sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Entenda os fatores envolvidos na independência do Sudão do Sul


Separação do novo país com o Sudão foi definida em janeiro, em um referendo no qual 99% das pessoas que votaram apoiaram a divisão
BBC Brasil

Foto: AP
Com a bandeira do novo país, homem comemora a independência do Sudão do Sul pelas ruas de Juba

O Sudão do Sul é o mais novo país do mundo, após ter oficializado sua independência em relação ao Sudão. A separação foi definida em um referendo realizado em janeiro, quando 99% dos votantes apoiaram a divisão do país, marcado por conflitos sectários. Entenda os fatores envolvidos na separação:

Por que a maioria dos cidadãos do sul quer um país independente?

Assim como no restante da África, as fronteiras do Sudão foram desenhadas por potências coloniais pouco preocupadas com as realidades étnicas e culturais da região. Enquanto o Sudão do Sul tem uma paisagem repleta de selvas e pântanos, o norte é mais desértico.

A maioria da população do norte é muçulmana e fala árabe; o sul é composto de vários grupos étnicos, de maioria cristã ou animista. Com o governo centralizado no norte, em Cartum, a população no sul se dizia discriminada e rejeitava tentativas de imposição da lei islâmica no país. Os dois lados lutaram entre si durante a maior parte de sua história.

O que acontece após a independência?

Agora é que começa o trabalho duro. Norte e sul ainda têm de chegar a um acordo em relação a temas como:

- Traçado da nova fronteira e como ela será controlada
- Como dividir a dívida do Sudão e os royalties do petróleo do novo país
- Que moeda será adotada pelo novo país
- Que direitos os sulistas terão no norte, e vice-versa

A verdade nua e crua é: não. Após viver anos em guerra e desdenhado pelo governo central, o novo país - que é maior do que Espanha e Portugal juntos - quase não tem estradas; também faltam escolas e serviços de saúde para a população de cerca de 8 milhões.

Apesar de seu potencial para a agricultura, 95% das receitas do novo país vêm do petróleo. "A vida no Sudão do Sul provavelmente será precária nos anos futuros", disse à BBC o analista especializado em Sudão Douglas Johnson.

Os ex-rebeldes do grupo SPLM, que têm controlado a região desde 2005, ganharam alguma experiência em governabilidade e lucram com os poços de petróleo do sul sudanês. Também elaboraram planos ambiciosos para desenvolver suas cidades e realizaram um concurso para a composição do hino nacional.

Mas críticos dizem que, até agora, o grupo desperdiçou muito desse lucro em gastos militares, e pouco em medidas que aumentem o padrão de vida em uma das regiões mais pobres do mundo.

Também há acusações de corrupção, autocracia e favorecimento tribal. Alguns dizem que o SPLM é dominado por membros do maior grupo étnico do Sudão do Sul, os dinkas, acusados de ignorar as demandas de outras comunidades - em especial da segunda maior etnia da região, os nuer.

Um observador da situação sudanesa disse à BBC, em condição de anonimato, que "não me surpreenderia se o Sudão do Sul se tornasse uma nova Eritreia". Em 1993, os eritreus votaram maciçamente em favor da independência da Etiópia. Atualmente, a Eritreia é considerada uma das nações mais opressivas do continente.

Como Cartum vê a independência do sul?

Nesta sexta-feira, o governo do presidente sudanês, Omar al-Bashir, reconheceu formalmente a independência da parte sul de seu país. Mas, desde o referendo de janeiro, regiões na fronteira entre sul e norte, como Abyei e Kordofan do Sul, têm vivido uma onda de confrontos, levantando temores de uma nova guerra.

Os dois lados assinaram diversos acordos de paz, mas as tensões permanecem. O SPLM acusa o governo sudanês de financiar rebeliões, para desestabilizar o Sudão do Sul, mas Cartum nega as acusações. Ainda que o novo país esteja tentando forjar laços com países como Uganda e Quênia, manter boas relações com o vizinho do norte será crucial.

O que acontecerá com o norte?

A prioridade para Cartum, agora, é tentar manter para si o máximo de lucros originados da produção de petróleo do país. Ao mesmo tempo em que a maioria dos poços fica no Sudão do Sul, o norte tem a maioria dos oleodutos que escoam o combustível para o mar Vermelho. A fronteira entre o sul e o norte, rica em petróleo, ainda não foi demarcada, então existe a possibilidade de que ocorram disputas pelo controle dos poços.

No que diz respeito à vida dos cidadãos comuns, ambos os lados concordaram em permitir que todos os sudaneses - em especial os sulistas radicados em Cartum - escolham qual nacionalidade terão. Mas os planos de Bashir de implementar uma rígida versão da sharia (a lei islâmica) no norte do país pode afugentar os sulistas da região.

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África e da Ásia são mais vulneráveis às mudanças climáticas

Estudo britânico analisou a exposição a eventos climáticos extremos, tais como secas, ciclones, incêndios florestais e tempestades

AFP
Foto: The New York Times
Seca: Somalis chegam a acampamento para refugiados no Quênia

Um terço da população, a maioria na África e no sul da Ásia, é mais vulnerável aos riscos das mudanças climáticas, enquanto os habitantes dos países ricos no norte da Europa são os menos expostos, segundo um relatório de uma empresa britânica especializada em análise de riscos.

Bangladesh, Índia e República Democrática do Congo (RDC) estão entre os 30 países em risco "extremo" frente às alterações no clima, segundo um ranking de 193 países feito pela companhia Maplecroft, divulgado na quarta-feira.

Cinco países do sudeste asiático - Indonésia, Mianmar, Vietnã, Filipinas e Camboja - também estão nesta categoria, em parte por causa da elevação do nível dos mares e do aumento dos eventos de tempestades tropicais severas.

A ferramenta usada pela Maplecroft, o Índice de Vulnerabilidade às Mudanças Climáticas (CCVI), analisa a exposição a eventos climáticos extremos, tais como secas, ciclones, incêndios florestais e tempestades, que se traduzem em estresse hídrico, perda de colheitas e avanço do mar sobre a terra.

A vulnerabilidade da sociedade a estes eventos também é medida, juntamente com o potencial do país a se adaptar aos riscos vinculados às mudanças climáticas.

Dos 30 países identificados no relatório como em risco "extremo" pelas mudanças no clima, dois terços ficam na África e todos estão em países em desenvolvimento.

Segundo o documento, a África é especialmente vulnerável a secas, cheias severas e incêndios florestais.

"Há muitos países vulneráveis mesmo com uma exposição relativamente baixa a eventos climáticos", comentou Charlie Beldon, co-autor do estudo.

Economias frágeis, serviços de saúde inadequados e governos corruptos diminuem a margem de absorção de impactos climáticos.

No outro extremo da tabela, Islândia, Finlândia, Irlanda, Suécia e Estônia ocupam o topo da lista dos países considerados em menor risco.

Com a exceção de Israel e dos petrolíferos Qatar e Bahrein, os 20 países menos vulneráveis ficam no norte e no centro da Europa.

A China e os Estados Unidos - o primeiro e o segundo maiores emissores de carbono do planeta - ocupam, respectivamente, as categorias "média" e "baixa" de risco.

Em uma análise paralela sobre as cidades mais vulneráveis, a Maplecroft citou Daca, Adis Abeba, Manila, Calcutá e a cidade bengalesa de Chittagong como as mais expostas.

Outras três metrópoles indianas - Chennai, Mumbai e Nova Délhi - foram listadas na categoria de risco "elevado".

"A vulnerabilidade às mudanças climáticas tem o potencial de minar o desenvolvimento futuro, particularmente na Índia", alertou Beldon.

Estudos recentes - revistos em um relatório especial do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), com publicação prevista para o próximo mês - apontam para evidências que reforçam os vínculos entre o aquecimento global e eventos climáticos extremos.

Segundo alguns especialistas, as secas recorde registradas na Austrália e na África, as inundações no Paquistão e na América Central, bem como os incêndios na Rússia e nos Estados Unidos podem ter sido, em parte, provocados pelas mudanças climáticas.

De acordo com algumas previsões, as tendências atuais de aquecimento se encaminham para uma elevação global da temperatura do planeta em 3 graus Celsius.

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domingo, 12 de fevereiro de 2012

Muito além dos mapas tradicionais

Geógrafa defende que a cartografia adote novos padrões para confecção de mapas

Eliana Pegorim

O mapa acima traz uma anamorfose que representa uma projeção da população do mundo para o ano 2025, em que o tamanho de cada país é proporcional à população (fonte: Relatório Mundial sobre o Desenvolvimento Humano/1990)

A cartografia pode mostrar outros aspectos do espaço geográfico além das distâncias medidas em metros e quilômetros. É o que propõe a geógrafa Fernanda Padovesi Fonseca. Em sua tese de doutorado, defendida em setembro na Universidade de São Paulo, ela questiona a cartografia tradicional euclidiana como a linguagem ideal para representar a geografia.

"Entre os pesquisadores dessa área, a cartografia está naturalizada como linguagem exclusiva da geografia, mas ela não consegue representar o espaço de modo adequado da forma como é feita hoje", explica Fonseca. "Nos mapas atuais, as distâncias são representadas de modo absoluto e as diferenças sociais são esquecidas. Um condomínio fechado pode estar ao lado de uma favela em um mapa que só verifique a distância em quilômetros, mas as distâncias sociais são enormes", exemplifica.

A renovação da geografia
O movimento de renovação da geografia, iniciado na metade década de 1970, procura tornar a geografia uma ciência social. "O ponto de partida é considerar que o espaço produzido pelas sociedades contribui para o entendimento delas", explica Fonseca.

A idéia de renovar a geografia clássica tem grande força nos países anglo-saxões e na França. No Brasil, o principal defensor do movimento foi o geógrafo Milton Santos (1926-2001). Seus defensores queriam acabar com ambigüidade epistemológica da geografia, situada entre ciências naturais e humanas embora, na prática, tratasse as questões humanas como uma ciência da natureza.

"As ciências da natureza não oferecem elementos para analisarmos o complexo espaço geográfico, construído pelas ações e relações humanas", compara Fonseca. Além disso, os críticos da geografia clássica condenavam o excesso de descrição e a ausência de rigor científico, sobretudo na forma como ela era ensinada nas escolas.

Na opinião de Fonseca, é preciso pensar uma cartografia que represente o novo modo de entender o espaço geográfico defendido pelo movimento de renovação da geografia.

A pesquisadora destaca o exemplo das redes de transportes e comunicações, que mudaram a relação entre as pessoas e espaços. Cidades que linearmente podem ser mais distantes ficaram mais próximas devido à sua posição nessas redes. No entanto, a geografia ensinada na escola ainda se preocupa apenas em investigar e detalhar as paisagens de cada região. Para esse tipo de estudo, a cartografia atual satisfaz.

"Nos mapas-múndi, os oceanos estão em posição de destaque e ocupam muito mais espaço, mas as pessoas vivem nos continentes", diz Fonseca. "Outra base além dos tradicionais metros – da cartografia euclidiana – poderia permitir que, nesse caso, os continentes fossem representados de outra forma que mostrasse a importância relativa de cada um."

Uma nova maneira de representar essas mudanças – ainda pouco explorada no Brasil – é o uso de outros elementos para a confecção dos mapas, como dimensão da população e medidas temporais. Esses procedimentos são conhecidos como anamorfoses.

Embora essa discussão mobilize muitos teóricos da geografia, não se sabe quando ela modificará os mapas usados no dia-a-dia. Segundo Fonseca, ainda há muita resistência a uma nova cartografia entre os próprios geógrafos, o que tem atrasado o desenvolvimento teórico e prático da disciplina. "Além disso, os mapas geométricos estão tão consagrados que a criação de novos mapas concebidos em outras bases terá imensas dificuldades para ganhar espaço e visibilidade", prevê.

Eliana Pegorim
Revista Ciência Hoje 

Anamorfose Geográfica


Anamorfose - Distribuição do número de habitantes entre os países
Anamorfose indicando o PIB dos países


Tipo de mapa temático em que as áreas dos países são mostradas proporcionais ao fenômeno representado. Os elementos representados não aparecem em escala cartográfica e não há fidelidade nas formas.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Cerrado: o grande potencial agrícola do Brasil?





Cerrado: o grande potencial agrícola do Brasil?“Hoje, da porcentagem que naturalmente o Cerrado abrangia, percebemos que, pela ocupação humana, a natureza perdeu cerca de 40 a quase 50% de seu território”, constata José Felipe Ribeiro
Por: Thamiris Magalhães e Graziela Wolfart
“Existe um mito de que o Cerrado é seco. E não é verdade. O que acontece concretamente é que nós temos seis meses de época seca chuvosa. Durante esse período praticamente não cai qualquer chuva e a umidade relativa é extremamente baixa. Então, esse mito de que o Cerrado é seco acontece porque normalmente as pessoas que vêm para a região em junho acabam sofrendo com esta secura do ar. No entanto, na época chuvosa temos praticamente 1.500 mm (1,5 metros) o que é muito, só que é tudo em um período de seis meses (a época chuvosa). Depois, de maio a setembro, a chuva é praticamente zero no bioma”. A explicação é do biólogo José Felipe Ribeiro, em entrevista concedida por telefone para a IHU On-Line. De forma bem didática, ele descreve o bioma Cerrado em detalhes. E afirma: “por conta da distribuição de chuvas, boa pluviosidade, terrenos praticamente planos, favoráveis para a mecanização, o Cerrado tem contribuído hoje como o local onde praticamente boa parte da agricultura e pecuária nacionais está se desenvolvendo”.

José Felipe Ribeiro possui graduação em Biologia, pela Universidade Estadual de Campinas, mestrado em Ecologia, pela Universidade de Brasília, e doutorado em Ecologia, pela University of California – DAVIS. É pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária atuando no momento na Embrapa Cerrados e é professor credenciado no programa de Botânica da Universidade de Brasília. Tem experiência na área de Ecologia, com ênfase em Biodiversidade, atuando principalmente nos seguintes temas: biodiversidade, fitossociologia, florística, propagação e recuperação de ambientes ripários e de Cerrado.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – No que consiste o bioma Cerrado? Quais áreas ele abrange?


José Felipe Ribeiro – O Cerrado está localizado essencialmente no Planalto Central do Brasil e é o segundo maior bioma do país em área, apenas superado pela Floresta Amazônica. Trata-se de um complexo vegetacional que possui relações ecológicas e fisionômicas com outras savanas da América tropical e de outras regiões como África, sudeste da Ásia e Austrália. O Cerrado ocupa mais de 2.000.000 km², o que representa quase 25% do território brasileiro. Ocorre em altitudes que variam de cerca de 300 metros, a exemplo da Baixada Cuiabana (MT), a mais de 1.600 metros, na Chapada dos Veadeiros (GO). No bioma, predominam os Latossolos , tanto em áreas sedimentares como em terrenos cristalinos, ocorrendo ainda solos concrecionários em grandes extensões.
O Cerrado abrange como área contínua os estados de Goiás, Tocantins e o Distrito Federal, parte dos estados da Bahia, Ceará, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Piauí, Rondônia e São Paulo, ocorrendo também em áreas disjuntas ao norte nos estados do Amapá, Amazonas, Pará e Roraima, e ao sul, em pequenas “ilhas” no Paraná. No território brasileiro, portanto, as disjunções acontecem na Floresta Amazônica, região em que a vegetação tem sido tratada por outros termos ou expressões, como “savanas amazônicas”; na Floresta Atlântica, especialmente na região sudeste, nos estados de São Paulo e Minas Gerais; na Caatinga, como manchas isoladas no Maranhão, Piauí, Ceará e Bahia; e também no Pantanal, onde se mescla fisionomicamente com esse bioma. Fora do Brasil ocupa áreas na Bolívia e no Paraguai, enquanto paisagens semelhantes são encontradas no norte da América do Sul, como na Venezuela e na Guiana. Com o desenvolvimento da ocupação humana, ele vem sendo ocupado pela agricultura e pelas populações urbanas.

Cerrado além das savanas

É bom deixar claro que o Cerrado é muito mais que savanas, com árvores tortas, como as pessoas normalmente enxergam. Existe uma série de florestas secas no bioma, que possui uma vegetação que não fica na área do rio e sim entre os rios. Depois disso, tem o outro extremo, que são os campos, áreas com solo raso ou as várzeas que acontecem na forma de vegetação campestre. Então, a paisagem do Cerrado tem floresta, savana e os campos. Hoje, da porcentagem que naturalmente o Cerrado abrangia, percebemos que, pela ocupação humana, a natureza perdeu cerca de 40 a quase 50% de seu território.

IHU On-Line – Como pode ser caracterizado o clima no bioma?


José Felipe Ribeiro – O Cerrado caracteriza-se pela presença de invernos secos e verões chuvosos, um clima classificado tecnicamente como Aw de Köppen (tropical chuvoso). Possui média anual de precipitação da ordem de 1.500 mm, variando de 750 quando mais próximo da Caatinga a 2.000 mm, nas cercanias do bioma Amazônico. As chuvas são praticamente concentradas de outubro a março (estação chuvosa), e a temperatura média do mês mais frio é superior a 18°C. O contraste entre as superfícies mais baixas (inferiores a 300 metros), as longas chapadas entre 900 e 1.600 metros e a extensa distribuição em latitude, conferem ao Cerrado uma diversificação térmica bastante grande. Por outro lado, o mecanismo atmosférico geral determina uma marcha estacional de precipitação semelhante em toda a região, criando nela uma tendência de uniformidade pluviométrica: há uma estação seca e outra chuvosa bem definidas.

Mito

Existe um mito de que o Cerrado é seco. E não é verdade. O que acontece concretamente é que nós temos seis meses de época seca chuvosa. Durante esse período praticamente não cai qualquer chuva e a umidade relativa é extremamente baixa. Então, esse mito de que o Cerrado é seco acontece porque normalmente as pessoas que vêm para a região em junho acabam sofrendo com esta secura do ar, apresentando até sangramentos nasais, por exemplo. No entanto, na época chuvosa temos praticamente 1.500 mm (1,5 metros) o que é muito, só que é tudo em um período de seis meses (a época chuvosa). Depois, de maio a setembro, a chuva é praticamente zero no bioma.

IHU On-Line – Que contribuições o Cerrado oferece para a agropecuária?


José Felipe Ribeiro – Várias. Por conta da distribuição de chuvas, boa pluviosidade, terrenos praticamente planos, favoráveis para a mecanização, o Cerrado tem contribuído hoje como o local onde praticamente boa parte da agricultura e pecuária nacionais está se desenvolvendo. Destacam-se os grãos e, devido a eles, o Cerrado é frequentemente chamado de “celeiro do mundo” por algumas empresas. Mas isso, claro, tem um preço. Quando falamos em ambiente natural, temos uma troca, em que onde se planta não se pode manter vegetação nativa. Esse comportamento de ocupação humana tem causado o desaparecimento de enormes faixas do Cerrado, em função das atividades agrícolas e pecuárias. O grande desafio que temos na agricultura e na urbanização desse ambiente é entender até que ponto se pode plantar e conservar ao mesmo tempo, mas não no mesmo lugar.

IHU On-Line – O desenvolvimento econômico está mudando o bioma?


José Felipe Ribeiro – O fato de o Cerrado ter a percepção de ser o grande potencial agrícola do Brasil está mudando a paisagem. O desenvolvimento econômico tem uma matriz baseada principalmente no recurso financeiro, mas temos que perceber como a ciência pode ajudar na economia verde, onde se deve entender como se agrupa e se associa o desenvolvimento econômico com o social e ambiental. Nesse aspecto, o Brasil pode ocupar posição de destaque, por ainda ter muita área preservada. A partir dos recursos naturais disponíveis, temos que traçar estratégias de como ocupar a terra da melhor maneira possível. Existe um ganho econômico e, ao mesmo tempo em áreas próximas, podem ser conservados vários recursos naturais imprescindíveis ao desenvolvimento econômico, como a água. Se não se conservam a água e o solo por um mau manejo do uso da terra, perdendo-os por erosão, por exemplo, tem-se o desenvolvimento econômico do Cerrado comprometido.

IHU On-Line – Podemos dizer que todo o Cerrado está modificado pela degradação ambiental ou ainda há alguma parte intacta?


José Felipe Ribeiro – Temos praticamente em torno de 50 a 55% do Cerrado ainda remanescente. Esse número era de 60% até 2002, mas, a partir daí, a ocupação aumentou bastante. Esses são dados do Ministério do Meio Ambiente, de um trabalho em conjunto com a Embrapa. Estão desaparecendo alguns tipos de paisagens que competem com a agricultura. O pior é que muitas vezes o que fica remanescente é aquela vegetação que naturalmente acontece em solos mais rasos em que a agricultura não é possível de ser feita por máquina, e ai não estaríamos conservando o que é típico do bioma. Essa é uma situação concreta, na qual a biodiversidade representativa de algumas paisagens do Cerrado está sendo perdida.

IHU On-Line – Que tipos de biodiversidades o bioma oferece?


José Felipe Ribeiro – Podemos falar em dois tipos de biodiversidade: a que agrega as matas ciliares, de galeria, secas, o cerradão, savana, o cerrado típico, as veredas e até os campos, que é a biodiversidade de paisagem, e que associa a diversidade vegetal e animal. Depois, temos as espécies: são mais de 12 mil espécies de plantas nesses ambientes, onde algumas delas ainda estão se desenvolvendo em lugares em que a agricultura está acontecendo. Só no Cerrado o Brasil contribui para a biodiversidade mundial com 12 mil espécies vegetais. Isso é um número incrivelmente amplo. O nosso país é uma nação de megabiodiversidade por causa dessas espécies que têm na Amazônia, na Mata Atlântica e no Cerrado.

IHU On-Line – De que maneira o Cerrado contribui com a diversidade vegetal?


José Felipe Ribeiro – Se formos observar, em termos de América do Sul, geograficamente o Cerrado é uma ligação entre a Amazônia e a Mata Atlântica e entre a Caatinga e o Pantanal. Assim, ele apresenta uma distribuição de espécies que ajudam no fluxo gênico de sementes entre todos os grandes biomas nacionais. Por isso ele é muito importante para essa diversidade natural de todos os biomas presentes em nosso país.

IHU On-Line – Como pode ser definida a atual situação dos recursos hídricos no bioma?


José Felipe Ribeiro – O Cerrado é o segundo maior bioma brasileiro em extensão, com cerca de 204 milhões de hectares (Embrapa Cerrados, 2004). Sua maior parte está localizada no Planalto Central que, conforme sua denominação, compreende regiões de elevadas altitudes, na porção central do país. Assim, o espaço geográfico ocupado pelo bioma desempenha papel fundamental no processo de captação e de distribuição dos recursos hídricos pelo país, sendo o local de origem das grandes bacias hidrográficas brasileiras e do continente sul-americano.

Agricultura

Além da importância em termos hidrológicos, esse ecossistema possui enorme destaque nos cenários agrícolas nacional e mundial. Com pouco mais de 30 anos de ocupação agrícola, o Cerrado já conta com 50 milhões de hectares de pastagens cultivadas; 13,5 milhões de hectares de culturas anuais e 2 milhões de hectares de culturas perenes e florestais. Apenas para citar algumas evidências da sua importância agrícola e econômica, na safra brasileira de 2002/2003, os percentuais da produção nacional, gerados em áreas de Cerrado, referentes às culturas de soja, algodão, milho, arroz e feijão foram de 58%, 76%, 27%, 18% e 17%, respectivamente. A região ainda responde por 41% dos 163 milhões de bovinos do rebanho brasileiro, sendo responsável por 55% da produção nacional de carne. A expansão agrícola do Cerrado continua. Culturas como a do girassol, a da cevada, a do trigo, a da seringueira e a dos hortifrutigranjeiros, bem como a prática da avicultura, desenvolvem-se rapidamente na região.

Agronegócio

Muito se tem falado sobre a importância do Cerrado para o desenvolvimento do agronegócio brasileiro e sobre a sua condição de maior fronteira agrícola mundial. Entretanto, são poucas as oportunidades em que são considerados os aspectos ambientais e os impactos que esse desenvolvimento pode vir a gerar. Os benefícios advindos da ocupação agrícola do Cerrado são evidentes e incontestáveis, mas para que ele aconteça sob bases sustentáveis, gerando o máximo de benefícios com o mínimo de impactos, há informações que são fundamentais, porém, pouco conhecidas.

Sustentabilidade

Na verdade, nós cientistas agrícolas e ambientais devemos nos preocupar em entender qual o papel que o Cerrado pode ter em termos de Brasil e de mundo. Creio que não existem mais dúvidas de que esse bioma tem, hoje, um papel fundamental para a economia do país, principalmente pela produção de grãos e outras commodities. No entanto, devemos entender como melhorar a agricultura que podemos realizar nessa região. Temos que ter clara a ideia de que as commoditties agrícolas irão ser bem sucedidas se nós pudermos manejá-las compatibilizando com a conservação de algumas áreas dentro desse bioma. Essa atitude de conservação irá proporcionar uma agrobiodiversidade não só de espécies vegetais, mas também da fauna, e que inclui nós, da espécie humana. Na verdade, estamos falando ainda da conservação do solo e da água. Dependemos, como espécie, dessa água e desse solo para a agricultura, como qualquer outra espécie da natureza também depende. O ser humano deveria entender melhor essas regras do jogo infinito da natureza. Se nós não compatibilizarmos essas forças, iremos acabar perdendo esse jogo.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Entenda por que o Afeganistão é estratégico

Localizado entre o sul, o oeste e o centro da Ásia, país é alvo de invasões e palco de disputas de Índia, Paquistão e Irã

Bruna Carvalho, iG

Ao longo da história, a posição geográfica estratégica do Afeganistão tornou o país asiático alvo de invasões e guerras. Para entender o que é essa “posição estratégica”, basta observar um mapa da Ásia e ver que as nações que fazem fronteira com o Afeganistão são peças essenciais no quebra-cabeça geopolítico há anos.

A divisa mais extensa é com o Paquistão, que enfrenta desde sua independência (1948) um conflito com a vizinha Índia, possui armas nucleares e tem com os EUA uma conturbada aliança. Do lado ocidental está o Irã, nação teocrática, de regime fechado, inimiga declarada dos americanos.

A China, que compartilha com o Afeganistão 76 km de fronteira, emergiu como uma superpotência econômica nos últimos anos e, portanto, tem interesse em influir em uma região eventualmente estabilizada no intuito de ganhar o mercado consumidor afegão.

Veja mapa com a localização geográfica e divisões étnicas do Afeganistão:

"O Afeganistão está localizado entre o sul, o oeste e o centro da Ásia, ou seja, entre importantes regiões econômicas e culturais. No período moderno, a rivalidade entre czaristas russos e os britânicos durante o colonialismo (século 19) afetou diretamente o Afeganistão. Depois, o legado dos poderes coloniais e a briga superpoderosa entre os EUA e a União Soviética (Guerra Fria, 1947-1991) também atingiram o país em cheio. Além disso, existe o latente confronto entre o Paquistão e a Índia", afirmou ao iG o especialista em islamismo e conflitos asiáticos Pervaiz Nazir, professor da Universidade de Cambridge, Reino Unido.

Índia x Paquistão
O conflito entre a República Islâmica do Paquistão e a República da Índia teve início após a partilha da Índia britânica, em 1947 (que deu origem aos dois países e a Bangladesh), e está centrado no controle da Caxemira, região montanhosa de maioria muçulmana que faz divisa com os dois países.

Entre 1947 e 1948, a Índia e o Paquistão travaram sua primeira guerra pela região. Sob supervisão da ONU, os dois concordaram com um cessar-fogo ao longo de uma fronteira que deixou um terço da área sob administração paquistanesa e os dois terços restantes sob controle indiano.

Em 1972, um acordo renomenou a fronteira do cessar-fogo de Linha de Controle. Apesar de a Índia, de maioria hindu, alegar que todo o Estado faz parte do país, tem indicado que aceitaria a demarcação como uma fronteira internacional com algumas possíveis modificações. Mas o Paquistão rejeita a medida com o argumento de que o chamado Vale da Caxemira, com população 95% muçulmana, ficaria com a Índia. Além disso, o movimento insurgente da Caxemira, apoiado por Islamabad, luta desde 1989 pela independência da área sob administração indiana.

Foto: Getty Images
Em foto datada de 4 de janeiro de 2001, um soldado paquistanês guarda a fronteira entre seu país e a Índia

O Afeganistão, geograficamente muito próximo à disputa das duas potências nucleares, contou em seus conflitos internos com interferência dos dois países, sempre assumindo lados opostos. Enquanto Nova Délhi apoiava os soviéticos durante a invasão (1979-1989), o Paquistão financiava os mujahedin (combatentes islâmicos) para expulsá-los.

Mais tarde, o Paquistão ajudou a milícia islâmica do Taleban a controlar o país, enquanto a Índia financiou a Aliança do Norte (organização político-militar das etnias afegãs) para combatê-lo.

O Afeganistão também é palco de denúncias mútuas entre os dois países. Depois da queda do Taleban, após a invasão da coalizão liderada pelos EUA em 2001, Islamabad acusou consulados abertos pela Índia nas cidades afegãs de Maza-e-Sharif, Jalalabad, Herat e Kandahar de abrigar agentes de inteligência que planejavam operações contra o Paquistão.

A Índia, por outro lado, é um dos países que acusam o serviço de inteligência paquistanês de ainda apoiar o Taleban, o que é negado pelas autoridades de Islamabad. Essa desconfiança cresceu depois de dois ataques contra a embaixada da Índia na capital afegã, Cabul, no período de 15 meses (entre julho de 2008 e outubro de 2009), que deixaram um total de 57 mortos.

A Índia tem interesses particulares no Afeganistão, pois o país é rota para as nações do centro asiático com alto potencial energético. Além disso, Nova Délhi tem feito investimentos pesados no setor no Turcomenistão, vizinho do Afeganistão. "Em uma tentativa de isolar o Paquistão, a Índia quer reforçar os laços com o Afeganistão, e vice-versa", disse Kirk Buckman, professor de Relações Internacionais da Universidade New Hampshire, nos EUA.

Irã
O Irã e o Afeganistão têm proximidades culturais, uma vez que os tajiques, segundo maior grupo étnico em território afegão, também falam farsi, enquanto os hazaras, terceiro maior grupo e localizados predominantemente no centro do país, também são xiitas.

Durante a invasão soviética, desembarcaram no país tropas da Guarda Revolucionária Islâmica para treinar grupos xiitas em uma tentativa de expandir a Revolução Islâmica do Irã de 1979. Com a queda da União Soviética (1991) e a retirada de seus soldados do país asiático, Teerã apoiou as etnias tajique e hazara ligadas à Aliança do Norte para tentar impedir a ascendência do sunita Taleban.

No entanto, em 1996, o Taleban passou a controlar boa parte do território afegão, complicando as relações bilaterais até então amigáveis. O auge da tensão aconteceu em 1998, quando o Taleban invadiu o consulado iraniano em Mazar-e-Sharif, matando um grupo de diplomatas. Em resposta, Teerã posicionou soldados em suas fronteiras.

Depois da invasão pós-11 de Setembro, que culminou com a deposição do Taleban (que dava abrigo à rede terrorista Al-Qaeda), o Irã voltou a marcar presença no território afegão, construindo até uma ferrovia para ligar os dois países. Por causa do impacto interno do grave problema da produção de ópio no Afeganistão, o Irã tolerou a presença americana no país, facilitou programas de combate às drogas e também reconheceu o governo de Hamid Karzai.

Esse breve momento de indulgência em relação à presença ocidental, porém, chegou ao fim quando, em 2002, o então presidente americano George W. Bush (2001-2009) colocou o Irã em seu "eixo do mal", ao lado do Iraque e Coreia do Norte.

Para alguns especialistas ouvidos pelo centro de estudos americanos Council Foreign Relations (CFR), desde então o Irã começou a apoiar a militância islâmica, primeiro no Iraque (invadido pelos EUA em 2003) e posteriomente no Afeganistão. Apesar de parecer contraditório, tendo em vista que o Taleban é sunita e o Irã, xiita, o apoio ao grupo insurgente desestabiliza o Afeganistão e, consequentemente, a missão militar dos EUA no país.

Divisões frágeis
Os 2,4 mil km de fronteira entre o Afeganistão e o Paquistão são palco de históricos conflitos, e a pacificação da região, segundo os EUA, depende da vitória sobre o caos provocado pelas disputas tribais dos dois países.

Cabul nunca reconheceu as divisões fronteiriças e reivindica áreas da etnia pashtun, localizadas no Território Federal das Áreas Tribais e partes do norte paquistanês. "Há um forte laço entre os dois países que é a identidade comum entre as populações muçulmanas afegãs e paquistaneses. Além disso, a população afegã é predominantemente pashtun (40%) e há também um significativo número de pashtuns na região noroeste do Paquistão", disse Buckman, da New Hampshire.

A etnia balúchi também vive em ambos os lados da fronteira. Essa presença tribal nos dois países mostra o quão frágeis são as divisões impostas pela mentalidade colonialista do século 19, que não respeitaram as diferenças étnicas, dispondo no mesmo território povos com diferentes costumes e dialetos e separando outros com profunda identidade histórica. A fragilidade na fronteira é tamanha que circulam com tranquilidade criminosos, traficantes de drogas e de armas pela região.

Após os atentados do 11 de Setembro e o início da Guerra no Afeganistão, o Paquistão se aliou aos EUA e declarou oposição aos grupos que antes tinha fortalecido durante a invasão soviética, como o Taleban, em contraponto à Índia.

Foto: Getty Images
Foto tirada em 23 de dezembro de 2001 mostra uma família que fugiu de locais controlados pelo Taleban, alvo de ataques militares, para um campo de refugiados em Jalalabad


Atualmente as autoridades americanas, afegãs e indianas, porém, deixam claro que suspeitam que essa oposição aos grupos militantes limita-se ao discurso. De acordo com essas denúncias, a escalada da violência no Afeganistão tem como uma de suas causas o apoio implícito dado pelo serviço de inteligência paquistanês (ISI) ao Taleban e à sua aliada rede Haqqani, cuja base fica no Paquistão.

Essas suspeitas fizeram com que Washington invadisse o Paquistão em maio, desrespeitando sua soberania, para garantir o sucesso da operação em que o líder da Al-Qaeda, Osama bin Laden, foi morto. Na época, os EUA justificaram a medida afirmando que era necessária para evitar que bin Laden fosse avisado e pudesse fugir. Caçado desde antes dos ataques do 11 de Setembro, bin Laden estava escondido em uma casa na cidade paquistanesa de Abbottabad, a apenas 64 km de Islamabad e ao lado de uma academia militar.

Desde então, a relação dos dois países está estremecida e piorou ainda mais quando, em 22 de setembro, o chefe do Estado-Maior Conjunto americano, almirante Mike Mullen, acusou a ISI de apoiar o grupo Haqqani no planejamento e condução do ataque lançado nove dias antes contra a Embaixada dos EUA em Cabul.

A mais recente acusação feita contra o ISI está relacionada ao assassinato de Burhanuddin Rabbani, ex-presidente afegão e mediador para a paz. Em 20 de setembro, um homem que se apresentou como mensageiro do Taleban explodiu uma bomba escondida no seu turbante ao cumprimentar Rabbani em sua residência, em Cabul.

Segundo autoridades afegãs, o resultado das investigações confirma que o terrorista era paquistanês e que o atentado foi planejado em Quetta. O ministro do Interior afegão garantiu que os agentes da ISI tinham envolvimento na trama, o que foi negado veementemente por Islamabad.

O Taleban não reivindicou o atentado, mas a possibilidade de ter sua autoria é quase certa, uma vez que, além de representar o governo Karzai, Rabbani é um tajique e fez parte da Aliança do Norte, inimiga do Taleban pashtun desde o período pós-ocupação soviética.
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Terras secas

A desertificação ameaça um sexto da população brasileira. Dentre suas principais consequências estão a redução da produção agrícola e da biodiversidade, a migração e a pobreza das populações afetadas.

Isabela Fraga

O Nordeste possui mais de 1,1 milhão de quilômetros quadrados suscetíveis à desertificação. Na foto, região do médio Jaguaribe, onde o fenômeno se encontra em estágio avançado. (foto: Arnóbio Cavalcante/ MCT-Insa)
“Doutor, pode ver o que está acontecendo com a minha plantação?”, perguntou um agricultor do município de São Domingos de Cariri, na Paraíba, ao geógrafo Bartolomeu Israel de Souza durante um trabalho de campo no estado.

Souza, pesquisador da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), acompanhou o senhor até seu pequeno cultivo para poder responder à convocação. “Eu molho, molho, mas não adianta!”, reclamou o agricultor, apontando para uma área de terra seca e sem vida.

Souza, então, se ofereceu para recolher uma amostra do solo e verificar, em análise laboratorial, o problema. A questão, no entanto, já lhe era clara: salinização, um dos principais fatores por trás da desertificação.

Desertificação significa a degradação progressiva de terras em ambientes áridos, semiáridos e subúmidos secos (no Brasil, há apenas os dois últimos). O resultado do processo são áreas com nenhuma ou pouca vegetação, erosão acentuada e, muitas vezes, infertilidade.

Em uma região desertificada, irrigar a terra não é suficiente para que se consiga cultivá-laDaí a reclamação do agricultor paraibano: em uma região desertificada, irrigar a terra não é suficiente para que se consiga cultivá-la. Ele e outros pequenos produtores são os principais prejudicados, pois perdem parte importante de sua subsistência.

Sem ter de onde tirar sustento para suas famílias, muitos migram para cidades maiores – dentro do Nordeste ou em outras regiões –, dependendo exclusivamente da ajuda financeira do governo e com pouca ou nenhuma perspectiva de recuperação de sua propriedade.

Dedo humano
A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que, ao menos em 100 países, 1 bilhão de pessoas seja ameaçado pelo processo de degradação de terras secas. E 24 milhões delas já sofrem os efeitos do fenômeno – a maior parte na África, continente mais afetado.

No Brasil, moradores de parte do 1,1 milhão de quilômetros quadrados suscetíveis à desertificação já veem todos os dias a imagem do solo seco e rachado sem potencial produtivo. A seriedade do problema levou a ONU a declarar esta a Década para os Desertos e a Luta contra a Desertificação.

Flor de xique-xique, uma das espécies típicas do semiárido ameaçadas pela dsertificação (foto: Bartolomeu Israel de Souza)Engana-se, no entanto, quem pensa que o cenário da desertificação se parece com desertos como o Saara africano ou o Atacama, no Chile. “Esses são biomas equilibrados, resultado de processos naturais que duraram milhares de anos”, explica Souza. “Terras desertificadas, por outro lado, são resultado principalmente da ação humana, em um espaço de tempo muito mais curto, insuficiente para o ambiente se reequilibrar.”

As atividades humanas que podem deflagrar, causar ou acentuar o processo de desertificação são muitas – vão desde o desmatamento, passando pelo pastejo excessivo até formas de irrigação danosas.

Terras desertificadas são resultado principalmente da ação humana, em um espaço de tempo muito mais curtoO fenômeno começou a ser percebido no Brasil na década de 1970, quando foram lançados os primeiros estudos sobre o problema – antes apontado como exclusivamente africano.

Quarenta anos depois, poderia se pensar que já há uma vasta base de dados acerca das regiões mais desertificadas ou que têm maior potencial de desertificação no país – além de inúmeros programas governamentais para dar conta do problema.

A realidade, no entanto, não é bem essa. Há, de fato, cada vez mais pesquisas em universidades nordestinas que buscam analisar melhor o processo. Mas, por necessidade, esses estudos são muito locais e usam parâmetros específicos para designar uma região suscetível à desertificação ou analisar aquelas onde o processo já ocorre – os chamados índices de desertificação.

A pesquisa de Souza, por exemplo, é focada na região do Cariri paraibano – e nem por isso deixa de ser um trabalho hercúleo, com coletas de solo, pesquisas de campo e análises em laboratório. O fato, porém, é que é difícil ter um panorama mais abrangente de como a desertificação tem atingido os estados brasileiros nas últimas décadas. 18/04/2011

Isabela Fraga
Revista Ciência Hoje/RJ