mais atroz da história americana, considerada por muitos estudiosos como o primeiro genocídio dos tempos modernos (ver “A Tragédia Paraguaia”, Problemas Brasileiros nº 333) –, exterminou um quarto da população antes estimada em 800 mil habitantes. Destruída, principalmente pelas forças brasileiras comandadas pelo conde D’Eu, uma infraestrutura que contava com fundição de aço, ferrovia e telégrafo, restaram pequenos grupos de mulheres, crianças e anciãos espalhados por campos e bosques.

Restaurado o aparelho de Estado para legalizar o despojo do país – cuja dívida de guerra remanescente foi paga até a década de 1940 –, o Paraguai se envolveu 60 anos depois em novo conflito, desta vez com o vizinho do norte, a Bolívia. Ainda que vitorioso na Guerra do Chaco (1932-1935), o país sofreu enormes perdas humanas e econômicas, ingressando em período de golpes e lutas intestinas que desembocou em 1954 na ditadura de Alfredo Stroessner (1912-2006).

Esse militar, filho de pai alemão, faz pender para o Brasil a balança da secular disputa com a Argentina pela hegemonia geopolítica na bacia do Prata. Ao mesmo tempo, a fronteira com nosso país converteu-se na porta de entrada para produtos contrabandeados e falsificados, além de armas e drogas. Deposto em 1989, após 35 anos de torturas e assassinatos de opositores, refugiou-se em Brasília, sede do governo com o qual assinara, em 1973, o Tratado de Itaipu, considerado até hoje pelos paraguaios como altamente lesivo a seus interesses.

Bispo dos pobres

País que inaugurou o ciclo das ditaduras militares da segunda metade do século passado na América do Sul, o Paraguai foi o último a restaurar a democracia, mas sem alternância no poder. Em agosto de 2008, finalmente, o ex-bispo católico Fernando Lugo, apoiado em uma aliança de centro-esquerda, desalojou do governo o Partido Colorado, que respaldara a ditadura e mantivera-se ao longo de seis décadas, desde 1947, no comando férreo e indivisível da política nacional.

Embora sofra com a mesma desconfiança e má vontade da mídia e das elites locais, o presidente Lugo, ao contrário do que ocorre com os demais governantes de esquerda da região, não obteve o controle do Congresso, o que dificulta a tramitação e aprovação de muitos de seus projetos. Com maioria oposicionista, o Senado paraguaio bloqueia, por exemplo, há dois anos, a entrada da Venezuela como membro pleno do Mercosul, autorização já concedida pelos três outros legislativos do bloco. No final do ano passado, por iniciativa do presidente do Uruguai, José Mujica, os três governos passaram a fazer pressão sobre o Parlamento do parceiro recalcitrante para superar o impasse, o que levou o diário conservador ABC Color, o maior do país, a bradar que uma “nova Tríplice Aliança” estava se formando contra o Paraguai.

Como se as dificuldades políticas não bastassem, a popularidade de Fernando Lugo – angariada por suas ações em defesa dos camponeses sem-terra, que lhe valeram o título de “bispo dos pobres”, quando era o titular da diocese de San Pedro, uma das regiões mais carentes do país – despencou em 13 de abril de 2009. Nessa data ele reconheceu a paternidade de um filho, fruto de relacionamento mantido ao tempo em que ainda envergava o báculo e a mitra, fato que inicialmente tentou ocultar.

Um ano depois, médicos detectaram um câncer em sua virilha, tratado com cirurgia e sessões de quimioterapia realizadas no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. É considerado curado sem ter de passar, em nenhum momento de seu tratamento, a presidência ao vice Federico Franco, do Partido Liberal, opositor de várias decisões tomadas pelo governo.

Ainda em 2010, Lugo foi surpreendido pela atuação de um obscuro Exército do Povo Paraguaio (EPP), grupo estimado de 100 guerrilheiros que seriam apoiados pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Obteve do Congresso licença para a intervenção do exército nos departamentos (equivalentes a estados) de Presidente Hayes, San Pedro, Concepción, Amambay e Alto Paraguay (os três últimos na fronteira com o Brasil), mas o prazo dado de 30 dias expirou sem que a tarefa de neutralizar a insurgência tivesse êxito.

Soberania energética

Nesse contexto de grandes dificuldades internas e pessoais, o presidente Lugo se debruçou sobre os temas prioritários para tentar estabelecer uma nova etapa nas relações com o Brasil. A questão permanente, de maior segurança na fronteira, foi equacionada em acordo assinado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, prevendo a construção de onze bases da Polícia Federal brasileira nos pontos mais críticos. Além de inibir a ação das quadrilhas de traficantes de ambos os lados, o objetivo era combater a lavagem de dinheiro: estima-se que o narcotráfico movimente cerca de US$ 50 milhões por ano entre os dois países. Do ponto de vista brasileiro, também é vital controlar o fluxo transfronteiriço de gado, para evitar que a febre aftosa, endêmica no país vizinho, contamine nosso rebanho.

O problema mais urgente e difícil, porém, reside naquilo que Fernando Lugo, ainda quando candidato, reivindicou sob a designação genérica de “soberania energética”. Embaixo desse guarda-chuva abrigam-se as seguintes demandas: reajuste no preço da energia elétrica comprada pelo Brasil, permissão para o Paraguai vender a energia diretamente no mercado brasileiro sem a intermediação da estatal Eletrobras e também ofertá-la a outros países. Essas possibilidades são hoje vetadas pelo Tratado de Itaipu, o que anula a vantagem do Paraguai em ser o maior exportador mundial de energia elétrica.

Maravilha da engenharia à época de sua construção (entre 1974 e 1984) – com um lago de 1,35 mil km² e potência de 14 mil megawatts em vinte unidades geradoras –, a usina binacional de Itaipu fornece 20% da eletricidade consumida no Brasil e 90% da que o Paraguai usa. Essa última parcela representa, porém, apenas 5% do total produzido. Como a metade da energia de Itaipu pertence ao sócio, o Brasil compra o excedente, mas paga muito pouco por isso, de acordo com a voz unânime dos paraguaios.

Em reunião mantida com Lugo, no início de 2009, Lula recusou-se a rever o tratado, mas aceitou triplicar o preço pago, de US$ 120 milhões para US$ 360 milhões anuais – o Paraguai queria, inicialmente, o valor de US$ 800 milhões por ano. O reajuste encontrou, porém, forte resistência da mídia e dos partidos de oposição no Brasil, sendo aprovado apenas no ano passado, poucos dias antes de 14 de maio, data nacional em que os paraguaios celebraram o bicentenário. A sessão do Senado brasileiro que adotou a deliberação foi acompanhada ao vivo na capital Assunção, em clima de Copa do Mundo. As demais reivindicações paraguaias sobre Itaipu, entretanto, ficaram postergadas para 2023, quando vence o tratado assinado em 1973.

Carperos

Outro problema, agravado no final do ano passado e no início deste, tem origem relacionada com Itaipu. Agricultores que tiveram suas propriedades alagadas no extremo oeste do Paraná por causa da construção da usina não conseguiram, com a indenização recebida, comprar outras terras no país. Mas na margem do rio Paraná oposta a Foz do Iguaçu, no departamento do Alto Paraná – onde fica Ciudad del Este, a meca dos sacoleiros brasileiros –, as terras eram oito vezes mais baratas e podiam ser compradas, porque Stroessner anulara a lei que impedia a aquisição de glebas por estrangeiros na faixa de fronteira.

Resultado: ao longo de quatro décadas os brasiguaios, como passaram a ser chamados, ocuparam milhares de hectares dessas terras férteis que integram a mesopotâmia paraguaia – a região densamente habitada entre os rios Paraná e Paraguai. Transformaram o país em grande produtor e exportador mundial de soja, produto que responde por 55% de sua economia. São 250 mil só no Alto Paraná, liderados pelo “rei da soja”, Tranquilo Favero, que cultiva e arrenda para outros brasileiros mais de 400 mil hectares na região do rio Ñacunday, epicentro do conflito com os carperos, sem-terra paraguaios assim chamados por viverem sob cabanas de plástico, as “carpas”.

Inconformados com a lentidão da reforma agrária prometida por Lugo, os carperos vindos de todo o país acamparam nas imediações das valorizadas propriedades dos brasiguaios – hoje com preço de mercado de US$ 10 mil por hectare –, que ameaçam invadir. Alegam que as fazendas estão em áreas do governo ou foram obtidas mediante fraudes.

Para complicar ainda mais a questão, o Paraguai reeditou a lei restritiva da compra de terras por estrangeiros a menos de 50 km das fronteiras, à exceção das áreas adquiridas antes de sua promulgação. O presidente garante que os direitos dos brasiguaios serão respeitados, mas seu governo realiza um pente fino para determinar a legalidade ou não das propriedades. Num país onde terras públicas foram historicamente ocupadas por argentinos e brasileiros desde 1870, a questão fundiária, temperada pelo nacionalismo, adquire forte apelo emocional. O próprio Fernando Lugo chegou à presidência por meio do movimento popular camponês intitulado Tekojoja, expressão que significa “viver em igualdade” na língua guarani, idioma oficial ensinado nas escolas ao lado do espanhol.

Diante das incertezas, muitos brasiguaios estão voltando e se integrando ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST brasileiro. O Mato Grosso do Sul já tem 2 mil deles à beira de rodovias preparando-se para novas ocupações, como as realizadas no município de Itaquiraí. Para Favero, porém, regressar está fora de questão: “Se vamos perder tudo o que fizemos trabalhando em 30 anos, algo licitamente adquirido, preferimos morrer aqui”, diz o agricultor de 74 anos, a maior parte dos quais vividos em território paraguaio.

A hesitação e a ambiguidade das autoridades paraguaias em relação a essa questão se explica, embora não se justifique, pelos interesses econômicos e sobretudo políticos que envolve: por trás dela está o jogo da sucessão do presidente Lugo, que deixará o governo em 2013, pois a Constituição paraguaia veda a reeleição.

Guarânias e tereré

Único país bilíngue da América Latina, o Paraguai não tinha analfabetos na primeira metade do século 19 e ainda hoje seu índice nesse quesito, de 5,2% da população, é a metade do brasileiro (9,6%). Do total de 6,5 milhões de habitantes, 95% são mestiços, resultado da forte miscigenação entre colonizadores espanhóis e índios guaranis, que originalmente ocupavam o território mediterrâneo, hoje reduzido a pouco mais de 400 mil km², desprovido de litoral e totalmente dependente da navegação fluvial para realizar seu comércio exterior. No dizer do escritor paraguaio Augusto Roa Bastos, seu país é “uma ilha rodeada de terras”.

Conscientes de integrar uma nação pobre e pequena – mas que não se apequena diante de ninguém, como diz um slogan oficial –, os paraguaios são em geral receptivos aos brasileiros que em número cada vez maior escolhem Assunção como destino turístico, atraídos pelas compras e pelos cassinos. No Resort Yacht y Golf Club Paraguayo, distante 14 km do centro da cidade, o hóspede nem sequer precisa recorrer ao “portunhol” para ser atendido nas piscinas ou em qualquer um dos cinco luxuosos restaurantes, pois os funcionários compreendem e se expressam sem dificuldade em português.

Fator importante para atrair visitantes são os preços baixos nesta que é considerada uma das dez capitais mais baratas do mundo. Apesar dos muitos zeros na hora do câmbio – 1 real vale cerca de 2,4 mil guaranis, a moeda local –, o Paraguai é o país mais estável monetariamente do Mercosul e apresenta a menor inflação de todos, nos últimos 50 anos. Uma refeição para duas pessoas com bebida custa em torno de 70 mil guaranis: menos que R$ 30.

O brasileiro que percorre as arborizadas ruas de Assunção – as mesmas que foram ocupadas em 1869 pelas tropas comandadas pelo duque de Caxias – logo percebe que os agentes da invasão brasileira agora não são mais soldados, e sim empresas. Postos de gasolina da Petrobras, agências do Banco Itaú e cartazes da cerveja Brahma são onipresentes não apenas na capital, mas em todo o país.

As queixas que se ouvem contra essa espécie de imperialismo brasileiro, porém, não estão relacionadas com produtos ou serviços, e sim com o que se poderia chamar de apropriação indébita de símbolos da cultura paraguaia. Anibal Riveros, dono da loja de discos Blue Caps na Calle Palma – a rua comercial mais tradicional de Assunção –, reclama enquanto sorve um gole de tereré, um chimarrão de água gelada que os paraguaios consomem durante todo o dia para amenizar os rigores do calor: “Não existe nada mais paraguaio que o tereré, mas os brasileiros tiveram a coragem de registrá-lo como se fosse deles”, diz, aludindo a um decreto assinado em 2011 pelo governador de Mato Grosso do Sul, André Puccinelli (PMDB). Classificada como tereré de Ponta Porã – cidade no sul do estado, separada apenas por uma avenida da paraguaia Pedro Juan Caballero –, a bebida foi declarada patrimônio imaterial histórico e cultural de Mato Grosso do Sul, sem qualquer referência a sua verdadeira origem.

O pior, entretanto, foi quando o programa “Fantástico”, da Rede Globo, apresentou a música Meu Primeiro Amor como se fosse brasileira, sem mencionar que se trata de uma versão da guarânia Lejanía, composta em 1937 pelo paraguaio Herminio Giménez. A indignação ganhou as páginas dos jornais paraguaios, e o Núcleo Cultural Guarani Paraguay Teete, com sede em São Paulo, mobilizou a comunidade de 70 mil paraguaios residentes no Brasil para exigir a retificação, explicando que o ritmo guarânia nasceu em 1925, no Paraguai, pelas mãos do maestro José Asunción Flores. Na década de 1950, o brasileiro José Fortuna fez a versão livre de canções como Lejanía, de Giménez, e India, de Flores, que se tornaram grandes sucessos no Brasil sem que as origens e os verdadeiros autores fossem mencionados ou reconhecidos. Satisfeitos com a nota lida pelos apresentadores do programa global admitindo o erro e a omissão, os membros do Paraguay Teete (“Paraguai verdadeiro”, em guarani), fundado em 2009, prosseguem com sua proposta de mostrar aos brasileiros que seu país “não se resume a Ciudad del Este”. Defender a dignidade, a imagem e a história do Paraguai e de seus descendentes perante situações discriminatórias, tratos pejorativos, piadas e chacotas que a mídia do Brasil vem produzindo constantemente é o objetivo central do grupo.

Dos guaranis aos brasiguaios

1537 – Em acordo com caciques guaranis, o capitão espanhol Juan de Salazar funda na margem oriental do rio Paraguai o Porto e Casa Forte de Nossa Senhora de Assunção como “amparo e reparo” da conquista do sul do continente, cuja porção espanhola seria conhecida como Província Gigante das Índias.

1758 – Os jesuítas são expulsos após o Tratado de Madri entre Portugal e Espanha. Os guaranis abandonam as missões, onde por mais de um século haviam resistido aos ataques dos bandeirantes paulistas.

1811-1840 – Independência do Paraguai e governo de José Gaspar de Francia, conhecido como El Supremo, que fecha o país para evitar a influência de algumas características de seus vizinhos: o escravismo no Brasil e o extermínio de índios na Argentina.

1864-1870 – Guerra do Paraguai ou da Tríplice Aliança, orquestrada à sombra do Império Britânico por um quarto aliado, a libra esterlina, de acordo com o historiador e ex-senador paraguaio Domingo Laino.

1932-1935 – Guerra do Chaco, contra a Bolívia, estimulada por interesses petrolíferos dos EUA.

1954-1989 – A ditadura de Alfredo Stroessner deixa um saldo de 420 desaparecidos, segundo o relatório final da Comissão Verdade e Justiça do Paraguai.

2008-2013 – Após se eleger presidente para um mandato de cinco anos, Fernando Lugo, bispo católico vinculado à Teologia da Libertação, obtém do papa Bento XVI a dispensa de seus votos eclesiásticos.
Revista Problemas Brasileiros